Direito médico: responsabilidade civil do médico e o consentimento informado

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05/02/2020 às 00:26
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3. TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO – TCI: AUTONOMIA E ESCOLHA DO PACIENTE-CONSUMIDOR.

 O consentimento informado é o meio mais adequado que o médico tem para formalizar o tratamento a ser realizado no paciente, devendo ser explicado de forma clara, acessível e objetiva, com anuência voluntária do paciente. Esta declaração deve ser elaborada dentro de um contexto ético, legal e moral. 

Ou seja, somente após a obtenção do consentimento é que o profissional de saúde executará os tratamentos ou qualquer procedimento no paciente, de forma lícita. Caso contrário, estará incorrendo no risco de estar expondo a integridade física e a saúde dos pacientes a uma unilateral e arbitrária intervenção, atingindo a integridade física, a saúde e a dignidade do paciente.

Assim, uma vez informado o paciente, se o mesmo for capaz juridicamente falando, e fornecer o consentimento, estarão preenchidos os pressupostos de validade do consentimento informado.

O Superior Tribunal de Justiça vem decidindo de que é obrigação do médico, ora prestador de serviços, obter o consentimento informado ao paciente, ora consumidor. Vejamos, in verbis:

Superior Tribunal de Justiça. Ementa: Responsabilidade Civil. Hospital. Santa Casa. Consentimento Informado. A Santa Casa, apesar de ser instituição sem fins lucrativos, responde solidariamente pelo erro do seu médico, que deixa de cumprir com a obrigação de obter CONSENTIMENTO INFORMADO a respeito de cirurgia de risco, da qual resultou a perda da visão da paciente. Recurso não conhecido. (4ª Turma REsp n° 467.878 – RJ – Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar).

Assim sendo, o consentimento informado legitima a ação médica, embora não afaste a possibilidade de responsabilização por erro decorrente de culpa, e ao consentir com o tratamento sugerido, o paciente está apenas autorizando a aplicação dos meios indicados, mantendo o direito de exigir que o profissional tenha diligência.


4. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E AS EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL.

É bem verdade de que no caso do médico, profissional liberal, a sua responsabilidade é subjetiva, ou seja, depende da comprovação de culpa ou dolo no evento.

Todavia, ressalta-se ainda que a obrigação de reparar por erro médico exige a comprovação de que o profissional tenha agido com imperícia, negligência ou imprudência, além da demonstração do nexo de causalidade entre a conduta médica e as consequências lesivas à saúde do paciente, sem o que não se pode atribuir-lhe responsabilidade civil.

Dessa forma, Conduta, conforme a lição de Sérgio Cavalieri Filho, grande especialista brasileiro no tema, “Programa de Responsabilidade Civil”:

É o comportamento humano voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo consequências jurídicas. No entanto, nem todo comportamento do agente será apto a gerar o dever de indenizar, mas somente aquele que estiver revestido de certas características previstas na Ordem Jurídica. Assim, não basta a conduta (ação ou omissão), mas ela tem que ser culposa, caso contrário a vítima não poderá pleitear ressarcimento algum. A culpa é o elemento subjetivo da responsabilidade civil e consiste, em seu sentido amplo, a todo comportamento contrário ao Direito, seja intencional (caso do dolo), ou não (caso da culpa em sentido estrito). [11] 

No mesmo sentido da exegese do dispositivo supra transcrito, têm entendido os mais diversos tribunais pátrios, conforme farta jurisprudência infra colacionada:

“RESPONSABILIDADE CIVIL – Internamento em hospital – Amputação de perna – Indenização pleiteada – INEXISTÊNCIA DE PROVA DE CULPA OU IMPERÍCIA DO PROFISSIONAL – AÇÃO IMPROCEDENTE – Apelação não provida – Voto vencido. Ainda que se admita a natureza contratual do serviço médico, não se pode presumir a culpa do profissional, por envolver obrigação de meio e não de resultado. Sem prova dessa culpa improcede ação de indenização”( TJSP – Rel. José Cardinale – RT 523/68).

