Capa da publicação Um caso que poderá desaguar numa reclamação constitucional

Um caso que poderá desaguar numa reclamação constitucional

21/01/2020 às 14:19
Leia nesta página:

O MPF concluiu que o hacker Walter Delgatti Neto foi o "responsável direto e imediato" pelas invasões do Telegram. Ainda assim, o Procurador apresentou a denúncia contra o jornalista Glenn Greenwald na Operação Spoofing.

Noticiou o site do jornal O Globo, em 21 de janeiro do corrente ano, que  Ministério Público Federal apresentou denúncia nesta terça-feira contra sete pessoas, incluindo o jornalista Glenn Greenwald, pela invasão do Telegram de autoridades públicas. O caso é investigado na Operação Spoofing. Para o procurador Wellington Divino Marques de Oliveira, da Procuradoria da República no Distrito Federal, Glenn Greenwald foi "partícipe" nos crimes de invasão de dispositivos informáticos e monitoramento ilegal de comunicações de dados, além de ter cometido o crime de associação criminosa.

Também foram denunciados o hacker Walter Delgatti Neto, que admitiu ter invadido as contas e repassado as conversas para o jornalista, e outras pessoas ligadas a Delgatti: Thiago Eliezer Santos, Gustavo Henrique Elias Santos, Suelen Priscila de Oliveira, Danilo Cristiano Marques e Luiz Henrique Molição.

Glenn não havia sido ainda investigado ou denunciado no caso. Em agosto, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, havia concedido uma liminar, a pedido do partido Rede, proibindo que qualquer autoridade pública praticasse "atos que visem à responsabilização do jornalista Glenn Greenwald pela recepção, obtenção ou transmissão de informações publicadas em veículos de mídia". O ministro afirmou que sua decisão tinha o objetivo de garantir a "proteção do sigilo constitucional da fonte jornalística".

Ainda assim, o procurador apresentou a denúncia contra o jornalista. O MPF concluiu que o hacker Walter Delgatti Neto foi o "responsável direto e imediato" pelas invasões do Telegram de 176 pessoas, utilizando uma brecha no sistema. Além disso, a Procuradoria concluiu que Delgatti, após as invasões, monitorou as conversas de 126 pessoas em tempo real.

Dentre os alvos das invasões estavam o ministro da Justiça, Sergio Moro, e o coordenador da força-tarefa da Lava-Jato de Curitiba, Deltan Dallagnol. Segundo as investigações, as conversas copiadas do Telegram de Deltan foram repassadas ao site "The Intercept Brasil" e subsidiaram reportagens com base nos diálogos.

Será caso de ajuizamento de reclamação constitucional caso a denúncia venha a ser recebida.

A reclamação não é um mero incidente processual. Não é recurso não só porque a ela são indiferentes os pressupostos recursais da sucumbência e da reversibilidade, ou  os prazos, mas, sobretudo, como advertiu José da Silva Pacheco(obra citada, pág. 444), porque não precisa que haja sentença ou decisões nem que se pugne pela reforma ou modificação daquelas, ´bastando que haja interesse em que se corrija um eventual desvio de competência ou se elida qualquer estorvo à plena eficácia dos julgados do STF ou do STJ’.

Em duas situações se pode falar em reclamação: nas hipóteses de preservação de competência e ainda na garantia da autoridade das decisões. Na primeira, se ocorrer um ato que se ponha contra a competência do STF, quer para conhecer e julgar, originalmente, as causas mencionadas no item I, do artigo 102 da Constituição Federal, quer para o recurso ordinário no habeas corpus, o mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão, quer para o recurso extraordinário quando a decisão em única ou última instância, contrariar dispositivo constitucional, declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, ou julgar válida lei ou ato de governo local contestado perante a Constituição Federal, é cabível a reclamação. A  segunda hipótese para ajuizamento de reclamação abrange a garantia da autoridade das decisões. 

Na correta lição de José da Silva Pacheco (O mandado de segurança e outras ações constitucionais típicas, ,2ª edição, pág. 435) há de se preservar a autoridade da decisão, quer seja proferida em instância originária, quer em recurso ordinário ou em recurso extraordinário pelo STF; ou em instância originária, em recurso ordinário ou em recurso especial, pelo STJ.

Não obstante os pressupostos assinalados por Amaral Santos (RTJ 56/539),  reconhecidos por Alfredo Buzaid (RT 572/399),  de que para haver reclamação são necessários: “a) a existência de uma relação processual em curso; b) e um ato que se ponha contra a competência do STF ou contrarie decisão deste proferida nessa relação processual ou em relação processual que daquela seja dependente”, o certo é que não há falar em reclamação sem a iniciativa ou provocação de um interessado ou da procuradoria-geral da República. 

Ora, para que esses entes possam fazê-lo, é mister que propugnem pela elisão de qualquer usurpação atentatória da competência de um desses dois tribunais ou pelo reconhecimento da autoridade de decisão já proferida por um deles.

Correta a ilação de que no que concerne ao asseguramento da integridade de decisão do tribunal supremo, não importa perguntar da sua natureza. Tal compreende tanto a decisão da matéria civil como a criminal. Assim  será o caso de reclamação contra decisão exorbitante da instância ordinária, ao rever julgamento do STF, como já entendeu-se na Recl. 200 – SP, em 20 de agosto de 1986, em que foi Relator o Ministro Rafael Mayer.

Observe-se, com o devido respeito, que um dos objetivos que podem ser firmados com a denúncia é considerar viciada a prova que, porventura, seja usada para a obtenção de anulação dos atos praticados pelo então juiz Sérgio Moro no âmbito da Lava-jato.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

O procurador da República Wellington Divino Marques de Oliveira, que denunciou o jornalista Glenn Greenwald e outras seis pessoas sob acusação de hackear telefones de autoridades ligadas às investigações da Lava Jato, é o mesmo que denunciou o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, por calúnia contra o Ministro da Justiça, Sergio Moro.

Ademais, poderá ser arguida eventual inépcia da peça inicial, uma vez que ela não se arrima em qualquer investigação antes feita sobre a conduta de Glenn. Parece basear-se em ilações.

Aguardemos o desenrolar dos fatos. 

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos