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Previdência complementar para servidores estaduais

Previdência complementar para servidores estaduais

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Está em discussão no Brasil uma nova reforma da previdência, incluindo uma revisão das regras do regime geral dos trabalhadores do INSS e dos regimes próprios dos servidores públicos.

​A nova reforma da previdência (Proposta de Emenda à Constituição - PEC 287/2016), pretende revisar as regras do regime geral dos trabalhadores do INSS e dos regimes próprios dos servidores públicos da União, Estados e Municípios, com a justificativa de conferir maior sustentabilidade para o futuro, equilibrando as contas públicas e a situação fiscal dos entes públicos.  Há justificativas de que reforçaria a capacidade de gasto público em áreas essenciais à retomada do crescimento econômico e em programas sociais, e o maior controle e previsibilidade nos gastos. A PEC altera critérios para aposentadoria em relação à idade e ao tempo de contribuição, além de modificar a forma de cálculo dos benefícios, entre outros pontos. É sugerida uma regra de transição aplicada a homens e mulheres de acordo com a idade na data de promulgação da nova emenda.

No caso dos servidores públicos, as mudanças eliminam regras de transição aprovadas anteriormente, também por meio de emendas constitucionais, em 1998, 2003 e 2005. Propõe-se no contexto do projeto em tramitação no Congresso Nacional, para quem já está no mercado de trabalho, um pedágio sobre o período que faltar para completar os tempos de contribuição atuais: de 35 anos para o homem e 30 anos para a mulher. A reforma propõe fixar idades mínimas de aposentadoria para homens e mulheres, com elevação gradual ao longo dos anos, bem como aumento gradual do tempo de contribuição mínimo de 15 para 25 anos. O presente texto aborda os diversos regimes da previdência brasileira. A Constituição Brasileira possibilita a instituição da previdência complementar oficial para os novos servidores no âmbito dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário das esferas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. A introdução desse novo modelo confere maior igualdade entre diversos setores da população, bem como desvincula a política previdenciária da política de cargos e salários do setor público nos diversos níveis e poderes. A transparência, informação e inserção dos participantes e dos entes estatais na gestão devem ser entendidas como formas de assegurar os direitos das partes, em especial sobre a composição das contribuições, do desempenho dos planos e dos critérios de concessão dos benefícios. O desenvolvimento do regime de previdência complementar oficial aprimora a gestão dos recursos do ente federativo, aumenta a transparência e favorece o equilíbrio no longo prazo das contas públicas, bem como amplia o nível de cobertura da previdência complementar no Brasil.


INTRODUÇÃO

A previdência pública brasileira, tanto a dos trabalhadores da iniciativa privada quanto a dos trabalhadores públicos, entrou na agenda legislativa nacional.

Em relação aos regimes de previdência, o Brasil estruturou um sistema de múltiplos pilares de proteção previdenciária: o primeiro compõe-se do Regime Geral de Previdência Social - RGPS; o segundo é a previdência complementar fechada direcionada a grupos determinados de empregados, às pessoas vinculadas a órgão de classe e setorial, e aos servidores. Já o terceiro pilar abrange a previdência complementar aberta, voluntária, com capitalização individual cujos planos são acessíveis a quaisquer pessoas físicas.

A Constituição Brasileira concretiza essa visão prevendo três regimes de previdência. O RGPS, público e obrigatório, destinado aos trabalhadores da iniciativa privada, aos empregados públicos e aos servidores de entes federativos que não criarem regimes próprios.

O Regime Próprio de Previdência dos Servidores - RPPS, também público e obrigatório, é destinado aos servidores titulares de cargo efetivo da União, dos Estados, do Distrito Federal e de quase metade dos Municípios que o instituíram, incluídas suas autarquias e fundações.

Por último, o Regime de Previdência Complementar - RPC, privado e facultativo, destinado a grupos de empregados, às pessoas associadas à órgão de classe e setorial, aos servidores e às pessoas físicas em geral que a ele se vincular, tendo por finalidade atender à necessidade de renda adicional por ocasião da inatividade ou idade avançada.

O regime complementar é operado, de um modo, por entidades abertas de previdência e sociedades seguradoras e destinadas a qualquer pessoa interessada, e de outro modo por entidades fechadas de previdência complementar.