“RESPONSABILIDADE CIVIL – MÉDICOS A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS MÉDICOS SOMENTE DECORRE DE CULPA PROVADA, CONSTITUINDO ESPÉCIE PARTICULAR DE CULPA. Ação improcedente. Sentença confirmada. Apelo improvido” (TJRS – Rel. Des. Egon Wilde – RJTJRGS 129/275).

“INDENIZAÇÃO – Responsabilidade civil – Hospital – Ajuizamento com base no Código de Defesa do Consumidor – Responsabilidade objetiva – Inadmissibilidade – HIPÓTESE DE EXERCÍCIO DE PROFISSÃO LIBERAL, NA MEDIDA EM QUE O QUE SE PÕE EM EXAME É O PRÓPRIO TRABALHO MÉDICO – NECESSIDADE DA PROVA DE QUE O RÉU AGIU COM CULPA OU DOLO – ART. 14, § 4. º, DO REFERIDO CÓDIGO

– Recurso não provido. Em ação de indenização contra hospital, ajuizada, com base no Código de Defesa do Consumidor, embora se trate de pessoa jurídica, a ela não se aplica a responsabilidade objetiva, na medida em que o que se põe em exame é o próprio trabalho médico – Aplicável, pois, o § 4. º do art. 14 do referido Código”( TJSP – Rel. Des. Marco César – RJTJSP – Lex 141/248).

“INDENIZAÇÃO – DANOS CAUSADOS PELO EXERCÍCIO DE PROFISSÃO LIBERAL – MÁ PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS – PROVA DE CULPA NECESSÁRIA. A responsabilidade objetiva pelo exercício da profissão liberal para reparação de danos causados aos consumidores por, na linguagem legal, ‘defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos’ (Lei 8.078/90, art. 14, caput), de nenhuma forma pode afastar-se das normas gerais processuais atinentes ao ônus da prova, pena de refletir-se o tema em detrimento dos próprios usuários dos serviços dos profissionais liberais, com a natural retratação dos mesmos no atendimento de casos complexos, sujeitos a maiores riscos, e atendimentos variados por parte dos especialistas” (Ag. Instr. 179.184. 5. ª CC. Rel. Des. Marcos César. Tribunal de Justiça de São Paulo. J. 17.09.92. RT 691, maio/93, p. 97-103).

O nexo de causalidade é, geralmente, o primeiro pressuposto da responsabilidade civil a ser analisado no caso concreto, uma vez que antes de perquerir se o agente agiu com culpa, deve-se analisar se ele deu causa ao resultado. Seu conceito não é jurídico, mas decorre das leis naturais: “É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado”. [12]

A relação causal, portanto, estabelece o vínculo entre um determinado comportamento e um evento, permitindo concluir se a ação ou omissão do agente foi ou não a causa do dano. Ou seja, se não houve demonstração do nexo causal entre o serviço realizado pelo médico, ora prestador de serviços, não há que se falar em responsabilidade civil empregada ao profissional liberal.

A teoria adotada pelo Código Civil relativa a nexo de causalidade é a da causalidade adequada. Segundo tal teoria, elaborada por Von Kries, CAUSA é o antecedente não só necessário, mas também adequado à produção do resultado. Logo, se várias condições concorreram para determinado resultado, nem todas serão causas, mas somente aquela que for mais adequada à produção do evento. Assim, a CAUSA será apenas aquela determinante para o dano, desconsiderada as demais.

O Direito Civil brasileiro adota o principio da culpa como basilar da responsabilidade extracontratual, aceitando, entretanto, exceções para a responsabilidade pelo risco. Dando origem, assim, a um sistema misto de responsabilidade subjetiva e objetiva.

