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Polarização política e a intervenção das redes sociais na formulação desse processo

Polarização política e a intervenção das redes sociais na formulação desse processo

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Como funciona o processo de polarização a partir da função dos algoritmos utilizados em redes sociais?

Resumo: No cenário sociopolítico atual, a polarização política vem se tornando um tema de bastante discussão e relevância, visto que, a partir do advento das redes sociais, as frentes de debates têm se acalorado e a cada ano que passa notamos países cada vez mais divididos politicamente, inclusive o Brasil. Este projeto tem como objetivo mostrar a contribuição das redes sociais para o agravo dessa polarização, e quais instrumentos são utilizados para este fim. Aqui iremos adotar uma metodologia baseada em pesquisas bibliográficas que envolvem o estudo do assunto abordado, bem como o trabalho de grandes empresas do meio digital na busca em satisfazer seus usuários no intuito de mantê-los conectados em seus serviços, e como isso mesmo de maneira indireta tem causado grandes questões sociológicas e políticas na sociedade atual. Os resultados mostraram como estamos caminhando para o desenvolvimento de uma sociedade cada vez menos tolerante e focada apenas no lado da bolha em que ela se encontra.

Palavras-chave: Polarização. Redes sociais. Sociedade. Digital.

Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2.O QUE É A POLARIZAÇÃO POLÍTICA. 2.1 A ORIGEM DA POLARIZAÇÃO. 2.1.2 A polarização na contemporaneidade. 3. A INFLUÊNCIA DAS REDES SOCIAIS NO PROCESSO DE POLARIZAÇÃO. 3.1 A POLARIZAÇÃO POLÍTICA NAS REDES SOCIAIS. 3.2 DEFINIÇÃO DE ALGORITMO. 3.2.1 Como os algoritmos funcionam. 3.2.2 Como os algoritmos afetam nossas decisões políticas. 3.2.3 Quais consequências a influência gerada pelo algoritmo traz para o processo democrático. 4. O DIREITO E O USO DE DADOS NAS REDES SOCIAIS NO BRASIL. 4.1 A QUESTÃO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO. 4.2 O USO DE BOTS DENTRO DAS REDES SOCIAIS. 5. PERSPECTIVAS E DADOS INTERNACIONAIS A RESPEITO DA POLARIZAÇÃO. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.


1. INTRODUÇÃO

As redes sociais se tornaram indispensáveis para o convívio social ao longo dos últimos anos. Neste sentido, notamos o quanto tivemos que nos adaptar a essa nova perspectiva de relacionamento e o quanto isso facilitou nossa vida. Seja na área pessoal, afetiva, profissional ou política, o advento dessas ferramentas afetou diretamente a maneira como nos comunicamos, pensamos e expomos nossa opinião. A partir disso, o presente estudo irá tratar de relatar as possíveis imbricações entre a polarização política e o uso das redes sociais, considerando em como o direito se encaixa nesse meio, junto a uma breve análise da atual sociedade de usuários.

A presente pesquisa tem como objetivo descrever como funciona o processo de polarização através de uma análise da função dos algoritmos utilizados em redes sociais, e como por meio deles são gerados conflitos entre grupos de pensamentos e posições políticas divergentes, apontando por quais motivos isso acontece e como isso vem afetando diretamente o impacto das votações, nas ruas e nas urnas.

Além da pesquisa bibliográfica o método de abordagem presente nesse projeto será o método interpretativo, onde são realizadas algumas análises do assunto em questão, de maneira mais ampla, visando responder o problema proposto. Iremos abordar aqui a análise de materiais e documentos, esse procedimento nos levará a tratar conteúdos já existentes, estando o referido material de análise disponível em livros, artigos, documentos, relatórios, e matérias mediante pesquisa a respeito da polarização e intervenção das redes sociais. A partir desse estudo, será viável comparar a diferença entre dados de diversas épocas ou constatar semelhança de informações ao passar do tempo, buscando sempre o tratamento do máximo de dados possível.

A técnica de amostragem utilizada será a não-probabilística, em face da representatividade dos pesquisadores selecionados e gabaritados em seu segmento, buscando-se como referências as contribuições desses especialistas. Pois eles nos trazem luz para o entendimento das questões e consequências das novas formas de influência nas esferas públicas, que passaram a se constituir na nova sociedade, marcada por profundas mudanças de comportamento das pessoas principalmente se tratando de questões políticas.

Neste propósito, pode-se compreender a importância da análise do tema em questão, levando em consideração que as redes sociais têm importante participação e estão diretamente inseridas na esfera pública, gerando grande impacto em todos os elementos que constituem esse cenário, seja por meio de sua influência, seja por sua relação direta com cada usuário e indivíduo ligado a elas. Outrossim, para que se identifique de onde vem tal poder de influência nas questões políticas e sociais, levando pesquisadores e profissionais da área a uma reflexão a respeito de seu vínculo com a polarização política que vem se instaurando nos últimos anos.


2. O QUE É A POLARIZAÇÃO POLÍTICA

No panorama político, o significado de polarização nada mais é do que a divisão da sociedade em dois polos distintos, divergentes em ideias e posicionamentos. Esta definição nos deixa claro que dois grupos de pessoas estão em constante debate a respeito de suas opiniões e pensamentos. Nesse sentido, Luiz Andreassa narra a definição de polarização em seu significado estrito como é simplesmente a divisão de uma sociedade em dois polos distintos que discutem a respeito de determinado tema. Entretanto, essa palavra tem sido usada de maneira mais negativa, sendo classificada como a disputa entre dois grupos que se fecham em suas convicções e não estão dispostos a abrir diálogo entre eles. (ANDREASSA, 2020).

Essa falta de diálogo entre os dois polos existentes - haja vista que o debate não busca a solução de fato dos problemas sociais baseados na melhoria da sociedade como um todo, mas sim nas melhorias que aquele grupo julga ser o melhor para os indivíduos que compactuam seus pensamentos - afetam diretamente o conceito democrático da sociedade, notada a falta de tolerância causada através dessa prática.

No livro “Como as democracias morrem” de Steven Levitsky e Daniel Zilblat podemos notar, mesmo que de maneira indireta, como o comportamento da sociedade é essencial para a preservação da democracia e como lutar contra a polarização é necessário para a preservação dos direitos constituídos ao longo dos anos. Na obra uma das passagens que relatam esse papel é:

Temos que estar vigilantes e cientes das condutas equivocadas que arruinaram outras democracias. E temos que ver como os cidadãos se levantaram para responder às crises democráticas do passado, superando divisões profundamente arraigadas entre si para evitar o colapso. Dizem que a história não se repete, mas rima. (LEVITSKY; ZILBLAT, 2018, p.16).

Assim, na busca da melhor compreensão do que se trata a polarização política, relaciona-se na sequência, a respeito de sua origem e da influência das redes sociais no processo de polarização.

2.1 A ORIGEM DA POLARIZAÇÃO

Para entendermos como a polarização funciona é necessário voltar aos nossos antepassados e observar em como os grupos sociais se organizavam na antiguidade. O ser humano, como todo animal, ao longo da história precisou se adptar as diferentes situações para manter sua sobrevivência aqui na terra. Sendo assim, algumas estratégias de sobrevivência foram se desenvolvendo ao longo do tempo. Por exemplo, subir em um lugar alto como uma árvore ou uma montanha traziam risco a integridade física e a vida das pessoas, então nosso cérebro desenvolveu o medo de altura, para que escolhas parecidas como a de subir numa árvore, tornassem nossa mente condicionada a segurança e sobrevivência, evitando esse tipo de atitude. A partir daí, a espécie humana foi criando cada vez mais consciência do que fazer para melhorar a sua vida e bem-estar aqui na terra.

