As técnicas de reprodução humana assistida frente às lacunas do ordenamento jurídico brasileiro

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02/12/2020 às 11:50
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3. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

O ordenamento jurídico brasileiro não conta com nenhuma regulamentação infraconstitucional específica no que diz respeito às técnicas de Reprodução Humana Assistida existentes.

A resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) nº 2.121, de 24/09/2015 é a única resolução que trata de maneira ética os métodos a serem utilizados por clínicas que lidam com às técnicas de Reprodução Humana Assistida, embora no Congresso Nacional existam projetos relacionados ao tema, muitos deles não receberam aprovação.

Faz-se imperioso ressaltar que a resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) nº 2.121, de 24/09/2015 não tem força de lei, ou seja não tem eficácia jurídica, além de apresentar diversas lacunas com relação a problemática que envolve as técnicas de Reprodução Humana Assistida já existentes.

Compreende-se que, enquanto não há uma legislação específica relacionada às técnicas de Reprodução Humana Assistida devem ser observadas as Resoluções do Conselho Federal de Medicina e os profissionais da área da saúde deve observar o Código de Ética Médica, nos seguintes termos:

“É vedado ao médico:

Art.67 – Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre os métodos contraceptivos ou conceptivos, devendo o médico sempre esclarecer sobre a indicação, a segurança, a reversibilidade e o risco de cada método.

Art.68 – Praticar fecundação artificial sem que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre o procedimento.

Art. 122 _ Participar de qualquer tipo de experiência no ser humano com fins bélicos, políticos, raciais ou eugênicos”. (Grifo nosso).

Compreende-se, assim, que os médicos e os profissionais da área da saúde que lidam com as técnicas de Reprodução Humana Assistida, frente à falta de leis específicas que versam sobre o tema, devem pautar-se no senso ético e profissional para que os seus procedimentos e técnicas relacionadas à reprodução humana não sejam alvejados por lides judiciais e responsabilizados na esfera cível. Neste viés, é possível observar que, por falta de leis que lidam sobre o tema, ao legislar sobre as técnicas de Reprodução Assistida, os profissionais do Direito devem partir dos princípios constitucionais básicos de respeito à dignidade da pessoa humana que será tema do próximo tópico, como se versa a seguir: Faz-se, portanto necessário discorrer sobre o princípio da dignidade da pessoa humana e sua função de elucidar a justiça nas demais questões existentes referentes ao tema proposto neste ensaio.

3.1 O princípio da dignidade da pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana encontra-se no rol dos princípios fundamentais e foi consagrado no art. 1º, III da Constituição Federal de 1988, como o princípio fundamental da República e valor unificador dos direitos e garantias fundamentais. O princípio da dignidade da pessoa humana é o princípio norteador do ordenamento jurídico brasileiro.

Cabe destacar que foi depois da segunda guerra mundial que houve uma verdadeira consideração pelo decoro da pessoa humana. Com relação ao conceito de Dignidade o Dicionário Aurélio apresenta o seguinte significado: decência; decoro; respeito a si mesmo; amor-próprio, brio, pundonor. Silva, De Plácido (2004, p. 458) ensina que Dignidade, Derivado do latim dignitas (virtude, honra, consideração), em regra se entende a qualidade moral, que possuída por uma pessoa, serve de base ao próprio respeito em que é tida.

Ingo Wolfgang Sarlet compendiou a dignidade da pessoa humana como:

“A qualidade intrínseca e distinta reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”.( SARLET,2005, p. 37).

O princípio da dignidade da pessoa humana se mostra como o corolário da análise dos avanços biotecnológicos na sociedade contemporânea, especialmente quando se destinam a atingir o ser humano, afetando o que lhe é mais precioso, sua dignidade. (FISCHER, 2017, p.05).

Ingo Wolfgang Sarlet,(2001) ensina que:

(...) a dignidade da pessoa humana, parte do pressuposto de que o homem, em virtude tão-somente de sua condição humana e independente de qualquer outra circunstância, é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado. Da mesma forma, acabou sendo recepcionada, especialmente a partir e por meio do pensamento cristão e humanista, uma fundamentação metafísica da dignidade da pessoa humana, que, na sua manifestação jurídica, significa uma última garantia da pessoa humana em relação a uma total disponibilidade por parte do poder estatal e social. (SARLET, 2001).

