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Fornecimento de medicamentos pelo Estado

20/09/2021 às 09:48
Leia nesta página:

O presente artigo aborda os aspectos jurídicos do fornecimento de medicamentos pelo Estado, sob a ótica de julgados, inclusive de estrita observância, tal como recurso repetitivo do STJ e acórdão do STF dotado de repercussão geral.

Corriqueiramente, a jurisprudência pátria via-se necessitada a decidir, dentre outras coisas, sobre se deveria ser assentado ou não o valor máximo para o custeio de remédios pelo Estado, bem assim se, necessariamente, o medicamento precisa de registro perante a ANVISA para que seja patrocinado.

Sobre essas temáticas, oportuno registrar o teor de ementas dos seguintes julgados do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo:

MEDICAMENTO. Taquaritinga. Fibrose pulmonar idiopática. Hipoxemia. Esbriet (Pirfenidona) 267mg. Fármaco excepcional e de alto custo. [...].

O fornecimento dos medicamentos excepcionais e de alto custo compete ao Estado, a teor da regionalização e hierarquização das ações de saúde previstas no art. 198 da Constituição Federal e nos termos da Portaria GM-MS no 204 de 29-1-2007, não havendo razão para condenação do município, cujo apelo fica provido.

2. Fornecimento. Medicamento. A necessidade do medicamento, registrado junto à ANVISA desde 13-6- 2016, é comprovada por relatório e receituário expedidos por médico pneumologista. [...]. –Procedência. Recurso do município provido. Recurso oficial parcialmente provido. Recurso do Estado prejudicado.

(TJSP, Apelação Cível 1004359-06.2016.8.26.0619, Rel. Torres de Carvalho, 10ª Câmara de Direito Privado, j. 24/07/2017)

Obrigação de fazer. Fornecimento de medicamento a portador de mieloma múltiplo. Deferimento da medida liminar de tutela antecipada. Revlimid® (lenalidomida) – medicamento de alto custo e uso experimental, não registrado junto à ANVISA, tampouco comercializado no mercado nacional. Ausência dos requisitos legais para o fornecimento. Precedentes. Decisão reformada. Agravo de instrumento provido.

(TJSP, Agravo de Instrumento 2089001-69.2017.8.26.0000, Rel. Antônio Celso Aguilar Corte, 10ª Câmara de Direito Público, j. 24/07/2017)

Desses excertos, nota-se que há tempos o Egrégio Tribunal de Justiça determinava que o Estado custeasse o pagamento de medicamentos, mas desde que presentes certos requisitos:

  • i) registro do medicamento perante a ANVISA;

  • ii) laudo médico comprovando a necessidade.

Verificava-se, ainda, que mesmo em caso de medicamentos com alto custo, era comum ver esse Tribunal determinar que fossem patrocinados pelo Estado.

Todavia, esse tipo de decisum continuou sendo objeto de duras críticas, pois havia quem defendia a inviabilidade do pagamento, pelo Estado, de remédios com preço elevado, bem como que os medicamentos indicados pelo profissional da saúde deviam estar no rol de medicamentos do SUS, e não apenas no da ANVISA.

Diante disso, foi necessária a manifestação do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso repetitivo, para resolver pelo menos um desses pontos: necessidade de registro do medicamento perante o SUS.

No tema repetitivo 106 (tese definida em 21/09/2018), esse C. Tribunal decidiu o que segue:

A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:

  • i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;

  • ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;

  • iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência.

Ou seja, ficou cristalina a possibilidade de se conceder medicamentos não incluídos em atos normativos do SUS, porém com a exigência de cumprimento de certos requisitos (acima destacados) – decisão esta a ser estritamente observada em todo território nacional, consoante demanda o parágrafo segundo do art. 987 do CPC. No entanto, nela não se delimitou um teto máximo a ser pago pelo Estado por dado medicamento.

Mais recentemente, nessa mesma linha, em sede de RE com repercussão geral (RE 657718), em decisao publicada em 09/11/2020, definiu o STF que, em regra, deve haver o registro de medicamento na ANVISA, para capacitar a obrigatoriedade de que seja pago pelo Estado.