As entidades fechadas, igualmente conhecidas como fundos de pensão, são pessoas jurídicas sem finalidade lucrativa, que têm como objeto a administração de planos de benefícios previdenciários. São denominadas fechadas uma vez que acessíveis unicamente a grupos determinados: i) empregados de uma empresa ou grupo de empresas e equiparados - gerentes, diretores, conselheiros ocupantes de cargo eletivo e outros dirigentes de patrocinadores e instituidores; ii) servidores públicos; iii) associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial.

Desde a Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, admite-se a possibilidade de previdência complementar para servidores, a Previdência Complementar Oficial – PCO, que foi concretamente implantada somente em 2013 por meio da criação das respectivas fundações públicas autorizadas por lei.

Importante observar a particularidade do sistema dos servidores que abrange tanto a proteção básica quanto a além desse limite em um único regime próprio, no caso dos antigos servidores, fazendo a função do primeiro e segundo pilar. No caso dos novos servidores o sistema funciona à semelhança das empresas privadas, com limitação de teto pago pelo regime oficial RPPS e o restante complementado facultativamente pela PCO.

Outros países operam com pilares e tetos de oferecimento e custeio diferenciados. Exemplo a ser mencionado é o do governo federal norte-americano que em 1986 criou o novo regime de previdência dos seus servidores públicos, denominado Federal Employees Retirement System (FERS). Esse sistema oferece benefícios compostos por três fontes: um básico de seguridade social para todos os trabalhadores americanos, um plano de benefício definido, e um plano complementar de contribuição definida com contas individuais.

Levantamento da Secretaria de Previdência vinculada ao Ministério da Fazenda, estima que o deficit atuarial, para os próximos 75 anos, dos regimes dos servidores dos Estados, caso não ocorram ajustes, chega a R$ 4,6 trilhões em valor presente, tendo como ano-base 2016. Nos municípios esse valor é de R$ 770 milhões.

Déficit atuarial representa a diferença entre os compromissos líquidos (passivo atuarial) e os ativos financeiros já capitalizados pelo regime próprio dos servidores, ou seja, é a diferença negativa entre os bens e direitos e as obrigações (passivos) apuradas ao final de um período contábil, mensurados pelos seus valores da data do fechamento do Balanço, portanto traz toda a dívida para valor presente.

Ou seja, quando se calcula o passivo, que são os compromissos contratados com os servidores, aposentados e pensionistas, são incluídos todos os benefícios a serem pagos até o final da vida de todos quem irão recebê-los. Significa quitar, à vista, tudo que seria desembolsado ao longo de dezenas de anos, o que, na realidade, não ocore, uma vez que os pagamentos são realizados mensalmente ao longo de muito tempo. Assim, os regimes irão necessitar de financiamentos adicionais anuais oriundos dos orçamentos ficais por longos períodos.

Quanto aos servidores da União, conforme dados do Ministério da Fazenda, a diferença entre o arrecadado e as despesas com benefícios é de R$ 1,2 trilhão, logo o deficit atuarial total dos sistemas previdenciários do setor público é de R$ 6,6 trilhões, maior do que todo o Produto Interno Bruto Brasileiro (PIB), que em valores correntes chegou a R$ 6,266 trilhões em 2016.

Com efeito, independentemente do cálculo, a conclusão é que os regimeas previdenciários não se sustentam por muito tempo, caso não ocorram reformas em todos eles, seja públicos (regimes próprios de servidores federais, estaduais e municipais), seja privado (regime geral). Um levantamento feito pela Instituição Fiscal Independente do Senado Federal mostra que o Regime Geral da Previdência Social consome 41% do Orçamento do Governo Central.

Segundo especialistas, a crise fiscal dos estados tem como principal fator o elevado gasto com pessoal (ativos, aposentados e pensionistas), o que levanta a discussão sobre uma necessária reforma da Previdência nos Estados também, seja pela idade e condições de acesso, seja pelo valor dos benefícios que no caso dos servidores se limitariam ao mesmo teto do INSS, seja por aumento da aliquota de contribuição (de 11% para 14%), que já está ocorrendo em alguns estados.


2. CONTEXTO MUNDIAL

Importante mencionar que o movimento que o Brasil passa hoje já foi enfrentado pela maioria dos países. No mundo grande parte das previdências dos servidores já segue o modelo de teto de benefícios e de idade mínima, e quando não tem as mesmas regras do setor privado, acabam se aproximando.

França

A última reforma realizada em 2010, estabeleceu entre 60 e 62 anos a aposentadoria para 2017, a depender do ano de nascimento. Entretanto, para se aposentar com essa idade, o benefício é reduzido. Para receber o valor integral a idade mínima deve aumentar, passando de 65 para 67 anos até 2022.

Dinamarca

O sistema de aposentadoria da Dinamarca, considerado por especialistas com um dos melhores do mundo, combina benefícios pagos pelo Estado com sistemas de previdência obrigatórios entre empresas e funcionários, e ainda planos individuais voluntários. No país, não há tempo mínimo de contribuição, mas o valor do benefício leva em conta os anos de pagamento no mercado de trabalho. A idade mínima da aposentadoria básica de caráter universal aumentará de 65 anos para 67 anos entre 2024 e 2027 ao ritmo de seis meses por ano. Depois disso, vai se basear nos índices de longevidade da população.

Alemanha

A idade de aposentadoria é de 65 anos e dois meses, e aumentará para 67 anos até 2022. A Alemanha gasta 10,6% do seu PIB com a previdência.

Grécia

A Grécia promoveu ampla reforma previdenciária em 2010. A idade de aposentadoria para homens e mulheres subiu para 67 anos e a partir de 2020, terá relação direta com a expectativa de vida. Além disso, o tempo de contribuição para receber a aposentadoria integral subiu de 37 para 40 anos.

Espanha

Possível aposentar com 35 anos de contribuição e 65 anos de idade. A idade legal para se aposentar será de 67 anos em 2027.

Portugal

Em 2014, elevou-se a idade para se aposentar de 65 para 66 anos. Houve congelamento das aposentadorias públicas e definição de uma contribuição especial para quem recebe mais de 1.500 euros.

Chile

Existe idade mínima para aposentadoria: homens 65, e mulheres 60 anos.

Argentina

A última grande reforma da previdência argentina em  2000 estipula idade mínima de 60 anos para as mulheres e 65 anos para os homens, com necessidade de contribuição mínima de 30 anos.

Canadá

Da mesma forma que o Brasil, o Canadá adota um teto para o benefício pago na aposentadoria.  O plano previdenciário canadense exige que o cidadão tenha 35 anos de contribuição para que receba o benefício máximo a partir dos 65 anos de idade. Para receber a aposentadoria antes disso, o trabalhador deve ter pelo menos 60 anos e ganhará um valor menor.

Japão

Para receber o valor integral da previdência é necessário a contribuição por 40 anos. A idade mínima para receber o benefício de homens e mulheres é de 65 anos.

Estados Unidos

A idade mínima para se aposentar subirá gradativamente até 67 anos em 2022, contudo é possível antecipar a aposentadoria aos 62 anos, com redução no valor do benefício. Ou, ainda, adiar até os 70 anos, nessa hipótese com acréscimo no benefício.

Analisando o contexto dos Estados Unidos, assim discorre Rangel:

A década de 1970 foi marcada, nos EUA, pela piora nos resultados de curto e longo prazos dos dois maiores arranjos previdenciários do país. Tanto o chamado Old-Age, Survivors’ and Disability Insurance (OASDI) – a previdência pública dos EUA, ligada a Social Security Administration -, CSRS – sistema dos servidores federais do país – apresentavam déficits de caixa crescentes e os cálculos atuariais mostravam que, em poucos anos, os fundos acumulados tanto no Trust Fund quanto pelo sistema dos servidores federais estariam exauridos, exigindo injeções fiscais cada vez maiores.

A crise financeira que atingia o Social Security System (SSS) na década de 1970 se agravou após legislação aprovada em 1972, que incluía a indexação automática dos benefícios à inflação.

O regime para os servidores federais americanos passou de um modelo titpicamnete de benefício definido, que se mostrou deficitário, para um novo modelo instituído a partir de janeiro de 1987, o qual seria denominado de Federal Employees Retirement System (FERS).  (...) Desde então, o FERS passou a ser composto pelo benefício da SSS e um plano de benefício básico (na lógica de BD) e um plano complementar voluntário com contas individuais, na lógica de CD, conhecido como TSP. Na prática, após a reforma de 1983 e a criação de novo sistema em 1986, a previdência dos servidores federais passou de um plano de capitalização coletiva de benefício definido, para um plano misto com três pilares: dois de benefício definido (SSS e benefício básico do FERS) e outro de contribuição definida com contas individuais (TSP).