Bruna Consenza (2019), em seu artigo “Medo, por que sentimos e como superá-lo”, explica que, se nós não sentíssemos medo, não iríamos viver por muito tempo. Isso se dá pelo fato dessa emoção nos fazer refletir se faríamos qualquer coisa sem pensar antes de concretizá-la, ou seja, sem o medo andaríamos entre os carros em alta velocidade nas avenidas, ficaríamos lado a lado de animais ferozes, pularíamos de prédios, estando expostos a diversos tipos de perigo a nossa vida. Então na realidade o medo é uma trava de segurança que nos ajuda a pensar nos riscos e consequências antes de fazermos algo, trazendo para nós uma resposta imediata nos momentos em que nos sentimos ameaçados e devemos agir pela nossa segurança ou sobrevivência.

Partindo do princípio de nossas atitudes como humanos, que são geradas como garantias para uma maior sobrevivência e melhor administração da nossa vida, conseguimos facilmente chegar em como a boa convivência com os indivíduos ao nosso redor se tornou uma dessas estratégias de sobrevivência. Nas primeiras civilizações, as tribos eram de suma importância para o desenvolvimento pessoal do indivíduo, visto que a sobrevivência era quase impossível quando enfrentada de maneira solitária. Como pontua a professora Viviane Bassi dos Reis Marques, desde os primórdios ser humano busca construir relações sociais e fazer parte desenvolvendo uma espécie de processo de relações sociais. (MARQUES, 2017)

Segundo Marques (2017), ser aceito por um grupo tornou-se vital para o desenvolvimento da espécie, assim iniciou-se o processo de formação de sociedades que ao longo do tempo foram se desenvolvendo até a sociedade que conhecemos atualmente.

À medida que as sociedades se desenvolviam, grupos sociais distintos foram aparecendo. Dentro de cada grupo, características e interesses os tornavam únicos e com identidade própria. Em busca de defender esses interesses, os grupos passaram a discutir, mesmo que de maneira ignorante, frise-se a falta de consciência plena de seus direitos e deveres como sociedade, o que era melhor para cada grupo corroborando assim para a insurgência de conflitos, muitas das vezes levando a guerras, mediante o período da história.

Na maioria dos casos, os conflitos aconteciam envolvendo duas tribos, clãs ou sociedades que disputavam seus interessem sociais, políticos e econômicos por meio do poder bélico, como pontua Roberto Navarro (2018), a respeito dos indícios do primeiro conflito armado da história entre Lagash e Umma, localizadas na região da Suméria, por volta de 2.525 a.c, que naquela época, as duas cidades estavam constantemente alimentando uma rivalidade pelo domínio econômico, territorial e político daquela região, bem como disputavam matérias-primas escassas da terra, como madeira, cobre e estanho e minérios necessários para produzir o bronze usado em armas e ferramentas agrícolas usadas na época.

A partir do medo das guerras, a necessidade de inserção em um grupo tornou-se ainda mais necessária para manter agora não só a sua sobrevivência, mas para a manutenção de seus bens, seus valores pessoais e humanos, bem como a defesa da cultura e crenças que tais indivíduos faziam parte.

Viviane Bassi dos Reis Marques (2017), acrescenta em seu artigo “entenda como e porque os homens vivem em grupos sociais” que as pessoas aprendem a língua, as normas sociais, os símbolos, a usar objetos, a sentir determinadas emoções, etc. Nós enxergamos o mundo em concordância com o ambiente em que estamos inseridos, e nos comportamos de acordo com contratos sociais estabelecidos por este campo de inserção. As ideias, valores, crenças, hábitos e costumes sociais são interiorizados por nós, e acabam nos adaptando aos grupos sociais. Esse é o processo de socialização em que o ser humano é socializado e civilizado.

Daqui podemos entender a necessidade que temos como seres humanos da atenção e proteção de grupos dos quais nos identificamos, haja vista que o grupo nos dá voz e força, tornando nossos interesses e valores menos vulneráveis a serem deturpados de qualquer maneira que seja.

2.2. A POLARIZAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

Nos dias atuais ainda carregamos a herança dos nossos antepassados a respeito da necessidade de estarmos inseridos em um grupo. Diferente deles, hoje existem meios capazes de garantir nossos direitos, inclusive de maneira coletiva. Usemos o exemplo do Brasil, a constituição de 1988 traz em seu título II, direitos individuais e coletivos, presentes em seu art. 5º, que nos dão segurança que o que acreditamos de fato está resguardado. Entretanto, o medo ainda move nossas decisões, principalmente as políticas.

Edson Veiga, nos mostra em sua análise com o professor Nelson Destro Fragoso, três dos medos que nos influenciam na tomada de decisões referentes a política, são eles: “necessidade de aprovação, necessidade de pertencer a um grupo e medo de castigo.”(VEIGA; FRAGOSO, 2018).

Levando em consideração esses três pontos, a análise do professor constatou que no chamado “voto em manada” se dá por diversos fatores, quais sejam: a necessidade de apoio e aprovação, o medo de errar sozinho, o nojo e o medo da punição. Analisemos então ponto a ponto.

Na necessidade de apoio e aprovação, os pesquisadores explicam que o humano é um ser social, que precisa de apoio e reforço para saber se aquilo que fará é a coisa certa. Este fenômeno acontece psicologicamente em diversas situações de tomadas de decisão, inclusive no voto (VEIGA; FRAGOSO, 2018).

Ora, não é difícil notarmos o quão temos visto pessoas votarem por influência do grupo em que estão inseridos. Como pontua o professor, é comum que a pessoa tome uma decisão não porque acredita naquilo, mas porque é a opinião do pai, da mãe ou dos amigos (FRAGOSO, 2018). Aqui podemos observar como ainda nos dias de hoje o grupo social de nossa escolha nos influência em quais decisões devemos tomar.

Segundo Fragoso (2018), O medo de errar sozinho é explicado em virtude de que se a decisão que o indivíduo tomou não se mostrar acertada a culpa não será distribuída a apenas para ele e sim para o grupo em si.

Na pesquisa apresentada, Veiga (2018), pontuou o fator nojo as vistas de um estudo realizado, nos Estados Unidos, pela Universidade de Nebraska. Nessa pesquisa, vários voluntários foram expostos a algumas imagens assustadoras, e barulhos altos. Os resultados mostraram que o grupo de pessoas que tiveram mais reações físicas aos estímulos provocados no experimento, como um arrepio na pele por exemplo, tenderam a ter opiniões mais conservadoras, partindo para um posicionamento voltados para a direita, inclusive sendo apoiadores de pena de morte. E quem reagia menos a essas situações tinham posicionamentos mais progressistas com viés esquerdista, neste caso.

Diante do resultado desse estudo podemos dizer que as pessoas estão mais dispostas a evitar coisas as quais não estão familiarizadas, causando assim uma espécie de medo na hora de escolher seus representantes, principalmente se esses representantes tem características as quais tal indivíduo não está familiarizado.

Por fim, para superamos essa fase da pesquisa, Fragoso (2018), argumenta que o medo da punição é manifestado simplesmente porque fomos condicionados a pensar assim. Usando como exemplo a religião que nos ensina que a pessoa que não vive de acordo com as regras impostas por ela corretamente será punido. Ou mesmo nossos pais que impõem castigos a criança desobediente ou lhe tiram certos privilégios para punir suas condutas, e assim por sucessivamente em diversas áreas do nosso convívio social. Então no momento de votar surge a questão: poderei ser punido pela minha escolha?

Ante exposto, vamos observar os resultados obtidos nessas pesquisas e comparar a nossa atual situação política na ordem mundial. Diversos são os exemplos em que dois grupos conflitam entre si para tomada de poder na sociedade. Voltando ao exemplo do Brasil, “direita e esquerda” aumentam seu poder de influência nos últimos anos a ponto de no ciclo eleitoral de 2018 o resultado das urnas praticamente selarem uma dicotomia política, tendo como resultado quanto as eleições presidenciais, segundo dados do portal G1 (2018), incríveis: 55,13% dos votos para Jair Messias Bolsonaro, candidato representante da direita, e 44,87% dos votos para Fernando Haddad, candidato representante da esquerda.