O princípio da dignidade da pessoa humana “serve como justificativa para a imposição de restrições a direitos fundamentais, acabando, neste sentido, por atuar como elemento limitador destes” (SARLET, 2002, p. 123). Gabriella Nogueira Tomaz e Henrique Batista de Araújo Neto, (2012):

A dignidade humana é universal e pautada na humanidade empregada no teor de sua essência. Sendo imprescindível para a instituição do ordenamento jurídico. Tem fundamento no Estado democrático e no cunho social que permeia as mais variadas relações jurídicas. A bioética estabelece valores que devem ser respeitados pela ingerência da inseminação artificial, bem como outras técnicas de reprodução humana. O valor ético deve prevalecer no respeito à vida, compondo-se de limites a evolução da medicina, não podendo ter condutas que reduzam a sua dignidade. Sendo assim, institui-se o sentido humanístico, preservando a dignidade e garantindo a efetividade dos direitos inerentes ao ser humano. (DA SILVEIRA e DE ARAÚJO NETO, 2012, p.09).

Neste viés, observa-se que o princípio da dignidade da pessoa humana auxilia nos julgamentos com relação às novas técnicas de Reprodução Humana Assistida utilizada pela sociedade contemporânea.

Novelino (2010, p. 339) lembra que as terríveis experiências com seres humanos feitos pelos nazistas fizeram abrir a consciência sobre a necessidade de amparar a pessoa, com o intuito de evitar que seja reduzida à condição de objeto. O ordenamento jurídico brasileiro apresenta lacunas que precisam ser preenchidas, com novas normas, diretrizes leis e princípios, para que os operadores do Direito possam interferir, de forma justa, nas novas questões oriundas das técnicas de reprodução que vieram para auxiliar o planejamento familiar das famílias brasileiras.

Assim, diante das lacunas existentes, o princípio da dignidade humana configura-se como princípio norteador dos métodos e procedimentos referente às técnicas Reprodução Humana Assistida utilizada pela sociedade contemporânea até que o Estado crie as normas que sejam eficazes no sentido de legitimar as referidas técnicas. O ser humano, sua dignidade deve prevalecer em qualquer avanço tecnológico da ciência e da medicina, uma vez que todas as normas existentes no ordenamento jurídico brasileiro devem estar fundamentadas nos direitos fundamentais defendidos pela Constituição vigente. Desta forma, averigua-se que a dignidade da pessoa humana constitui valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda ordem constitucional.


4. CONCLUSÃO

O presente ensaio objetivou alavancar reflexões sobre os problemas jurídicos oriundos das questões referentes às técnicas de Reprodução Humana Assistida no ordenamento jurídico brasileiro, com ênfase nas lacunas deixadas pela legislação vigente. A problemática se verificou principalmente na concepção do filho por fertilização in vitro sem a autorização do genitor, frente à falta de leis específicas que versam sobre as técnicas e procedimentos relacionados a este método de Reprodução Humana Assistida.

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Foi possível observar que o ordenamento jurídico brasileiro, especificamente o Código Civil, não acompanhou as aceleradas transformações da família brasileira contemporânea, principalmente no que tange às novas técnicas de reprodução humana assistida que, embora tenham vindo para auxiliar no planejamento familiar das famílias brasileiras. É notório que, com as inovações na área médica e, especificamente, na área da reprodução humana, vieram também as questões jurídicas dela provenientes.

Destarte, observou-se que o princípio da dignidade da pessoa humana ampara ajuizamentos com relação às novas técnicas de Reprodução Humana Assistida utilizadas pela sociedade contemporânea. Faz-se, portanto, necessário que o Estado, frente à falta de leis que versam sobre o tema e diante das lacunas que existam em consequência disto, assuma o papel institucional que lhe compete e sistematize o tratamento jurídico relacionado às técnicas de Reprodução Humana assistida no Direito contemporâneo.


5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, Lei n0 8.974, de 5 de janeiro de 1995. Regulamenta os incisos II e V do artigo 225 da Constituição Federal, estabelece normas para uso das técnicas de engenharia genética (...) prov. Diário Oficial da União, Brasília, p. 337, 6 jan.1995.Col.1.

BRASIL. Resolução n0 1.358/92, de 11 de novembro de 1992. Adotar as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, n. 16053, p. 17, 12 nov. 1999. Seção I.

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LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Método, 2010, p. 339. NYS, Herman, Experimentação com embriões. In: CASABONA, Carlos Maria Romeo (org). Biotecnologia, direito e bioética. Belo Horizonte: PUC-MINAS e Del Rey, 2002.

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SILVA, De Plácido; JURÍDICO, Vocabulário. atualizadores Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Vocabulário Jurídico Conciso, v. 1, 2004.

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