(...) O FERS é um arranjo de três pilares composto por:

a. Benefício básico do FERS

b. Social Security

c. TSP

A seguir será feita descrição de cada um dos pilares, destacando as regras atuais.

a) Benefício básico do FERS O pilar básico do novo sistema de previdência dos servidores federais funciona na lógica de capitalização coletiva, com benefício definido. As contribuições dos empregados e empregadores são depositadas em um fundo chamado Civil Service Retirement and Disability Fund (CSRDF). Trata-se do pilar de benefício básico do FERS, e deve, por obrigação legal, formar reservas que financiem totalmente as obrigações previdenciárias.

b) Social Security O sistema de seguro social dos EUA, US Social Security System, cobre quase a totalidade dos trabalhadores dos EUA. Ficam de fora apenas funcionários públicos de alguns estados, que possuem sistemas próprios de aposentadoria, e trabalhadores informais36 . Os benefícios do SS são baseados nas 35 melhores remunerações anuais dos trabalhadores corrigidas por um índice de salários. Podem ser solicitados a partir da idade de 62 anos (com descontos). A idade de referência, aquela em que não incide desconto sobre o valor da aposentadoria, está em processo de elevação de 65 para 67 anos.

c) O pilar de capitalização com contribuição definida e contas individuais - TSP O terceiro pilar do FERS é similar aos demais planos de previdência complementar oferecidos nos EUA: regime financeiro de capitalização com contas individuais e plano de contribuição definida. Dado que as taxas de reposição dos benefícios dos outros dois pilares são baixas, ocorre que: O TSP é um componente-chave do FERS, especialmente para os trabalhadores nas escalas salariais intermediárias e superiores, os quais não alcançarão valor de aposentadoria adequada – medida pela taxa de reposição – da Social Security e do benefício básico do FERS.


3. CONTEXTO NACIONAL

São Paulo foi o primeiro estado brasileiro a implantar seu regime de previdência complementar oficial que começou a operar concretamente em 2013. A Lei Paulista autoriza a criação da entidade de previdência única – SP/Previcom para os servidores públicos dos poderes executivo, legislativo e judiciário estaduais, com a possibilidade de os municípios paulistas aderirem a essa entidade.

Do mesmo modo o Rio de Janeiro (RJ Prev), Minas Gerais (Previcom – MG), Espírito Santo (Preves), Bahia (Prev-Bahia), Rio Grande do Sul (RS-Prev), Goiás (Previcom – GO) e Alagoas já criaram suas Entidades. Outros Estados (Santa Catarina, Paraná, Pernambuco, Rondônia, etc.) possuem projetos de lei ou já aprovram suas leis instituindo as respectivas previdências complementares oficiais. 

Pela relevância econômica e política desses entes políticos, as respectivas leis aprovadas constituirão importantes parâmetros para os demais estados e municípios, muitos dos quais já demonstram interesse em criar a previdência complementar para seus servidores.

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei – PL nº 6.088/2016, cujo objetivo é permitir a administração pela Funpresp-Exe de planos de benefícios patrocinados pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive de suas autarquias e fundações, dos Ministérios Públicos, das Defensorias Públicas e dos Tribunais de Contas que tenham instituído o Regime de Previdência Complementar.

Para cada ente federativo, o projeto prevê que deverá ser criado um plano de benefícios com patrimônio completamente segregado, inclusive com CNPJ por plano, dos demais planos da Entidade, sempre que demonstrada à Funpresp a viabilidade econômica, financeira e atuarial. Além disso, a Funpresp poderá criar planos multipatrocinados, inclusive com patrocinadores de mais de um ente federativo, caso haja indicação técnica.

A proposta também prevê salvaguardas contra a inadimplência dos estados, a fim de conferir maior segurança aos participantes e à saúde financeira da Entidade. Entre as penalidades previstas, em caso de inadimplemento, a União poderá suspender as transferências voluntárias de recursos para o ente da Federação que também ficarão sem poder firmar convênios, acordos e contratos com a União, além das suspensão de empréstimos pelas instituições financeiras.