Em diversos outros países os movimentos que apoiam os vieses conservadores e progressistas têm se disseminado e crescido nas últimas décadas. Recentemente uma matéria publicada por Fernando Jordão (2021), relatou que na América do sul, existe hoje um empate entre governos de esquerda e direita, sendo dos 12 países integrantes do continente 6 deles governados por governos esquerdistas e os outros 6 governados por líderes voltados para a direita.

Na Europa o crescimento da extrema direita tem abalado o modo com que a população reage a situações como os refugiados vindos Oriente Médio e a tolerância às minorias como um todo. Marc Bassets (2021), ressalta como essa ascensão pode ser prejudicial ao longo dos anos. O jornalista adverte que o crescimento da extrema direita, pode significar grandes consequências tanto nas políticas constitucionais quanto em diversas eleições ao redor da Europa.

Nos Estados Unidos da América, Democratas e Republicanos têm se revezado no poder nos últimos ciclos eleitorais. No mais recente, o representante democrata Joe Biden venceu o então presidente Donald Trump por uma mínima diferença de votos. Segundo matéria publicada por Anthony Zurcher (2020), algumas razões levaram ao resultado dessas eleições, como: a proliferação do vírus Covid-19, a campanha discreta, qualquer um exceto Trump, manter-se no centro, e mais dinheiro menos problemas. Todas estas razões são resultado dos medos que mencionamos na pesquisa de Edson Veiga e Nelson Destro Fragoso mais acima.

Veiga (2018) ainda pontua que a necessidade de fazer parte de um grupo explica o comportamento em bolhas e os resultados eleitorais que mostram que em determinadas regiões o voto é mais à esquerda, em outras, mais à direita.

Superada toda a questão a respeito da origem da polarização, bem como esse breve lapso temporal entre a antiguidade e a contemporaneidade, passaremos a importância das redes sociais no agravo do aumento da polarização sob a ótica de especialistas e profissionais da área de comunicação.


3. A INFLUÊNCIA DAS REDES SOCIAIS NO PROCESSO DE POLARIZAÇÃO

Com o crescimento avassalador do uso da internet e das redes sociais nos últimos anos, a sociedade passou por transformações em praticamente todas as esferas de seu funcionamento. A facilidade de atingir um número gigantesco de pessoas com apenas um “clique” em seu computador, smartphone ou tablet, nos trouxe uma imensa facilidade para interagir com os mais diversos tipos de conteúdo. Isso se dá pelo fato dos conteúdos estarem sendo gerados a todo momento de maneira simultânea e com baixo custo de produção para os seus criadoes.

Isabel Holanda (2021), no artigo “A influência das redes sociais na comunicação humana” confirma que as redes sociais facilitam a interatividade entre pessoas e grupos distintos encurtando a distância entre esses indivíduos e facilitando o intercâmbio entre as culturas. Notado é também, o baixo custo que as redes sociais apresentam para os seus usuários utilizarem as mesmas para se comunicar com diversas pessoas. Porém, assim como a maioria das mídias sociais, o seu faturamento é obtido através do marketing de outras organizações, ou seja, o custo para pessoas interagirem com as mesmas é relativamente baixo, quando não, gratuito. E a respeito disso Tristan Harris (2019) afirma que na internet, quando não existem meios de pagar um produto, o produto é você. É o que têm feito as redes sociais.

Somente nos últimos anos o uso das redes sociais significa 62% do tráfego na internet. No mundo, aproximadamente 4 bilhões de pessoas têm acesso à internet, representando 52,63% da população mundial, sendo estes, 476 milhões de internautas da Europa e 215 milhões de internautas da América Latina, segundo dados da ONU (2019). No Brasil, existem 120 milhões de usuários ativos, o que demonstra ser um mercado interessante efetuar nosso cadastro. Essa é nossa forma de pagamento pelo serviço oferecido por elas. Esses dados são armazenados para que baseados neles empresas, entidades organizacionais ou mesmo políticos e influenciadores, definam métricas de como usar estratégias de marketing para atingir um público específico de usuários, manipulando assim o que esses indivíduos para as empresas que mantêm o fornecimento das redes sociais como Facebook, Google e Microsoft. Na lista dos dez sites mais acessados no Brasil, cinco deles são considerados redes sociais, estes, com uma grande quantidade de usuários conectados, conforme dados do IBGE (2018).

Entretanto, mesmo com essa facilidade de acesso a conteúdos distintos e diferentes linhas de pensamento, o que notamos nos últimos anos é uma comunidade de usuários cada vez mais intolerante e menos aberta ao diálogo com pessoas que pensam diferente deles, sobretudo na esfera política.

Isso se dá pelo fato de como as redes sociais funcionam. As redes sociais não nos oferecem serviços gratuitos como nós imaginamos, pelo contrário, nós usuários disponibilizamos nossos dados pessoais assim que concordamos com seus termos de uso ao efetuar nosso cadastro. Certo é que, todos os perfis pessoais cadastrados nas redes sociais são produtos. É simples, para onde os anúncios exibidos e dados armazenados serão destinados e para quem essas empresas irão vender publicidade se não tiverem uma audiência consistente, com possibilidade de segmentação e condensada em um só lugar? (COTTET, 2020).

Essa é nossa forma de pagamento pelo serviço oferecido por elas. Esses dados são armazenados para que baseados neles empresas, entidades organizacionais ou mesmo políticos e influenciadores, definam métricas de como usar estratégias de marketing para atingir um público específico de usuários, manipulando assim o que esses indivíduos pesquisam, compram e até mesmo visualizam em seu feed.

Assim, o objetivo de uma rede social é gerar mais interesse ao usuário, baseada nos dados que ela mesmo armazena para mantê-lo conectado o maior número de tempo possível. Durante esse tempo, anúncios oferecidos por empresas, entidades ou influenciadores que compraram esses dados aparecem para o usuário, gerando mais vendas e engajamento no conteúdo oferecido. É uma reação em cadeia, funcionando segundo Cottet (2020) com a capacidade das redes sociais em entender as necessidades, os problemas, desejos, dores e gostos dos seus seguidores, desta maneira, o conteúdo é melhor direcionado para que possa gerar mais interesse, consequentemente mais resultados.

Se pararmos para observar o nosso feed do instagram por exemplo, é incrível notar como existe certa coerência nos conteúdos apresentados desde o topo até o final da barra de rolagem. O que desejamos no momento sempre vai aparecer no topo do feed e em primeiro lugar em nossas pesquisas, condicionando nossa mente a pensar somente naquilo. Se observarmos sob a óticas dos produtos, rapidamente vamos chegar a explicação do consumismo exacerbado dos últimos tempos, mas olhando para as nossas preferências pessoais, isso explica como nosso pensamento tem se tornado cada vez mais fechado, sobretudo na política, nosso objeto de estudo.

Vitor Hugo Silva (2019), explica que para classificar as postagens, três fatores precisam ser considerados:

  • Interesse: o algoritmo é baseado em suas interações anteriores e processos de visão computacional, que mostram como você lida com postagens com conteúdo semelhante;

  • Notícias: as postagens mais recentes têm vantagens sobre as postagens mais antigas;

  • Relacionamento: a proximidade você é o autor da postagem, e as pessoas com quem você interage com comentários e marcações em outras postagens têm a prioridade mais alta. Mesmo que duas pessoas sigam a mesma conta, elas podem criar feeds do Instagram completamente diferentes.

Para classificar as postagens Silva (2019), três fatores precisam ser considerados:

  • Interesse: o algoritmo é baseado em suas interações anteriores e processos de visão computacional que o instruem sobre como lidar com postagens com conteúdo semelhante.