Vejamos o teor da tese registrada:

O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais;

II - A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial;

III - É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei no 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos:

(i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);

(ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e

(iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil;

IV - As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União.

Ainda, vale lembrar que, antes mesmo de ser assentado o entendimento retro do STF, em 03/12/2007 o Supremo Tribunal Federal deu repercussão geral ao Recurso Extraordinário (RE 566471), registrado sob o tema 6 (Dever do Estado de fornecer medicamento de alto custo a portador de doença grave que não possui condições financeiras para comprá-lo).

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Sem embargo, foi só em 2020 que alguns dos ministros dessa corte passaram a votar supracitada temática: o Rel. Ministro Marco Aurélio, o Ministro Alexandre de Moraes e o Ministro Roberto Barroso.

De início, destaca-se que o Relator desse recurso propôs que o Estado arque com o valor de remédio, ainda que de alto custo e não incluído em política Nacional de Medicamentos ou em Programa de Medicamentos de Dispensação em Caráter Excepcional, com a ressalva de que se deve comprovar a imprescindibilidade “adequação e necessidade” – dessa medida, consubstanciada na “impossibilidade de substituição do fármaco e da incapacidade financeira do enfermo e dos membros da família solidária”.

Já a tese do Ministro Alexandre de Moraes distancia-se em alguns pontos da apresentada acima. Para Moraes, além do que exige o Relator, é preciso:

  • (b) existência de laudo médico comprovando a necessidade do medicamento, elaborado pelo perito de confiança do magistrado e fundamentado na medicina baseada em evidências;

  • (c) certificação, pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC), tanto da inexistência de indeferimento da incorporação do medicamento pleiteado, quanto da inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS;

  • (d) atestado emitido pelo CONITEC, que afirme a eficácia, segurança e efetividade do medicamento para as diferentes fases evolutivas da doença ou do agravo à saúde do requerente, no prazo máximo de 180 dias.

Atendidas essas exigências, não será necessária a análise do binômio custo-efetividade, por não se tratar de incorporação genérica do medicamento.

Por fim, em sua tese, o Ministro Barroso vai ao encontro de alguns argumentos já citados (custeio de remédio de qualquer valor, desde que comprovada a necessidade e eficácia, demonstração de incapacidade financeira da parte). Mas propõe que o processo relacionado ao pedido de patrocínio de medicamento siga as seguintes regras:

  • (v) a propositura da demanda necessariamente em face da União, que é a entidade estatal competente para a incorporação de novos medicamentos ao sistema.

Ademais, deve-se observar um parâmetro procedimental: a realização de diálogo interinstitucional entre o Poder Judiciário e entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde tanto para aferir a presença dos requisitos de dispensação do medicamento, quanto, no caso de deferimento judicial do fármaco, para determinar que os órgãos competentes avaliem a possibilidade de sua incorporação no âmbito do SUS.

No entanto, não se concluiu ainda o julgamento desse importante tema. Isto porque o Ministro Gilmar Mendes pediu vista, e desde então o julgamento continua pendente. Portanto, impera aguardar o julgamento do tema 6, pelo STF, a fim de se pacificar se o Estado deve arcar com medicamentos de alto custo.

De todo modo, por todo exposto, resta evidente que atualmente, para que seja compulsória a concessão de dado fármaco pelo Estado, este deve estar registrado perante a ANVISA, bem assim deve-se comprovar a falta de capacidade financeira para custeá-lo e a sua respectiva imprescindibilidade para o tratamento médico.

Sobre o autor
Victor Hélio Paes da Silva

Advogado, Pós-Graduando em Direito Empresarial pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) e Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela PUCRS; Graduado em Direito pelo Ibmec-SP; Cursos de Extensão em Direito de Família pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) e em Recursos Cíveis pelo Ibmec-SP. Membro Efetivo da Comissão Especial de Direito Civil da OAB-SP.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Texto elaborado em pesquisa acadêmica.

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