O mérito desses projetos está na criação das condições para dar sustentabilidade aos regimes de previdência para o futuro, de maneira a viabilizar a transição do atual modelo de repartição simples para o de capitalização. Essa proposição fomenta a poupança e o investimento nacionais, bem como favorece o equilíbrio das contas públicas no longo prazo em face dos limites de gastos com pessoal estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. 

A maioria dos estados já possui dois regimes segregados de previdência para os seus servidores. Um sistema de repartição simples que alcança os aposentados já existentes e os servidores mais antigos e outro regime de capitalização de recursos para aqueles com menos tempo de serviço. A terceira alternativa é a criação da aposentadoria complementar que valerá apenas para os servidores que ingressarem no serviço público após a criação do fundo de pensão.

 Os riscos envolvidos nos planos de previdência complementar oficial já em operação no Brasil, como em toda atividade humana que comporta riscos, devem ser identificados, avaliados, mensurados, controlados e monitorados, objetivando sua mitigação. Os principais riscos são: de governança (ingerência política), de gestão de investimentos (estratégicos de alocação, regulatórios, cibernéticos e de reputação), e os operacionais.

Note-se que os riscos de desequilíbrios atuariais desse modelo de previdência complementar oficial (déficit e superávit) já são na sua origem controlados pela obrigatoriedade de se instituir apenas planos de benefícios na modalidade de “contribuição definida”, no qual os benefícios programados (aposentadoria e pensão) a serem concedidos serão definidos em função do volume dos recursos acumulados decorrentes das contribuições do servidor público, do respectivo ente público, e da rentabilidade obtida.

Estudo realizado pela GAMA, com apoio do Ministério da Previdência, mapeia os estados e traz recomendações de implantação do regime complementar oficial, considerando variáveis como a quantidade de servidores públicos que recebem salários superiores ao teto do INSS, a média salarial dos funcionários públicos, a proporção de servidores em idade de aposentadoria, a expectativa de vida média da população, o custo do Regime Próprio de Previdência Social - RPPS para o estado, o percentual de gastos com pessoal frente ao limite da LRF - Lei de Responsabilidade Fiscal, Produto Interno Bruto – PIB e organização previdenciária atual do estado. 

Levantamento recente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) aponta que a participação do emprego público é de 11% em relação ao total de empregos no Brasil, e é aproximadamente de 6% se comparado a toda a população. O número engloba os servidores das esferas de governo federal, estadual e municipal, além dos empregados que trabalham em empresas estatais. Tal número representa um contigente de milhões de trabalhadores a serem atendidos por programas de previdência.

Nota Técnica do IPEA[1] analisa a dinâmica do deficit previdenciário dos estados brasileiros no período 2006-2015, e conclui que:

“O deficit dos regimes próprios dos estados cresceu significativamente entre 2009 e 2015, atingindo R$ 77,4 bilhões a preços constantes de janeiro de 2017 (ou 13,2% da receita corrente líquida dos estados, ou, ainda, 1,2% do PIB) em 2015 contra R$ 49,3 bilhões em 2009, na mesma unidade de medida. Isto ocorreu por dois motivos principais. Primeiramente, o número de servidores inativos nos estados cresceu bem mais rapidamente do que o número de servidores ativos (37,9% contra -3,6%) entre 2006 e 2015. Em segundo lugar, porque as remunerações médias reais dos servidores inativos também cresceram em torno de 33% no período em questão, em grande medida por conta dos fortes aumentos reais de salário (em torno de 50%) concedidos aos servidores ativos durante a última década.

(...) As estimativas apresentadas sugerem, por fim, que nos próximos anos o número de servidores inativos e as despesas dos estados com benefícios previdenciários devem continuar a crescer mais rapidamente do que o número de servidores ativos e respectivas contribuições previdenciárias – tendo em vista, por um lado, o baixo dinamismo da arrecadação dos estados e, por outro, o envelhecimento crescente dos servidores públicos estaduais ativos.”

O Ministério da Fazenda em nota à imprensa avalia o impacto das alterações realizadas pelo Congresso Nacional no projeto enviado pelo governo (PEC 287/2016 – Reforma da Previdência):

(...) 3. Do ponto de vista do equilíbrio macroeconômico, é importante que as mudanças propostas respeitem a necessidade de, no longo prazo, equacionar o forte crescimento da despesa previdenciária e assistencial decorrente do rápido processo de envelhecimento da população e de outras variáveis demográficas com a limitação de financiar essa despesa crescente.