  • Notícias: as postagens mais recentes têm uma vantagem sobre as postagens mais antigas;

  • Relações: o quão próximo você é do autor da postagem e as pessoas com quem você interage com comentários e marcações em outras postagens têm a prioridade mais alta

Todas essas estratégias mesmo que de forma indireta tem nos influenciado a escolher nossos representantes no momento em que exercemos a democracia através do nosso voto, mas afinal de contas isso ajuda ou atrapalha o processo democrático? Na sessão seguinte passaremos a observar a polarização política gerada através das redes sociais.

3.1 A POLARIZAÇÃO POLÍTICA NAS REDES SOCIAIS

Na área da política é inegável o quanto o crescimento das redes sociais nos últimos anos influenciou o resultado das eleições em todo o mundo. A maneira como os usuários das redes sociais enxergam o mundo está ligada a forma em que as informações aparecem em seu feed. Justin Rosentein, no documentário “O Dilema das redes” traz vistas a uma perspectiva social e política com exemplos reais de como o uso das ferramentas oferecidas pelas redes sociais têm afetado o resultado de eleições pelo mundo, inclusive no Brasil, em 2018 e nos Estados Unidos da América em 2016. Segundo seu pensamento temos enfrentado cada vez mais ataques à democracia e isso está ligado ao relacionamento das pessoas com as redes sociais e com os conteúdos que elas têm consumido. Afinal, é muito fácil olhar para o lado e imaginar como todos são verdadeiros idiotas por não conseguirem ver a verdade que apenas você enxerga, mas sem perceber que essa verdade foi criada exclusivamente para você no seu feed, pelas suas próprias preferências e convicções. (ROSENTEIN, 2020).

Ora, se a todo tempo o mesmo tipo de informações é consumido por um usuário, é praticamente impossível que outras linhas de pensamento sejam absorvidas da mesma maneira ao seu raciocínio. O especialista supracitado complementa seu pensamento pontuando que grandes nações têm usado o poder dessas ferramentas para manipular quem elas querem no poder de determinado país, sem que sua soberania seja atingida, como ocorreu com os EUA em 2016, onde a Rússia usou bots (robôs) especiais para espalhar fake news e anúncios, em grande escala, na tentativa de manipular o resultado das eleições americanas. (ROSENTEIN, 2020).

No mesmo documentário, Harris (2020) afirma que a indústria da tecnologia criou as ferramentas para desestabilizar e desfazer o tecido da sociedade, sem que ao menos percebesse

Essa ferramenta se chama “xeque mate da sociedade” Pois quando um governo interfere no resultado da eleição de outro, não tem a ver com quem votou ou com quem vai ser melhor para o país em questão, com a diplomacia ou democracia. Tem a ver tão somente com semear o caos total para dividir uma sociedade, onde o importante é criar dois lados que não conseguem mais se ouvir, nem confiar um no outro. (HARRIS, 2020).

No próximo momento, esta pesquisa irá tratar da maior arma que as redes sociais usam para vender o espaço que ela disponibiliza: o algoritmo. A cientista Cathy O’niel, em palestra e bate-papo no Anbima Summit, nos dá uma breve análise para nos familiarizarmos a respeito do tema pois não estamos apenas olhando o conteúdo, mas o conteúdo está nos moldando e formando nossa identidade. Isso polariza ainda mais as pessoas e nos aprisiona em uma pequena bolha de pessoas com os mesmos interesses que nós (O'NIEL, 2021).

3.2 DEFINIÇÃO DE ALGORITMO

O algoritmo pode ser definido como uma inteligência artificial utilizada para organizar e separar cada grupo de usuários de acordo com suas preferências e particularidades. Ele é o responsável por tentar manter o usuário mais tempo conectado à rede social, em outras palavras, ele é quem nos influencia a consumir cada vez mais conteúdo. Felippe Garret (2020), explica que os algoritmos são a base do processo de desenvolvimento de software e parte da ferramenta para os programadores criarem estratégias para decompor os problemas em fases e processos que podem ser transformados por meio de cálculos.

Isso pode parecer um pouco exagerado, mas tudo o que o seu computador faz pode ser transformado em um algoritmo. Existem diferentes tipos de algoritmos, alguns dos quais são muito mais complexos do que outros, mas, em geral, todo software é uma interpretação computacional do algoritmo. (GARRET, 2020).

Enquanto consumimos conteúdo, disponibilizamos mais dados, e quanto mais dados disponibilizamos mais poder de negociação as redes sociais têm sobre eles, chegando a ganhar bilhões de dólares a cada “rolada” que damos em nosso feed. Segundo matéria publicada na por Carolina Gama (2021), para o portal Agência CMA, somente no corrente ano de 2021 o Facebook informou que o lucro líquido no terceiro trimestre de 2021 foi de US $ 9,194 bilhões, um aumento de 17% em relação ao ano anterior. Na mesma comparação, a receita total foi de 29,010 bilhões de dólares americanos, um aumento de 35%. Em setembro, a média de usuários ativos diários era de 1,93 bilhão, um aumento anual de 6%, enquanto a média de usuários mensais era de 2,91 bilhões, um aumento anual de 6%.

Essa definição nos explica o interesse dessas empresas no conteúdo que consumimos. Na sequência iremos entender como os algoritmos funcionam e como afetam nossas decisões políticas.

3.2.1 COMO OS ALGORITMOS FUNCIONAM

Tristan Harris, nos dá uma base de como todas as nossas ações estão a todo o momento sendo monitoradas por essas empresas para que elas possam definir nosso perfil de usuário dentro da rede. Assim que esse perfil é moldado é possível prever um padrão de comportamento, bem como os próximos passos para nos manter conectados. Segundo Trinstan (2020), existem alguns objetivos na maior parte dos algoritmos criados pelos gigantes da tecnologia: o de engajamento, para aumentar o seu uso, e te manter navegando. O de crescimento, para que você sempre convide amigos e os faça convidar outros amigos. E o objetivo da publicidade, para garantir que enquanto tudo acontece, estamos lucrando o máximo possível com anúncios”.

Tim Kendal (2020), ao analisar como seu trabalho nesse meio enquanto esteve no facebook mudou a perspectiva de milhares de pessoas ao redor do mundo, se mostra surpreso em como muitas ele mesmo acaba caindo em uma dessas armadilhas, não conseguindo sair de sua própria bolha e afirma que as redes sociais atingem justamente as partes mais primitivas de seu pensamento. O algoritmo é responsável por aumentar a sua atenção aos conteúdos, entregando a você repetidamente conteúdos que desencadeiam suas emoções mais fortes, visando provocar, chocar e enfurecer, pois isso gerará maiores lucros. O que nos permite entender quão inexorável é o impacto que a comunicação por intermédio do algoritmo provoca na comunicação pública.

Esses especialistas também nos deixam claro que não existe um culpado em relação a essa possível manipulação. No documentário, “O dilema das redes”, Tristan Harris (2020) sustenta que a ideia de criar um algoritmo para facilitar a nossa interação com as pessoas mais próximas a nós parecia ingênua e inocente, entretanto vem causando diversos danos, principalmente quando até governos usam desses meios para gerar conflitos sociais.

Eles acreditam que o algoritmo vem se desenvolvendo de maneira independente, se auto programando para melhorar sua performance e entregar resultados mais eficazes.

Sandy Parakilas, que também participa da discussão a respeito dos algoritmos no documentário, evidencia que nessas gigantes da indústria digital como Facebook, Twitter, e Google, poucas pessoas entendem como esses sistemas funcionam e nem mesmo elas sabem o que pode acontecer com determinado conteúdo compartilhado. Sandy (2020) Afirma então, que nós humanos perdemos o controle sobres esses sistemas, ficando a cargo deles controlar o que vemos, pesamos e consumimos. E reforça, eles têm mais controle sobre nós, que nós sobre eles. (PARAKILAS, 2020).

