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Noções históricas do Direito Processual Civil

Noções históricas do Direito Processual Civil

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Resumo

O presente artigo traz, de forma resumida, uma descrição genérica das fases históricas do Direito Processual Civil, discorrendo sua origem primitica em 753 A.C., até o atual Código de Processo Civil (CPC), de 2015.

Evolução histórica do Direito Processual Civil

O início das normas jurídicas processuais advém com a necessidade de regulamentação da administração da Justiça percebida pela necessidade de resolução dos conflitos sociais por uma autoridade pública.

Assim, o direito processual sempre teve uma estreita ligação com o direito material. Havia uma dificuldade na distinção entre o direito material lesado e os procedimentos para sua reparação.   Atualmente, é reconhecida a autonomia do direito processual em relação ao direito material, caracterizado por princípios e elementos próprios, porém para chegar ao conhecimento científico atual, fundamentou suas bases no direito Romano-Germânico (Dutra, 2008).

O direito processual romano ocorreu, basicamente, em três fases, conforme abaixo descrito.

Na primeira fase, trata-se do período primitivo ou arcaico, abrangendo os anos mais remotos, de 753 A.C. até 149 A.C.. Nessa ocasião, as bases do direito estavam sedimentadas, exclusivamente, nas ações previstas e tipificadas na lei (nomeadamente, na Lei das XII Tábuas, legis actiones). O desenvolvimento do procedimento era oral, solene e ritualístico, sem contar com advogados, já que as partes postulavam em causa própria. O esquecimento de uma palavra ou substituição da mesma indevidamente poderia anular o processo como um todo. Era dividido em duas fases: in iure e in iudicio.

A primeira delas, in iure, desenrolava-se perante o magistrado, que concedia ou não a ação e fixava o objeto do litígio. A segunda fase, in iudicio, contava com a presença de um magistrado ou cidadãos indicados como árbitros, sendo estes os responsáveis pela coleta das provas e pela sentença proferida.

Na segunda fase, trata-se do período formulário, onde seu vocábulo remonta ao procedimento oral, mas ter a exceção da fórmula que passa a ser escrita. As provas aceitas para persuasão do magistrado são as testemunhas, os documentos, a confissão e o juramento, sendo de responsabilidade da parte que alega as provas dos fatos. Apesar dos árbitros privados estarem presentes, a sentença era imposta pelo Estado às partes. A sentença advinha da convenção entre autor e réu quando da aceitação da fórmula, quando ambas as partes acordavam o cumprimento do que viesse a ser estabelecido pelo árbitro. Nessa ocasião, as partes podiam contar com o auxílio dos cognitores ou procuratores, atuais advogados de hoje.

E a terceira fase é o período da “cognitio extraordinária”, entre 200 D.C. e 565 D.C., que teve como diferencial o desaparecimento dos árbitros privados, com ascensão da função jurisdicional exclusiva por funcionários do Estado. O procedimento passa a ser escrito, composto pelo pedido do autor, defesa do réu, instrução, sentença e execução, com viabilidade de recurso.

Entre os séculos XI e XVI, devido a junção do direito germânico, direito canônico e direito romano, espalhou-se por toda a Europa o então denominado direito comum, trazendo consigo o processo comum, caracterizado por sua forma escrita, pela complexidade e por sua lentidão. Pode-se considerar essa fase um retrocesso na evolução do direito romano em virtude dos costumes e do direito rudimentar, apesar da manutenção da igreja católica pelas premissas do direito romano (Franco, 2005).

Nessa ocasião, o ônus da prova era responsabilidade do acusado, que tinha por função a prova de inocência. Os conflitos passaram a ser resolvidos a partir de intervenções divinas, permeados por jogos de azar e bruxarias, não mais voltados ao convencimento específico do magistrado perante as provas apresentadas.

A prova e a sentença tinham a sua inspiração no direito romano, o direito canônico trazia em seu bojo o processo sumário, isentando algumas formalidades que foram preservadas, incluindo torturas para obtenção da verdade no processo, validadas na Europa até o século XIX.

Alguns desses métodos foram aperfeiçoados e serviram como berço para o processo moderno, com a chegada da fase científica. Mas o modelo atual só vai iniciar sua formação com a chegada da sociedade capitalista, tanto é que em alguns países do mundo, está concepção ainda não é possível.

Na época do descobrimento do Brasil, aplicavam-se as ordenações manuelinas, fruto de uma mistura do adâmico direito germânico, talhado pelo direito romano clássico, porém o Brasil não tinha uma organização política relevante.

Importante foram as ordenações Filipinas, que foram vigentes no Brasil por mais de três séculos e guardava muita semelhança com as ordenações anteriores. Porém, com a independência do Brasil, o Código de Processo Criminal, promulgado em 1832 passou a dispor provisoriamente sobre a administração da Justiça Civil.

Explica Silva e Gomes (1997):

diploma legislativo de inspiração liberal, na busca de uma justiça mais efetiva e simples, ensaia uma tentativa de despir o velho procedimento de atos e formalidades consideradas inúteis, introduzindo o direito brasileiro idéias modernas, ainda hoje aceitas e defendidas pela doutrina contemporânea.

É interessante também lembrar dos efeitos trazidos pela Revolução Francesa no mundo, como dito por Gomes (2009)

...quando a Revolução Francesa consolidou um novo e extraordinário modelo de direito, fundado na lei, bastava ler e entender as leis e os códigos (napoleônicos). No tempo do legalismo (todo direito estava fundado na lei) era mais tranquilo aprender o direito e aplicar o direito. Em 1945, nos julgamentos de Nuremberg, diante do argumento dos nazistas de que mataram com base na lei, decidiu-se que o direito nem sempre se confunde com a lei. Lei injusta não faz parte do direito (Radbruch). A partir daí, para se conhecer o direito, necessitava-se saber a lei (e os códigos), a constituição e a jurisprudência.