4. A União, os estados e os municípios já gastam com aposentadorias e pensões 13% do PIB, um valor excessivamente elevado para o padrão demográfico da nossa economia. Se nessa conta incluirmos os benefícios assistenciais, o valor chega a 13,8% do PIB, em 2016.

5. Pelas regras atuais, a despesa do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e da assistência social (LOAS/BPC) passará de 9% do PIB, em 2018, para 18,8% do PIB, em 2060. Essa conta pode ser um pouco menor ou maior, a depender da trajetória que se usa para os parâmetros econômicos e demográficos, explicitados na Proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO 2018).

6. Essa trajetória é claramente insustentável. De 2017 a 2060, o grupo de pessoas com mais de 65 anos de idade, de acordo com o IBGE, crescerá 232,5%, passando de 17,5 milhões para 58,4 milhões. Mas como no Brasil a idade média de concessão de novas aposentadorias é inferior a 60 anos de idade, com as regras atuais que ainda permitem aposentadorias precoces por tempo de contribuição, o efeito do envelhecimento no aumento da despesa pública é expressivo: 9,8 pontos do PIB apenas para o RGPS e benefícios assistenciais.

Compete à União Federal legislar sobre suas diretrizes e normas gerais, o que foi realizado pelas Leis Complementares nº 108 e 109, de 29 de maio de 2001, cabendo aos respectivos entes federados, por ocasião da instituição da sua previdência complementar oficial, apenas adaptar e especificar no âmbito da legislação concorrente, de acordo com os interesses e particularidades locais.

Assim, os entes estatais (União, Estados e Municípios) deverão observar as diretrizes das Leis Complementares nº 108 e 109, de 29 de maio de 2001, regulamentadas por Resoluções do Conselho Nacional de Previdência Complementar – CNPC. As referidas leis federais introduzem as normas gerais em matéria de previdência complementar e trazem os limites da legislação concorrente da matéria com os demais entes públicos.

Uma vez instituída a previdência complementar oficial, o respectivo ente da federação fixará no teto de benefícios do regime geral o valor máximo das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime próprio dos servidores, ficando o restante da remuneração, que ultrapassar a esse limite, a cargo de, facultativamente, ser provido pela previdência complementar oficial.

Significa dizer que, uma vez instituída, este teto de benefício deverá ser obrigatório aos servidores que ingressarem após a sua criação, sendo facultativa a complementação da remuneração pelo regime complementar. Para os servidores que já se encontrarem no serviço público à época de sua criação, poderão aderir mediante prévia e expressa opção.

Em outros termos, a Constituição autorizou a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, por meio de lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo e observado o disposto no seu art. 202, a instituir regime de previdência complementar para os seus servidores titulares de cargo efetivo, que será administrado por entidade fechada de previdência complementar de natureza pública, criada especificamente para administração dos seus planos de benefícios, os quais deverão ser criados unicamente na modalidade de Contribuição Definida – CD.

As entidades dos servidores públicos têm natureza pública, com personalidade jurídica de direito privado, e possuem autonomia administrativa, financeira e gerencial em relação ao ente federativo que a instituiu.


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

  A previdência complementar da União (Funpresp) e de alguns Estados Brasileiros, a denominada previdência complementar oficial, está em fase de consolidação de processos e de construção e afirmação de imagem, almejando uma gestão eficiente e uma governança adequada que ofereça segurança no longo prazo, bem como em busca de ganho de escala que as tornem equilibrados administrativamente.

A Constituição determina que o regime será instituído e administrado por intermédio de entidades fechadas estruturadas na forma de fundação, de natureza pública, com personalidade jurídica de direito privado, com autonomia administrativa, financeira e gerencial em relação ao ente federativo que a instituiu.

As entidades que administrarão os planos de benefícios dos servidores serão fiscalizadas pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar, sendo papel do Estado regular, fomentar, disciplinar e conferir segurança a essa grande rede de proteção social que é a previdência, bem como a de resguardar os interesses dos participantes-beneficiários e dos contribuintes.

