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Minas Gerais e o cárcere da “equiparação salarial” na Segurança Pública.

Minas Gerais e o cárcere da “equiparação salarial” na Segurança Pública.

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Minas não é palavra montanhosa
É palavra abissal
Minas é dentro e fundo
As montanhas escondem o que é Minas.
No alto mais celeste, subterrânea,
é galeria vertical varando o ferro
para chegar ninguém sabe onde.
Ninguém sabe Minas. A pedra
o buriti
a carranca
o nevoeiro
o raio
selam a verdade primeira,
sepultada em eras geológicas de sonho.
Só mineiros sabem.
E não dizem nem a si mesmos o
irrevelável segredo
chamado Minas.

(Carlos Drummond de Andrade)

Uma das questões mais discutidas no âmbito do serviço público é a remuneração dos servidores públicos. Se fizermos uma pesquisa agora para saber se um determinado grupo de servidores está satisfeito (ou não) com a sua remuneração é bastante provável que 90% deles (ou quem sabe até mais) responda que não está satisfeito, e os motivos seriam vários, indo desde a corrosão do salário pela inflação em razão da não aplicação do instituto da revisão geral anual previsto no inciso X, do art. 37 da CF/881, chegando até mesmo a questões como ausência de reconhecimento da importância da carreira e complexidade das atribuições.

Em Minas Gerais, no âmbito das carreiras que integram as forças policiais estaduais, a realidade seria exatamente a mesma descrita acima, porém, com um adendo de uma ou outra voz que levantaria a questão da “famigerada” equiparação salarial entre os integrantes da Segurança Pública.

Para explicar melhor ao leitor: em Minas Gerais, ao contrário de qualquer outro Estado do Brasil, em franca violação à Constituição Federal de 19882, inclusive na contramão de Jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal3, criou-se uma situação sui generes de “equiparação salarial” entre os integrantes da Polícia Civil, Polícia Militar, Polícia Penal e Bombeiro Militar, mediante a qual remunera-se de forma igual servidores que ocupam carreiras distintas, em órgãos distintos, com atribuições distintas, inclusive (até este momento), com requisitos distintos para ingresso nas carreiras, e ela ocorre da seguinte forma:

I – cargos da base são equiparados entre si (agente de polícia = praça PM/BM = policial penal);

II – cargos de chefia são equiparados entre si (delegado de polícia = oficial PM/BM).

Em Minas Gerais um agente da Polícia Civil tem o mesmo salário que um soldado da Polícia Militar que, por sua vez, ambos têm o mesmo salário que um policial penal. O Estado desconsidera, para fins de remuneração dos servidores públicos da Segurança Pública as diferenças existentes entre as carreiras, os diferentes requisitos de ingresso, a diferença de complexidade, enfim, para o Governo é como se todos integrassem o mesmo órgão, situação esse que somente se verifica em Minas Gerais e que pode ser verifica acessando a portal de transparência do Governo de Minas4.

A título de exemplo, no âmbito federal temos as carreiras de agente da Polícia Federal, agente da Polícia Rodoviária Federal e agente do Departamento Penitenciário Federal e, cada uma delas possuí um salário distinto, por se tratarem de carreiras distintas, com requisitos distintos de ingresso, complexidade distintas e atribuições distintas, senão vejamos:

Agente da PF

Agente da PRF

Agente do DEPEN

R$ 12.522,50

R$ 10.790,87

R$ 6.030,23

O mesmo “fenômeno” sobrenatural, ao menos aos olhos dos “mineiros”5, também ocorre nos demais Estado da federação brasileira, basta o leitor realizar uma rápida pesquisa na internet para constatar a veracidade dessa informação!

E como se não bastasse, em razão dessa “equiparação salarial” fantasmagórica, o Governo não tem a coragem de conceder aumento/reajuste apenas para uma categoria da Segurança Pública, assim como ocorre em âmbito Federal e nos demais Estado, sempre quando o faz ou é para todas as carreiras ou não é para nenhum. E é justamente aqui que o “cárcere” se impõe, uma vez que conceder aumento/reajuste para dez mil servidores é uma coisa, outra coisa é conceder aumento/reajuste para cem mil servidores.

A consequência dessa “política” nefasta de compadrio é vista nos Rankings salarias da categoria de Segurança Pública do Brasil, onde se verifica a Polícia Civil de Minas Gerais entre as últimas colocações, e as Polícias Militar e Penal e Bombeiro Militar entre as primeiras colocações6.

Enfim, assim como nos ensina o poema da epígrafe desse artigo de opinião, Minas Gerais é muito mais que um espaço geográfico, é um local de profundidade e mistério, é, ao mesmo tempo, o berço da liberdade do Brasil e o cárcere de quem almeja ser valorizado pelo que faz e não apenas pelo que é.

Até quando Minas?


  1. a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;”.

  2. Art. 37, XIII: “é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público;”.

  3. Cita-se, por exemplo: RE 976.610; Rcl 23.443 AgR; Rcl 24.272; RE 985.305 AgR; ARE 952.851 AgR; ADI 145;...

  4. Acesso às tabelas de salários das carreiras da Segurança Pública de Minas Gerais: https://www.mg.gov.br/planejamento/documento/grupo_xi_-_atividades_de_justica_e_seguranca_publicapdf

  5. Governadores e Parlamentares ligados à Segurança Pública, e também, alguns integrantes das forças policiais estaduais.

  6. As tabelas de Ranking salarial podem ser acessadas no link https://deltafonseca.com/tabelas-de-ranking-salarial-das-policias-do-brasil/ .


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