Agora, com o advento do internacionalismo (a terceira onda do direito que foi consolidada no Brasil em 3/12/08, com a famosa decisão do STF – RE 466.343/SP), não sabe (mais) o direito quem não domina a lei (e os códigos), a constituição, a jurisprudência interna, os tratados internacionais e a jurisprudência internacional.

No século XXI, como se vê, o direito ficou mais complicado porque ele é construído (diariamente) pelos legisladores e pelos juízes. O direito vai do constituinte ao juiz (Villey). Todos os dias o direito muda (ou por obra dos juízes nacionais ou internacionais ou por obra do legislador). O que ele ostenta de permanente, portanto, é a contínua mudança

Seguiu-se então, uma profusão de decretos, a Constituição de 1891, que tratava de da legislação federal do Processo, bem como Códigos Estaduais, como por exemplo o de São Paulo e o da Bahia.

Ao ser instituída a Constituição Federal de 1934, a União retoma a competência para legislar, sendo necessário um Código de Processo Civil (CPC) - adequado.

Então, nasce o texto do Decreto Lei número 1608, de 18 de setembro de 1839. Narra-se em suas exposições a ideia do acesso à justiça, com a efetividade do processo e dos poderes concedidos aos Magistrados, na época aludindo comparação aos juízes ingleses e americanos.

O Código de Processo Civil – CPC de 1939 tinha a seguinte a divisão em XX (dez) livros, onde o primeiro versava sobre disposições gerais, que tratavam institutos do processo ordinário e especiais, como atos e termos judiciais, prazos, valor da causa, despesas, das partes e dos procuradores, do juiz e da competência; o segundo tratava do processo em geral, como um procedimento único que continha fases e atos processuais, como petição inicial, audiência, atos citatórios, comunicações, defesas, sentenças. No terceiro livro em diante tratavam-se do processo ordinário, dos processos especiais da época, dos processos acessórios, dos processos de competência originária dos tribunais, dos recursos, da execução, do juízo arbitral e das disposições finais e transitórias.

O Código seguinte, conhecido como Código Buzaid (CPC/1973) revelou um grau científico já alcançado indistintamente em vários países europeus e estava calçado na eliminação das ambiguidades do Código de 1939, o qual era tido como “sem ordem, sem unidade e sem sistemática” (ARAGÃO, 2002).

Apresentado em 1972, datado de 1973, mas efetivamente vigente desde 1974, divide a sistemática em processo de conhecimento, internamente dividido em rito comum e sumário, processo de execução e processo cautelar. Resumidamente, o antigo CPC/1973, recebeu duras críticas pela manutenção de alguns dos pressupostos tão criticados no CPC de 1939, adotando uma sistemática e uma técnica que não trazia a efetividade para seus atos.

Por isso, o CPC/1973 foi alvo de inúmeras reformas, em especial às trazidas quando da promulgação da CF/88, como o mandato de injunção, a questão da tutela coletiva, a ação civil pública, entre outros.

Outro documento importante em sua reformulação foi a chegada do Código de Defesa do Consumidor (CDC), constituído conforme a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, além de outros instrumentos que reformularam e costuraram o antigo código, que já não conseguia atender aos anseios da nova ordem brasileira.

Conclusão

O CPC/2015 foi criado frente à uma ordem reformista, baseada no princípio da efetividade, buscando a desburocratização na prestação jurisdicional, por meio das tutelas coletivas, o respeito aos juizados especiais, novas modalidades processuais e mais acesso à Justiça.

Mas ao mesmo tempo, procurou resguardar alguns valores cingidos pelo antigo Código, tendo sido largamente discutido com a sociedade em geral, portanto, entende-se ser passível de funcionar de maneira eficaz no campo concreto de sua aplicação, cumprindo sua proposta de subsidiar princípios e normas jurídicas que direcionam os processos civís, a solução de conflitos de interesses e o uso da jurisdição do Estado, fazendo com que as leis sejam cumpridas de forma definitiva e coativa.

BIBLIOGRAFIA

AASP. Código de Processo Civil. Anotado. OAB/Paraná. Atualizado em 21/03/2016. ISBN 978-85-86893-00-1.

ARAGÃO, E. D. Moniz de. Reforma processual: 10 anos in Revista Forense n° 362 (2002):15/23.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 4. ed.

BRASIL LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm#:~:text=Disp%C3%B5e%20sobre%20a%20prote%C3%A7%C3%A3o%20do%20consumidor%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias.&text=Art.,48%20de%20suas%20Disposi%C3%A7%C3%B5es%20Transit%C3%B3rias. Acessado em: 23 mar 2023

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DUTRA, Nancy. História da formação da Ciência do Direito Processual Civil no mundo e no Brasil. Jus Navigandi. Ago 2008 Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11192/historia-da-formacao-da-ciencia-do-direito-processual-civil-no-mundo-e-no-brasil. Acesso em: 07 mar 2023.

FRANCO, LOREN DUTRA. Processo Civil - Origem e Evolução Histórica. Abr 2005. Disponível em: http://intranet.viannajr.edu.br/revista/dir/doc/art_20002.pdf. Acesso em: 07 jun 2017.

GOMES, Luiz Flávio. Mudanças Contínuas: A única coisa permanente no Direito. Disponível em http://www.lfg.com.br - 20 agosto de 2009.


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