As proposições ainda em debate nas Casas Legislativas Estaduais modernizam e conferem transparência e segurança ao regime de previdência dos servidores, mitigando ao longo do tempo os riscos técnicos do atual sistema de repartição simples em que se arrecada em um mês para se pagar no mês seguinte. A introdução do novo modelo preserva o direito adquirido e acumulado dos atuais servidores, sendo aplicado aos novos que ingressarem a partir de sua instituição.

A PEC 287 (Reforma da Previdência) quando aprovada exigirá um enorme esforço dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na medida em que obrigará os entes a instituírem regimes de previdência complementar para seus servidores ocupantes de cargo efetivo (a denominada previdência complementar oficial), observando-se, a partir de então, o limite máximo dos benefícios do regime geral de previdência social.

A mudança na previdência do servidor é importante na medida em que caminha para uma harmonização das regras previdenciárias aplicadas à iniciativa privada com as que regulam o setor público. O mérito desses projetos também está na criação das condições para dar sustentabilidade aos regimes de previdência para o futuro, de modo a viabilizar a transição do atual modelo de repartição simples para o de capitalização; bem como promover a poupança e o investimento nacionais.


5. REFERÊNCIAS

BRASIL. Anuário Estatístico da Previdência Social. Vários números.

NOGUEIRA, N. G. O equilíbrio financeiro e atuarial dos RPPS: de princípio constitucional a política pública de Estado. Brasília, DF: MTPS, 2012. v. 34. (Coleção Previdência Social, v. 34).

PINHEIRO, Ricardo Pena. Riscos Demográficos e Atuariais nos Planos de Benefício Definido e de Contribuição Definida num Fundo de Pensão. Belo Horizonte: UFMG - Cedeplar, 2005. Tese de Doutorado.

RANGEL, Leonardo Alves. A criação da previdência complementar dos servidores públicos e a instituição de um teto para os valores dos benefícios: implicações na distribuição de renda e na taxa de reposição das aposentadorias. Rio de janeiro: UFRJ, 2013. Tese de pós-graduação.

RIBEIRO, M.B. et al. Despesas de Investimento Municipais das Capitais Brasileiras no período 2001-2008: O que podemos inferir com base nos dados bimestrais dos relatórios resumidos de execução orçamentária? Em Santos e Gouvea (orgs.) Finanças Públicas e Macroecoconomia: Um registro da reflexão do IPEA 2008-2014. Brasília: Ipea.

SANTOS et al. Evolução do Emprego Público nos Governos Subnacionais Brasileiros no Período 2004-2014. Nota técnica. Carta de Conjuntura IPEA. | 32 | Julho/Setembro. 2016.

SANTOS, Cláudio Hamilton Matos dos. A dinâmica do deficit dos regimes próprios de previdência dos estados brasileiros nos anos 2006-2015. Nota Técnica. Carta de Conjuntura IPEA. | 34 | 1° trimestre. 2017.


Nota

[1] Carta de Conjuntura | 34 | 1° trimestre de 2017, coordenada por Cláudio Hamilton Matos dos Santos. A dinâmica do deficit dos regimes próprios de previdência dos estados brasileiros nos anos 2006-2015.


Autor

  • Luís Ronaldo Martins Angoti

    Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil. Graduado em Direito e Engenharia Agronômica. Pós-graduado em Direito Administrativo e em Direito e Processo do Trabalho. Mestre em Direção e Gestão de Planos e Fundos de Pensão. Servidor público com 26 anos de experiência em auditoria, controles internos, gestão de riscos, fiscalização, normatização, licenciamento, governança e gestão de Fundos de Pensão. Profissional certificado pelo ICSS e membro do IPCOM. Na Previc coordenou atividades de licenciamento, foi Diretor de Análise Técnica (substituto); Coordenador-Geral da Diretoria Colegiada e Coordenador-Geral de Estudos Técnicos e Fomento. Exerceu a função de Auditor Chefe e foi Conciliador na Comissão de Mediação e Arbitragem da Previc. Na Funpresp-Jud foi Assessor de Controle Interno. Na Funpresp-Exe foi Gerente de Planejamento e Riscos, Presidente do Conselho Fiscal, e atualmente é Conselheiro Deliberativo (suplente). Está exercendo suas atividades na Secretaria de Coordenação das Empresas Estatais do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANGOTI, Luís Ronaldo Martins. Previdência complementar para servidores estaduais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5303, 7 jan. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59692. Acesso em: 13 maio 2024.