3.2.2 COMO OS ALGORITMOS AFETAM NOSSAS DECISÕES POLÍTICAS

As nossas decisões como um todo são definidas a partir da maneira como enxergamos as situações ao nosso redor. Nossas experiências, nossas memórias e nosso senso de justiça estão ligados essa visão. Pois bem, na escolha das decisões políticas não é diferente. Atualmente, os algoritmos corroboram de maneira silenciosa para uma visão de mundo dicotômica nos mostrando apenas um dos lados da moeda, mas, além disso, torna aos nossos olhos, o outro lado sujo e sem valor.

Em matéria publicada pelo Canal Tec. (2016), já se constatava a aparição das chamadas “bolhas políticas”, frisando como a tecnologia que ajuda os usuários a encontrar conteúdo mais relevante para seus dados pessoais na Internet está criando uma "bolha" ao redor das pessoas. Em relação à política, o usuário está cercado por pessoas que compartilham sua visão, o que o faz sentir que tem sempre razão.

Essa falsa percepção de que seu ponto de vista é sempre o correto cria essa bolha quase intransponível em que os usuários só conseguem dialogar e convergir entre si, pois não conseguem enxergar ou ouvir quem está do lado de fora. Porém, se por um acaso alguém rompe essa barreira é rapidamente colocado pra fora da bolha, visto que isso causa ameaça aos interesses daquele grupo específico. No curso eleitoral, é um prato cheio para tentativas de manipulação do resultado nas urnas, segundo matéria publicada pelo Correio Braziliense (2016), nada é certo quanto a intenção das redes sociais em si tentarem manipular de fato o resultado de eleições pelo mundo. Porém, é certo que a liberdade e a facilidade de gerar conteúdos dentro desses meios de comunicação, frise-se o baixo custo para impulsionamento de publicações pagas, deixa as plataformas vulneráveis a meios de manipulação em massa, qual sejam: governos, grupos radicais ou mesmo agências ligadas a interesses sociopolíticos.

O Jornalista Jonas Valente (2019), trouxe em matéria publicada no portal Agência Brasil, o resultado de pesquisa realizada em países em que foram constatadas intervenções no resultado das eleições.

A pesquisa “Ordem Global de Desinformação-2019" descobriu que o uso de mídia social para manipular eleições afetou 70 países ou regiões. Na versão 2018, esses episódios foram mapeados em 48 países no ano de 2018, um aumento de mais de 45%. No levantamento de 2017, foram registrados casos em 28 localidades, um aumento de 150%. A prática do que o autor chama de "publicidade computacional" se difundiu e se tornou um fenômeno global, afetando processos democráticos e consultivos em todos os continentes. A pesquisa foi realizada pelo Internet Institute (OII) da Oxford University, no Reino Unido, que lançou o primeiro monitoramento em 2017. O centro de pesquisas é uma das mais conhecidas atividades planetárias de manipulação on-line e de monitoramento no campo da análise ambiental, utilizando anualmente serviços como a Internet e as redes sociais. (VALENTE, 2019).

Em muitas situações, esses partidos e governos fazem acordos com empresas, apoiando coletivos e organizações civis sociedade. (VALENTE, 2019) Esses, em busca de seus interesses pessoais visando lucrar com essas eleições.

Por fim, para sustentar a tese que os algoritmos também nos influenciam a não olhar para o outro lado da moeda da mesma maneira, em sua análise o repórter afirma que além dessas táticas, os responsáveis têm recorrido também ao assédio para impedir a participação política, na forma de distração, com o intuito de confundir ou desviar a atenção do público de questões ou situações que constrangem esses grupos ou são negativas a eles. Some-se a isso a prática de desinformação, amplificação de conteúdo e a presença de trolls cujos métodos ofensivos são projetados para destruir ou atrapalhar relatos de debate online. (VALENTE, 2020).

Ao enfatizar a função dos meios de comunicação, Tim Kendal (2020) nos alerta a importância destas ferramentas agirem com independência, entretanto, sendo influenciadas por poderes econômicos e políticos, dificultando a pluralidade necessária a um regime democrático.

3.2.3 QUAIS CONSEQUÊNCIAS A INFLUÊNCIA GERADA PELO ALGORITMO TRAZ PARA O PROCESSO DEMOCRÁTICO

Para toda democracia, a livre escolha entre candidatos ao posto de representação dos cidadãos é o pilar para exercermos o direito à cidadania. Nada obsta que as redes sociais se tornaram grandes palcos políticos nos últimos anos como vimos um pouco mais acima. Entretanto, a maneira como elas apresentam o conteúdo a nós usuários acaba limitando à nossa maneira de enxergar os lados opostos ao nosso. Partindo de um viés clássico podemos definir a democracia como: “o arranjo institucional para se chegar a certas decisões políticas que realizam o bem comum, cabendo ao próprio povo decidir, através da eleição de indivíduos que se reúnem para cumprir-lhe a vontade” (SCHUMPETER, 1984, p. 305).

Doravante, podemos notar a partir dessa definição que o conceito por trás da busca pela democracia é realizar o bem comum, o que nas redes sociais não acontece. Nas interações virtuais o que notamos são pessoas cada vez mais obcecadas em mostrar tão somente sua razão aos que pensam diferente do seu ponto de vista. E isso é uma grande armadilha para o processo de manipulação que algumas entidades tentam gerar através do algoritmo utilizado pelas indústrias digitais. Sérgio Amadeu da Silveira traz em seu livro “Democracia e os códigos invisíveis: Como os algoritmos estão modulando comportamentos e escolhas políticas” breve trecho a respeito do assunto: “Todavia, a perspectiva da manipulação é baseada em discursos organizados para criar efeitos nas massas, em seus segmentos ou nos indivíduos.” (SILVEIRA, 2019, p. 56).

Todo o ambiente criado pelos algoritmos é de fato uma arma para manipulação de grandes massas. Olhando pela perspectiva de Amadeu, basta observar como as redes sociais organizam os discursos a fim de que as pessoas ouçam o que querem ouvir, vejam o que querem e falem apenas a respeito do que é mostrado em seu feed, tendo certa rejeição por aquilo que não condiz com isso. Elisa Marconi e Francisco Bicudo (2019) trazem com clareza.

Se a inteligência artificial descobrir que o internauta é um menino jovem, de direita, que come hambúrgueres, o post do amigo sobre a feira de reforma agrária promovida pelo MST não será exibido automaticamente, mesmo que os dois personagens sejam amigos de infância. Portanto, é uma visão limitada e unilateral da realidade (MARCONI, BICUDO, 2019).

Esse tipo de ação, quando replicada pelos milhões de usuários em largas escalas regionais e mundiais, pode configurar um atentado por meio desses códigos contra a democracia. Segundo Amadeu da Silveira (2019), o usuário de redes sociais, sabe que está sendo manipulado, mas nem imagina como.

Nessa percepção, a falta de reação do usuário vai se tornando cada vez mais banal, até essas atitudes serem vistas como naturais. A disponibilidade de dados é como se fosse um pedágio pagamos para que possamos acessar os serviços da web. Basicamente as redes sociais tem o poder de promover um encurtamento da realidade, e assim modulam a percepção e a ação do cidadão. Politicamente, inclusive (SILVEIRA, 2019).

A grande questão é que o papel das redes sociais no processo democrático não está mais ligado tão somente ao resultado das eleições e sim na formação de cidadãos, que pensam e têm responsabilidades a respeito do futuro de suas nações, estados ou cidades. Não é o simples fato de identificar a formação da maioria, que no regime democrático determina a eleição de determinado candidato. Estamos falando, sobretudo, do processo de formação dessa maioria e em como e de qual forma ela foi constituída? (SILVEIRA, 2019).