Entende-se como subjetiva a responsabilidade que se baseia na culpa do agente, sendo que esta deve ser comprovada para que haja a obrigação de indenizar. A responsabilidade do sujeito causador do dando configura-se pelo dolo ou pela culpa. Está é a teoria clássica, também conhecida como teoria da culpa ou teoria subjetiva, e dispõe que a prova da culpa lato sensu abrange o dolo, ou stricto sensu, se constitui num pressuposto do dano indenizável.[13]

Em determinadas situações, entretanto, a lei impõe a obrigação de reparar o dano independente de culpa. É a teoria objetiva ou teoria do risco, que não necessita de comprovação de culpa para tornar o dano indenizável. Para esta teoria é suficiente a existência do dano e do nexo de causalidade para caracterizar a responsabilidade civil do agente, ela assente a afirmação de a mera ocorrência de lesão e constatação de que o dano teve origem em um comportamento positivo ou negativo, tornando desnecessária a imputação subjetiva do autor para a concretização da obrigação.[14]

Conclui-se, assim, que a diferença entre os sistemas da obrigação indenizatória civil se funda na questão da prova da culpa, da distribuição do ônus probatório. Ponto, este, que se necessário faz da obrigação subjetiva, quando dispensado caracteriza a objetiva.[15]

Todo profissional, independente da área de atuação deve possuir os conhecimentos básicos, tanto práticos como teóricos, de sua profissão. Do profissional médico exige-se uma conduta bastante rigorosa, já que trabalha diretamente com bens de imensurável valor, como a vida, a saúde e a integridade física e psicológica de pessoas. Se, contudo, lhe é exigido um cuidado maior, não há que se dizer que ele está inserido em algum tipo de exceção do princípio da individualização da culpa, nem é sua pratica profissional considerada inimputável. Ao contrário, a culpa médica no Direito é uma culpa comum e não uma culpa especial, como pregam alguns. Também, a responsabilidade que lhe é imposta é a mesma imposta a todos, diferente apenas em sua ocorrência, pois esta resulta do exercício de uma profissão, a profissão médica.[16]

A culpa médica se caracteriza quando o profissional agir com falta de diligência e inobservância das normas de conduta. Essa falta de cuidado seria então o elemento dinâmico essencial para a formação da culpa, dando origem às suas três modalidades: imperícia, imprudência e negligência.[17]

A imperícia médica é a falta de cuidado no exercício da profissão ou ofício, é a chamada falta de habilitação para a prática do ato. O diploma reconhecido pelo MEC, registrado no Conselho Regional de Medicina, o médico estaria habilitado. Perito.

Neste ínterim, a letra do médico é um fato não muito raro quando das receitas indecifráveis. Esse fato pode gerar margem a troca de medicamentos com o risco de o paciente tomar um remédio diferente daquele prescrito. Outro exemplo clássico, é o esquecimento de corpo estranho em cirurgia, não seria exagero afirmar-se que dificilmente um bom cirurgião escapou desse dissabor.

A imprudência médica é o médico que age sem a cautela necessária. É aquele cujo ato ou conduta são caracterizados pela intempestividade, precipitação ou insensatez. A imprudência tem sempre um caráter comissivo.

O cirurgião que, podendo realizar uma operação por um método conhecido e abandona essa técnica e, como consequência, acarreta para o paciente um resultado danoso, comete imprudência e não imperícia.

Negligência, por fim, é nas palavras de Aguiar Dias

“a omissão daquilo que razoavelmente se faz, ajustadas as condições emergentes às considerações que regem a conduta normal dos negócios humanos. É a inobservância das normas que nos ordenam agir com atenção, com capacidade, solicitude e discernimento. Relaciona-se, no mais das vezes, com a desídia, ocorrendo por omissão de precauções às quais o agente deveria se obrigar”.[18]

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 É, ao contrário das outras, um tipo de culpa por omissão. Efetivando-se quando o profissional deixa de fazer o que deveria ser feito, por razões de inércia, passividade, indiferença, desleixo ou mesmo cansaço.[19]

O estabelecimento do nexo causal é a condição sem a qual o dano não teria ocorrido. Ou seja, é a condição de sozinha, sem qualquer concurso de outra causa, produzir efeito danoso.

