Princípio da segregação de funções na Nova Lei de Licitações

05/04/2021 às 21:36
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O artigo 5º da Nova Lei de Licitações traz o princípio da segregação de funções, que apesar de expresso pela primeira vez em lei (em sentido estrito) encontra-se implícito na ordem jurídica, com diversas concretizações em regras jurídicas pretéritas.

A Lei nº 14.133/21 trouxe em seu artigo 5º um rol extenso de princípios expressos,[1] que deverão orientar a aplicação da nova regulamentação referente às licitações e contratos administrativos, dentre os quais vale destacar o princípio da segregação de funções, não apenas por se tratar da primeira previsão expressa deste princípio em lei (em sentido estrito), mas também por conta da sua alta repercussão na aplicação e interpretação da ordem jurídica, mesmo já na Lei nº 8.666/93, a demonstrar a existência de um verdadeiro princípio implícito, que hoje se encontra expresso na ordem jurídica.

Por princípio da segregação de funções entende-se como mecanismo de controle interno da Administração Pública, materializado por meio da separação de funções de autorização, aprovação, execução, controle e contabilização exercida nas atividades administrativas, conceito este extraído do Manual do Ordenador de Despesas, elaborado pelo Conselho Nacional do Ministério Público[2], cujas premissas conceituais foram extraídas do Manual de Auditoria do TCU – Portaria nº 63/96, de 27/02/96.

Este conceito de segregação de funções é extraído ainda do manual SIAF[3] nº 020315, em seu item 8.1.1, que nestes termos dispõe: “A segregação de funções consiste em princípio básico de controle interno administrativo que separa, por servidores distintos, as funções de autorização, aprovação, execução, controle e contabilidade”.

No Acórdão nº 5.615/2008, a 2º Câmara do Tribunal de Contas da União salientou que o princípio da segregação de funções “consiste na separação de funções de autorização, aprovação, execução, controle e contabilização das operações, evitando o acúmulo de funções por parte de um mesmo servidor[4].

Assim, diante do conceito acima extraído, parecem claros os objetivos perseguidos pelo princípio da segregação de funções, sempre presentes na ordem jurídica, quais sejam: 1) a materialização do controle interno de legalidade dos atos da Administração Pública (autotutela administrativa); 2) evitar excesso de poder ou desvios de finalidades, diante da concentração de poder em apenas um agente público; 3) eficiência na atuação administrativa, pela especialização interna de funções administrativas, por meio da desconcentração administrativa, dentre outros.

Desta forma, resta evidenciada a existência deste princípio de maneira implícita em nosso ordenamento jurídico.

Verificamos até mesmo concretizações deste princípio no ordenamento jurídico pretérito à nova lei de licitações. A título de exemplo, poderíamos citar a vedação contida na Lei nº 8.666/93, especificamente no seu artigo 9º, da participação do autor de projeto básico ou executivo na licitação ou na execução de obra ou serviços. Mais clara concretização do aludido princípio, também na Lei nº 8.666/93, pode ser extraída do disposto no artigo 7º, § 1º, que nestes termos dispõe que “a execução de cada etapa será obrigatoriamente precedida da conclusão e aprovação, pela autoridade competente, dos trabalhos relativos às etapas anteriores, à exceção do projeto executivo, o qual poderá ser desenvolvido concomitantemente com a execução das obras e serviços, desde que também autorizado pela Administração”.

Deste modo, é de se concluir que o princípio, apesar de não expresso em leis (em sentido estrito) já fazia parte do dia-a-dia da Administração Pública, e em inúmeras oportunidades o Tribunal de Contas da União já apresentou considerações sobre este princípio, valendo citar abaixo alguns julgados, para melhor compreensão da dimensão de sua aplicabilidade na atividade administrativa, julgados estes compilados no fulgente e cintilante trabalho científico desenvolvido por Magno Antônio da Silva[5]:

1. Acórdão nº 3.360/2007-TCU-2ª Câmara: (...) em observância ao princípio da segregação das funções, [a adoção de] medidas no sentido de que a fiscalização de obra não seja realizada pela mesma empresa contratada para executá-la.

2. Acórdão nº 38/2013-TCU-2º Câmara: (...) estabeleça critérios para seleção dos servidores que recebem e atestem bens e serviços, de forma a evitar que eles exerçam outras atividades incompatíveis, tais como ordenador de despesa, pregoeiro, membros das comissões de licitação e responsável pelo almoxarifado.

3. Acórdão nº 747/2013-TCU plenário: (...) promova a segregação de funções, quando da realização dos processos de aquisição de bens e serviços, em observância às boas práticas administrativas e ao fortalecimento de seus controles internos, de forma a evitar que a pessoa responsável pela solicitação participe da condução do processo licitatório, integrando comissões de licitações ou equipes de apoio nos pregões.

4. Acórdão nº 5.840/2012-TCU-2ª Câmara: (...) deve-se evitar a nomeação de mesmos servidores para atuar, nos processos de contratação, como requisitante, pregoeiro ou membro de comissão de licitação, fiscal de contrato e responsável pelo atesto da prestação de serviço ou recebimento de bens, em respeito ao princípio da segregação de funções.

Frente ao presente quadro, observa-se que o princípio da segregação de funções, em que pese expresso apenas na nova lei de licitações e contratos administrativos, trata-se de princípio concretizado em diversas normas da ordem jurídica pretérita, e se faz presente em diversas decisões dos Tribunais de Contas, as quais criam verdadeiro norte de atuação do agente público no exercício da função administrativa, bem como traz um norte ao intérprete do direito acerca do alcance e concretizações do aludido princípio jurídico, hoje expresso na ordem jurídica.


[1] Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm. Acessado em 03 de abril de 2021.

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[2] Disponível em https://www.cnmp.mp.br/portal/institucional/comissoes/comissao-de-controle-administrativo-e-financeiro/atuacao/manual-do-ordenador-de-despesas/recursos-humanos-e-gestao-de-pessoas/segregacao-de-funcoes-como-distribuir-atividades?highlight=WyJzZWdyZWdhXHUwMGU3XHUwMGUzbyIsImZ1blx1MDBlN1x1MDBmNWVzIl0=. Acessado em 03 de abril de 2021.

[3] Manual do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal. Disponível em: https://conteudo.tesouro.gov.br/manuais/index.php?option=com_content&view=article&id=1551:020315-conformidade-contabil&catid=749&Itemid=376. Acessado em 03 de abril de 2021.

[4] Acórdão nº 5.615/2008-TCU-2ª Câmara. Relator: Ministro Raimundo Carreiro. Brasília, 4 de dezembro de 2008. Diário Oficial da União, 8 de dez. 2008.

[5] SILVA, Magno Antônio. O princípio da segregação de funções e sua aplicação no controle processual das despesas: uma abordagem analítica pela ótica das licitações públicas e das contratações administrativas. Revista do TCU. Set/dez 2013. Págs. 38/51. Disponível em: https://www.licitacao.online/sites/default/files/68-texto_do_artigo-130-1-10-20150916.pdf. Acessado em 03 de abril de 2021.

Sobre o autor
Maicon Natan Volpi

Especialista em Direitos Difusos e Coletivos pela ESMPSP (Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo). Já foi Advogado. Atuou em convênio com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Atualmente exerce o cargo de Analista Jurídico do Ministério Público do Estado de São Paulo.

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