Mais um risco à democracia causado através dessas diligências é o fato de adversários políticos se tornarem inimigos durante os debates de cunho político. Steven Levitsky (2019), em entrevista à DW Brasil explica: Existem riscos terríveis. A polarização extrema sufoca a democracia. Pense na Espanha e na Alemanha nos anos 1930; no Brasil no início dos anos 1960; no Chile em 1973; na Venezuela e na Turquia no início dos anos 2000. Quando cada lado vê seus oponentes políticos como inimigos, eles estão dispostos a fazer qualquer coisa - mesmo que isso viole as regras democráticas - para impedi-los de vencer. Vimos tais sinais no Brasil. Vimos sinais na campanha eleitoral de 2014 e no impeachment de 2016 de que as elites aceitaram amplamente o fato de Lula ter sido excluído da eleição isso pode ser merecido, mas ainda é verdade para a democracia é que os riscos são muito reais.

Para finalizar esta sessão da presente pesquisa, Sérgio Amadeu da Silveira (2019, p. 78), reforça:

A teoria democrática nunca considerou recomendável a opacidade e a invisibilidade para governos e estruturas de grande poder, principalmente as privadas, que submetem o interesse público à finalidade lucrativa. É impossível considerar democrática a operação oculta dos algoritmos na distribuição de conteúdos nas redes sociais online. Ao contrário, a modulação algorítmica da opinião pública é um grande perigo para a democracia.

Do mostrado, o risco que a democracia corre a ter os interesses políticos combinados com lucrabilidade de empresas e entidades com interesses diversos ao bem comum social é notório, mesmo que aos nossos olhos pareça ingênuo ou mesmo invisível.


4. O DIREITO E O USO DE DADOS NAS REDES SOCIAIS NO BRASIL

O uso dos dados ligados aos sites que acessamos estão cada vez mais especializados. Como vimos, as grandes empresas do mundo digital usam softwares para armazenar esses dados para, a partir daí, criar nosso perfil de usuário através dos algoritmos sem que ao menos percebamos. A falta de conhecimento sobre o poder que estes dados têm, nos torna vulneráveis à usurpação dos direitos que os envolvem.

Descreve Silveira (2019, pg. 8): “Estruturas algorítmicas, compostas de bancos de dados, modelos matemáticos e softwares que os efetivam, se tornaram fundamentais nos processos de formação da opinião pública e na disputa pelas preferências políticas do eleitorado”.

Inúmeros podem ser os direitos atingidos caso nossos dados caiam nas mãos erradas. Em primeiro lugar é de suma importância deixar claro quais são os riscos que o vazamento desses dados provoca aos usuários. Há de se pensar que essas são informações implícitas e pouco perigosas. Entretanto, na mão de hackers esses dados valem muito. Felipe Guimarães, CEO da LGPDY, empresa especializada em segurança digital, nos dá um exemplo: “A maior parte das senhas envolvem datas de nascimento. Se o hacker consegue suas informações, pode traçar um perfil e até mesmo conseguir acesso em outras plataformas com seu login.” (GUIMARÃES, 2021).

Segundo Guimarães (2021), o banco de dados a disposição das mídias sociais a nosso respeito é um prato cheio para os criminosos, onde através dessas informações, eles têm a oportunidade de vender essas informações para outros grupos e empresas ou até mesmo utilizá-las para tentar roubar os usuários. Com nome completo, CPF e telefone muita coisa fica acessível. Esse tipo de ação no Brasil configura crime de “invasão de dispositivo informático”, previsto na lei 12.737 de 2012, denominada “Lei de Crimes Informáticos” ou “Lei Carolina Dieckman”:

Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. (BRASIL, p.1, 2012).

Nesse sentido, podemos destacar aqui em nosso país o Marco Civil da Internet, lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, onde já se prevê que o uso da internet no território nacional tem como princípio a garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal (BRASIL, 2014). Atualmente, frisa-se que os direitos fundamentais não se aplicam tão somente às relações entre o Estado e os cidadãos, mas inclusive às relações privadas entre particulares.

O atual presidente da República, Jair Bolsonaro, editou em setembro do corrente ano de 2021 medida provisória que altera o Marco Civil da Internet. A medida teria como objetivo explicitar os direitos e as garantias dos usuários de redes sociais, acrescentando dispositivos para tratar de maneira específica, tais como, o direito a informações claras, públicas e objetivas sobre a respeito das políticas, procedimentos, medidas e instrumentos dispostos para efeitos de eventual moderação de conteúdo, bem como do direito ao exercício do contraditório, ampla defesa e recurso nas hipóteses de moderação de conteúdo pelo provedor de rede social. Porém este discurso não foi aceito muito bem no mundo jurídico, tendo a ministra Rosa Weber suspendido a medida protetiva em sua decisão. Afirmou Weber:

Pontuo, por fim, a complexidade e a peculiaridade das diversas questões envolvidas na MP 1.068/2021. A propagação de fake news [notícias falsas], de discursos de ódio, de ataques às instituições e à própria democracia, bem como a regulamentação da retirada de conteúdos de redes sociais consubstanciam um dos maiores desafios contemporâneos à conformação dos direitos fundamentais. (STF, p.1, 2021)

São indiscutíveis as reais intenções do governo a respeito da Medida Protetiva, quais fossem proteger seus apoiadores da censura das redes sociais, facilitando a promoção de informações falsas, incluindo ataques à saúde pública e aos valores democráticos. No entanto, a referida medida carecia dos requisitos constitucionais necessários à sua tramitação, configurando-se um instrumento desnecessário a fim de promover as alterações que pretendia, em face de uma lei aprovada após pesquisas aprofundadas e amplo debate público como o Marco Civil da Internet. Todavia, a execução sumária da medida protetiva nº 1.068/2021 é lamentavelmente uma oportunidade perdida de cavar o debate sobre a regulação de conteúdo nas redes sociais, assunto discutido nesta pesquisa e em rodas acadêmicas e profissionais ao redor do mundo. Augusto Tavares Rosa Marcacini traz importante crítica em prol do fortalecimento do debate a respeito do Marco Civil da Internet:

é uma lei bastante prolixa, mas que acaba tratando com certa superficialidade temas politicamente relevantes que não se resumem ao ambiente de Internet. Esta é, evidentemente, uma crítica de cunho técnico-jurídico. Não desconheço as dificuldades políticas para a formação de consensos que levem à criação de leis, ou mesmo os apelos midiáticos e conjunturais que criam no legislador estímulos momentâneos para tratar de temas que “estão na moda”. (MARCINI, 2016, p. 20)

Nesse sentido, Adriana de Moraes Cansian afirma que a internet não foi feita para ser um ambiente seguro, embora os motivos para sua criação estivessem bem longe das demandas que temos hoje. Porém, devido ao uso que lhe é dado e do aumento exponencial do número de usuários ao redor do mundo, medidas de segurança têm sido adotadas para que aqueles que navegam no ambiente digital não sofram com problemas relacionados a violações de privacidade (CANSIAN, 2021).

4.1 A QUESTÃO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO

O direito à liberdade de expressão é sem sombra de dúvidas o direito mais exercido dentro das redes sociais, porém o seu exercício muitas vezes é confundido com a livre disposição de se falar sobre o que quiser a respeito de qualquer coisa ou indivíduo. Adriano Aparecido Rocha sugere a seguinte reflexão:

A linha que separa a liberdade de expressão da arbitrariedade é tênue, portanto, a lei busca resguardar o direito de um, sem oprimir o direito de outro. Atualmente, a rede mundial de computadores, através das redes sociais, tem sido utilizada constantemente para práticas abusivas, especialmente os crimes contra a honra, como a injúria racial, a calúnia e a difamação. Isto posto, como estabelecer controle legal e coerção estatal na internet? (ROCHA, 2017, p. 6)

Decerto é que o direito à livre manifestação do pensamento é uma garantia constitucional, todavia o texto da Magna carta prevê a vedação ao anonimato, ou seja, qualquer pessoa tem o direito de expressar suas opiniões contanto que se identifique como o autor que as proferiu, visando preservar o direito do contraditório, entretanto nas redes sociais isso se torna muito difícil de administrar. Pedro Lenza (2012, p. 918) confirma: “A Constituição assegurou a liberdade de manifestação do pensamento, vedando o anonimato. Caso durante a manifestação do pensamento se cause dano material, moral ou à imagem, assegura-se o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização”.