Assim sendo, faz oportuno vislumbrar sobre as excludentes da responsabilidade civil do médico, quais sejam: a) a culpa exclusiva da vítima; b) o caso fortuito e a força maior; c) o fato de terceiro.

As causas excludentes de responsabilidade eximem o médico da responsabilidade, ensejando a improcedência de uma ação de indenização eventualmente proposta.[20]

O fato de terceiro é o que pode isentar o médico de responsabilidade, podendo ser concretizado por conta de um dano ocasionado por interferência ou ato, de alguém próximo ao paciente, como um familiar seu ou, ainda, por erro de farmacêutico ou erro de laboratório.

A culpa exclusiva da vítima libera o médico de toda e qualquer responsabilidade pelo dano sofrido por aquele. Se a culpa for concorrente, o médico responde. Assim dispõe o Código Civil, em seu artigo 945: “Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa, em confronto com a do autor do dano”.

A força maior é um poder ou uma razão mais forte do que a daquele que atua. Caracterizada pela IRRESISTIBILIDADE de um determinado fato que, pela sua potencialidade exacerbada, vem impedir a realização ou modificar o cumprimento de uma obrigação à qual estava adstrito o devedor. Exemplo: Falta de energia, tempestade, terremoto, tsunami, etc.

O caso fortuito traz ocorrências extraordinárias e excepcionais, alheias à vontade e à ação do médico, e que guardam as características de imprevisibilidade e inevitabilidade. Exemplo: O médico prescreve medicamento de uso corrente e o resultado se mostra diferente do usual. Ou, ainda, quando ele emprega procedimento habitual e o paciente apresenta reação imprevista (alergia, hipersensibilidade, choque anafilático, etc...).

É bem verdade de que sem a existência de um dano real, efetivo e concreto, não há que se falar em responsabilidade. Esse elemento objetivamente fácil de estabelecer, é condição indispensável. A determinação concreta do dano, além de indispensável em relação à responsabilidade, estabelece o grau da pena ou da indenização. O nexo causal é a relação entre a causa e o efeito, um elo entre o ato e o dano. Quando o ato é praticado licitamente, com moderação e atenção devida, o resultado danoso pode ser considerado um acidente. Destes dois últimos elementos, estes são de natureza essencialmente pericial.

Sendo assim, diante do exposto, entre os elementos essenciais à caracterização da responsabilidade civil por dano moral, hão de incluir-se, necessariamente, a ilicitude da conduta do agente e a gravidade da lesão suportada pelo paciente, ora consumidor.

Ou seja, se não houve ilicitude na conduta do profissional liberal, ora prestador de serviços, não há a possibilidade de reparação por danos morais.

No que tange a alegação de dano material, importa lembrar que uma vez os custos e danos suportados pelo paciente, ora consumidor na relação contratual, devidamente estabelecidos em termo de consentimento informado – TCI, ou seja previamente acordados, não há que se falar em responsabilidade civil médica pelo dano sofrido por este, apenas vislumbrando de que o profissional liberal assim o fez de tudo para salvaguardar a vida do paciente.

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Sobre a autora
Geovana Araújo

Advogada militante na cidade do Recife/PE, atuando com ética, confiança e excelência na assessoria jurídica, buscando pela solução dos litígios que envolvam os indivíduos em sociedade, na tarefa de fazer os seus direitos serem respeitados. - Formada pela Universidade dos Guararapes (UniFG) - Pós Graduanda em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET; - Membro da Comissão de Direito Tributário Jaboatão - OAB/PE; - Descomplico o Direito Tributário e Empreendo Soluções Preventivas por meio do Instagram: @geovanaaraujo.adv

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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