O dispositivo legal a respeito da liberdade de expressão ou livre manifestação do pensamento, está positivado no artigo 5º da Constituição Federal, em seu inciso IV, dispondo então:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; (BRASIL, p. 5, 1988).

Na análise de Pedro Lenza (2012, p. 2159), a veto do inciso IV se configura indispensável porque, “caso durante a manifestação do pensamento se cause dano material, moral ou à imagem, assegura-se o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização”. Dessa forma, para que não haja supremacia de um direito em face do outro, o legislador optou por vedar o anonimato. Por outro lado, a mesma constituição expressa em seu texto a respeito do sigilo da fonte: “Art. 5º (...) XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;” (BRASIL, 1988). Então, posto isso, qual a diferença entre o sigilo da fonte e o anonimato?

Segundo Lenza (2012), o sigilo da fonte é necessário a fim de resguardar o direito da fonte para o exercício profissional, possibilitando a garantia do acesso à informação. Através desse direito se valem jornalistas, de modo para que possam preservar suas fontes. Ante Exposto, o anonimato é expressamente vedado pela Constituição, salvo disposição contrária, como a denúncia anônima, que é vista os parâmetros da utilidade pública.

Resta claro que a lei não impede que manifestemos nossas convicções livremente, todavia faz ressalvas, de sorte que estará suscetível a punição aquele que exerce este direito arbitrariamente buscando se prevalecer no exercício do mesmo, violando portanto o direito do próximo, conforme Rocha (2012).

Trazendo para o cenário político, muitas vezes a liberdade de expressão é usada como pretexto para disseminação de Fake News no engajamento de campanhas políticas, assim como calúnias, difamação e injúria direcionados a adversários políticos. Dentro das redes sociais nas últimas corridas eleitorais há alguns casos onde até mesmo o uso de bots foi utilizado como recurso para atingir a imagem da parte adversa. Rafael Michalski e Lorena Tavares de Paula (2019, p. 4) definem: “bots maliciosos, programados para enganar outros usuários da rede através de várias práticas insidiosas, como a prática de spam e disseminação de fake news e desinformação”.

Combinados ao grande investimento nas redes sociais através de campanhas online pagas, esses bots têm o poder de causar um impacto substancial no aumento da polarização política. O entendimento é simples, quanto mais se investe capital monetário em uma campanha online em uma rede social, maior é o número de alcance gerado a partir dela, quanto mais alcance, mais influência se cria, quanto mais influência dicotômica, menores as possibilidades de diálogo. Como pontua Tristan Harris (2020), o objetivo é criar dois lados que não interagem entre si. Tudo por intermédio do algoritmo onde estão disponíveis os dados para compra e, além disso, tendo mesmo que de maneira ardilosa sua impunidade infelizmente garantida pelo direito de liberdade de expressão.

4.2. O USO DE BOTS DENTRO DAS REDES SOCIAIS

Peguemos o exemplo do Brasil em 2018, durante todo o processo eleitoral ouviu-se rumores de perfis fake espalhando fake news e discursos de ódio nas plataformas do Whatsapp, facebook e Twitter principalmente. Como pontuam Michalski e De Paula (2019, p. 14):

As eleições presidenciais brasileiras de 2018 foram marcadas pelo grande uso de bots na disseminação de hashtags em apoio a candidatos e suas propostas, bem como para realizar ataques a perfis com ideias contrárias e reforçar o apoio de perfis concordantes. Narrativas deificando e demonizando políticos invadiram o Twitter, os achismos perderam espaço nos debates e discussões para verdades absolutas embasadas em rumores e notícias falsas, compartilhadas muitas vezes pelos próprios candidatos.

Os autores evidenciam que: “a ação dos bots sociais no contexto da pós-verdade é extremamente preocupante, pois a disseminação de conteúdos falsos e manipulação da opinião pública ultrapassam o ambiente virtual e tem reflexos na realidade política nacional” (MICHALSKI; De PAULA, 2019). Como incessantemente difundido neste artigo, o grande perigo de outros que enxergam a mesma perspectiva de mundo que você nos assegura a realidade da nossa existência e a nós mesmos, por esta razão os bots trabalham dessa forma.

Seguindo a pesquisa, as percepções a respeito do funcionamento dessas ferramentas são ainda mais alarmantes quanto aos perigos à democracia:

A rápida viralização de notícias falsas, rumores e teorias da conspiração através da ação dos bots afeta diretamente o processo decisório democrático, uma vez que manipula a realidade das redes sociais criando a falsa percepção de maioria política e aceitação a determinada proposta. (MICHALSKI; De PAULA, 2019, p. 14).

Mesmo com o reconhecimento das redes sociais como: “camada extensiva do espaço público democrático de conversação”, as pesquisas vindas do meio digital priorizam o desenvolvimento de métodos que evidenciam a vulnerabilidade dos sites de redes sociais, ou seja, o quanto estão passíveis à circulação e aos ataques de bots. (REGATTIERI, 2019).

Segundo Beer (2016), se falando dos jogos de poder, o algoritmo tem acirrado a discussão ética a respeito de até que ponto uma ferramenta pode modular estruturalmente debates políticos ao ponto de intervir no jogo democrático. O uso de estratégias robóticas, bem como rotinas computacionais e a imitação do comportamento automatizado, pode implantar um tipo de verdade difícil de ser desmentida.


5. PERSPECTIVAS E DADOS INTERNACIONAIS A RESPEITO DA POLARIZAÇÃO

No mundo inteiro notamos o quanto o pensamento dicotômico vem se alastrando, disputas políticas têm aumentado o calor das discussões ao redor do mundo e como já vimos isso é prejudicial à democracia. O pesquisador João V. Guedes Neto (2021), realizou uma análise dos dados de pesquisas de opinião pública entre 165 eleições de 52 países entre os anos 1996 e 2019 no artigo “The Effects of Political Attitudes on Affective Polarization: Survey Evidence from 165 Elections” traduzido para o português, seria algo parecido com: “Os efeitos das atitudes políticas sobre a polarização afetiva: evidências de pesquisa de 165 eleições” ele teve como objetivo identificar qual o nível de polarização afetiva nos países estudados e compreender de que maneira atitudes e visões políticas particulares contribuem nesse índice.

Com a junção de todos esses dados, foi realizado uma série de cálculos com o propósito de entender o grau de polarização mediante dois partidos nas disputas eleitorais de cada país. A pesquisa trouxe como resultado as seguintes estatísticas:

Tabela 1 - As eleições mais e menos afetivamente polarizadas do mundo.

Fonte: The Effects of Political Attitudes on Affective Polarization: Survey Evidence from 165 Elections, 2021.

De acordo com o quadro apresentado pela figura 1, as eleições mais polarizadas foram: Quênia, 2013; Turquia, 2015; Albânia, 2005; Bulgária, 2001; e Turquia, 2018, respectivamente. Seguido das eleições menos polarizadas que tiveram como resultado as de Hong Kong, 2004; Taiwan, 1996; Hong Kong; Filipinas, 2016; e Hong Kong, nessa ordem. Iremos entender os resultados dessas pesquisas mais a frente.

A maior curiosidade que esses exemplos mostram é que das cinco maiores disputas afetadas pela polarização, três ocorreram após 2010 e nenhuma delas anteriores a 2000. Em contrapartida, entre as menos polarizadas, quatro delas ocorreram posteriores ao ano de 2004. O que nos prova como a polarização aumentou recentemente. (GOMES-NETO, 2021).

Mais que provar o quão polarizadas foram as eleições analisadas de acordo com as estatísticas dos últimos anos, João V. Guedes Neto (2021), realizou também, pesquisas de opinião a fim de testar algumas hipóteses que determinaram quais posicionamentos políticos influenciam o nível de polarização de cada indivíduo. Então chegamos à conexão dos fatores a seguir, que explicam o resultado das pesquisas mais acima.

O primeiro fator é: quanto maior o conhecimento ideológico do eleitor, mais radical e polarizado se tornará seu comportamento (GOMES-NETO, 2021).

A afirmação encontra-se a luz de um bom senso a respeito do tema. Nas pesquisas realizadas, eleitores que definiram ser mais próximos aos extremos ideológicos tendiam a votar e até se comportar de maneira mais polarizada. Desse modo, eleitores de extrema-esquerda e direita, tendem a ter menor afeição por seus adversários no campo político. Explica o autor:

Aqueles que são os mais engajados deveriam ter exatamente níveis mais altos de distância social. Isso acontece porque eles são capazes de diferenciar os partidos políticos existentes, eles têm firmes posições ideológicas baseadas no espectro político do país, e eles acreditam que seu voto é importante. (GOMES-NETO, 2021, p. 12)

O segundo fator determinante trata-se do seguinte: Quanto mais instruído politicamente for o eleitor, menor será o nível de polarização em seu comportamento (GOMES-NETO, 2021).

Para chegar a esta conclusão, foram analisados os posicionamentos políticos dos eleitores juntamente com o seu panorama a respeito da posição ideológica dos partidos de seus países. Quanto mais perto for a visão política dos eleitores com a visão dos especialistas, ou seja, quanto mais parecidas forem, mais bem instruídos politicamente eles são considerados. Neste caso, os eleitores que demonstraram maiores níveis de conhecimento a respeito de fatores políticos tendiam a ser menos polarizados. Outrossim, enxergavam partidos concorrentes aos que eles apoiavam como menos extremistas, fazendo um comparativo aos que demonstraram serem menos informados a respeito do tema.

Seguindo suas descobertas, eu argumento que os eleitores polarizam afetivamente a arena partidária quando eles acreditam que os políticos estão representando adequadamente seus desejos, assim justificando preferências mais fortes para um partido político em vez de outro. Além disso, como já argumentou que isso deveria ocorrer tanto no nível individual quanto no eleitorado. (GOMES-NETO, 2021, p. 14)

O terceiro fator é visto da seguinte forma: quanto menor a fé do eleitor em que sua ação fará diferença, menor polarizado seu comportamento vai ser. (GOMES-NETO, 2021).

A eficácia externa, é definida como um sentimento o exercício da cidadania de uma maneira racional por cada indivíduo é capaz de fazer a diferença na sociedade. De acordo com os dados que foram analisados, uma pessoa que pensa que suas ações não são capazes de afetar o sistema político, bem como acredita que sua voz não tem força nem relevância, tenderá a se posicionar de maneira menos extremada e polarizada.

Em outras palavras, o nível da polarização tende a aumentar de acordo com a percepção do eleitor de que sua atuação individual pode influenciar na melhora do curso de uma sociedade, conforme expressa:

Em outras palavras, aqueles que acreditam que seu voto ou voz têm menos influência sobre o processo político tendem a ser mais moderados politicamente ou independentes do mainstream (Hetherington 2008). Isso sugere níveis mais baixos de polarização entre aqueles que mantêm níveis mais baixos de eficácia externa - pelo menos quando apenas os partidos mais votados de uma eleição são considerados. Ou seja, como os eleitores percebem que seu engajamento político é irrelevante, eles não devem manter fortes preferências partidárias (GOMES-NETO, 2021, p. 14).

O último dos fatores está relacionado a quão satisfeito o eleitor se encontra a respeito da democracia, e essa satisfação pode ter influência em como esse indivíduo se comporta politicamente. (GOMES-NETO, 2021)

Esse ponto teve resultados diferentes aos anteriores, apresentando algumas variantes. Neste, foi avaliado como a satisfação do eleitor a respeito da democracia tende a afetar sua propensão a ter um comportamento polarizado. Conclui-se então, que essa relação varia de contexto para contexto, conforme explica o autor:

De modo geral, a literatura apresenta uma relação entre satisfação com a democracia e atitudes em direção à corrente política dominante. Isso deve refletir no efeito dos eleitores em relação aos partidos. Ou seja, a superior distância social deve ser identificada apenas entre a parcela do eleitorado que está satisfeita com a democracia. Caso contrário, os eleitores devem igualmente não gostar ou ser indiferentes em relação aos partidos mais votados. (GOMES-NETO, 2021, p. 15)

Os resultados chegaram à conclusão de que nos países onde os cidadãos em geral mostram um apoio mais consistente ao sistema democrático, o apoio individual pouco importa para o comportamento de cada pessoa se tratando da polarização. Em contrapartida, nos países onde a média de satisfação com a democracia é menor, o nível satisfatório de pessoa para pessoa tende a aumentar significativamente a polarização. (GOMES-NETO, 2021)

João V. Guedes Neto (2021), o motivo disso acontecer é porque nos países em que a satisfação democrática é mais alta, em geral os partidos têm posições mais centralizadas politicamente, tendo governos mais parecidos na forma de liderá-los. Deste modo, os eleitores com posições mais polarizadas fazem parte da minoria que não está de acordo com os partidos e o sistema político vigente. Essa propensão varia totalmente em países em que o apoio democrático é menos presente. À vista disso, nesses países os eleitores que têm uma afeição maior pelos regimes vigorantes, têm maiores possibilidades de apresentar um comportamento polarizado.


CONCLUSÃO

Quando pensamos em polarização política em geral nos vem à mente regimes autoritários ou até mesmo ditaduras, onde o povo está em constante batalha para garantia dos seus direitos. No entanto, a partir do advento das redes sociais essa ameaça à democracia foi instaurando de maneira sutil e silenciosa. O desenvolvimento da pesquisa mostrou o quão vulneráveis estamos a tentativas de manipulação das nossas convicções políticas, se tornando necessário analisar quais fatores levam ao pensamento polarizado.

Foi preciso apresentar de maneira mais ampla as origens da polarização e por quais motivos nós, seres humanos, tendemos a nos agrupar dessa forma. Partindo dessa análise chegamos de fato ao entendimento do por que nos comportamos desta maneira não só nas redes sociais, mas como sociedade.

As análises do plano de pesquisa não foram escolhidas de maneira aleatória ou sem critério algum. Foi necessário buscar inúmeras linhas de pensamento a respeito do tema e comparar com as opiniões de especialistas da área política e de desenvolvimento de softwares nas redes sociais, bem como notícias recentes sobre os fatos e inserção do Direito no embate proposto.

O posicionamento de uma sociedade menos polarizada não acontecerá de uma hora para outra, é necessário trazer luz a população a respeito dos seus posicionamentos políticos, assim como reforçar o apoio à democracia, tendo a liberdade de expressão utilizada de maneira consciente, assim relacionado ao uso das redes sociais teremos pluralidade de pensamentos e não uma visão distorcida disto.

Reconhecer quando estamos caminhando para um pensamento polarizado através da influência das redes sociais é sem dúvidas o maior desafio do projeto. Para isso teremos que identificar as consequências que este posicionamento leva a nossa sociedade, reconhecendo os mecanismos por trás das redes sociais capazes de condicionar as nossas escolhas. Teremos também o grande desafio mostrar esses mecanismos a uma grande parcela menos instruída da sociedade, mas somente assim sairemos falsa segurança do grupo e passaremos a pensamentos livres de fato.


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Informações sobre o texto

Monografia apresentada à Faculdade UNIRB Arapiraca, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientadora: Julyanna Jacinto Arruda Mota.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Pedro Henrique do Nascimento. Polarização política e a intervenção das redes sociais na formulação desse processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7153, 31 jan. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101419. Acesso em: 8 maio 2024.