A desapropriação indireta e seu viés ilícito perante a Administração Pública

22/11/2019 às 16:05
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O artigo em questão trata da relação da supremacia do interesse público perante o privado com os atos administrativos interventivos. Dentre os atos administrativos interventivos vamos abordar a desapropriação, intervenção agressiva na propriedade.







RESUMO. O artigo em questão trata da relação da supremacia do interesse público perante o privado com os atos administrativos interventivos. Dentre os atos administrativos interventivos vamos abordar a desapropriação, intervenção agressiva na propriedade, devendo ser baseada e engajada no devido processo legal. Porém, a Administração Pública tem o poder de desapropriar algum bem sem a necessidade do devido processo legal, meramente utilizando um poder arbitrário, configurando assim a desapropriação indireta.

PALAVRAS CHAVE: DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA; ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA; ILÍCITUDE; INDENIZAÇÃO; ABUSIVO.

ABSTRACT. The article in question deals with the relation of the supremacy of the public interest to the private with the intervening administrative acts. Among the intervening administrative acts we will deal with the expropriation, aggressive intervention in the property, and should be based and engaged in due process of law. However, the Public Administration has the power to expropriate some good without the necessity of due process, merely using an arbitrary power, thus configuring indirect expropriation.

KEYWORDS: INDIRECT DISAPROPRIATION; PUBLIC ADMINISTRATION;  ILLICIT ACT;  INDEMNITY;  ABUSIVE.
 


INTRODUÇÃO

Com este artigo pretendemos analisar uma das formas de intervenção do Poder Público na propriedade privada, em especial trataremos a respeito sobre a desapropriação, com ênfase na desapropriação indireta e suas consequências.

Sendo um ato originário de aquisição de propriedade, a desapropriação é uma intervenção do estado na propriedade privada com base na legalidade, estando pautada na necessidade pública, utilidade pública ou no interesse social, dependendo de fundamentação anterior do Poder Público e, também, com direito a justa e prévia indenização em dinheiro, dividido pelas fases declaratória e executória.

Porém, muitas vezes não há a observância de tais preceitos legais e, assim, o Poder Público realiza a desapropriação sem a necessidade de justificar o feito, sendo chamado de desapropriação indireta.

Assim, podemos entender que a desapropriação indireta é caracterizada como um ato de subtração possessória por não encontrar nenhum fundamento legal, obrigando o proprietário a ter que entrar com ação judicial para pleitear o devido ressarcimento do valor correspondente ao imóvel por ser evidente a ofensa ao direito de propriedade do particular, protegido pelo Artigo 5°, inciso XXll

Portanto, iremos discutir possíveis soluções para tal problema e exemplificar o procedimento da desapropriação, pois essa prática tem diversos efeitos perante o Poder Público, a maior parte deles negativos, desrespeitando princípios básicos como da propriedade, da segurança jurídica e da moralidade administrativa, todos de extrema importância, acaba gerando um sentimento de impotência acerca do particular, podendo ser caracterizado até como desvio de poder.

  1. DESAPROPRIAÇÃO

Esse ato se caracteriza como forma originária de aquisição da propriedade, havendo transferência da propriedade ao Poder Público através de uma indenização acerca do preço estimado do bem e, assim, não o vincula ao anterior proprietário. É, portanto uma intervenção do estado na propriedade privada com base na legalidade, podendo ser supressiva ou restritiva, nesse sentido Hely Lopes Meirelles apresenta:


“Entende-se por intervenção na propriedade privada todo ato do Poder Público que compulsoriamente retira ou restringe direitos dominiais privados ou sujeita o uso de bens particulares a uma destinação de interesse público. A intervenção na propriedade particular pode ter fundamento na necessidade ou na utilidade pública, ou no interesse social, mas esse fundamento há de vir expresso em lei federal para autorizar o ato interventivo, que tanto pode ser praticado pela União como pelos Estados-membros e Municípios, nos limites de sua competência territorial e institucional.”.

José dos Santos também apresenta:

“Como regra, a desapropriação pode ter por objeto qualquer bem móvel ou imóvel dotado de valoração patrimonial. É com esse teor que se pauta o art. 2º do Decreto-lei nº 3.365/1941, no qual se encontra consignado que “todos os bens podem ser desapropriados” pelas entidades da federação. Deve-se, por conseguinte, incluir nessa expressão os bens móveis ou imóveis, corpóreos ou incorpóreos. Em razão dessa amplitude, são também desapropriáveis ações, cotas ou direitos relativos ao capital de pessoas jurídicas”

A competência da desapropriação está reconhecida constitucionalmente no art 5°, XXIV, da Constituição Federal de 1988, de acordo com seu caput: “A lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.”, também encontrando respaldo no supraprincípio da supremacia do interesse público sobre o privado e na necessidade de que todo imóvel atenda a função social da propriedade.

É privativa da União a competência para criar leis acerca da desapropriação, enquanto para desapropriar, ou seja, expedir o decreto expropriatório ou a lei expropriatória, demonstrando a utilidade pública, a necessidade pública ou o interesse social é somente das entidades federativas e, em casos de vinculação ao setor elétrico, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). Com exceção desta, nenhuma Autarquia, agência reguladora, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista, permissionária e concessionária não desapropria.

Também importante frisar que a desapropriação pode beneficiar pessoas privadas, as quais realizem atividades de interesse público, contudo não existe nenhuma hipótese acerca de quem atua exclusivamente na defesa dos interesses privados.

  1.  MOTIVOS DA DESAPROPRIAÇÃO

Já foi citado anteriormente que a desapropriação será pautada na necessidade pública, utilidade pública ou no interesse social, dependendo de fundamentação anterior do Poder Público e, também, com direito a justa e prévia indenização em dinheiro.

Tal indenização é feita por motivos compensatórios pela perda da propriedade e, em regra, deverá ser paga em dinheiro, porém, também são utilizados títulos da dívida pública para o caso de desapropriação urbanística ou em relação à reforma agrária.

A utilidade pública é a desapropriação para realizar ações que terão reflexo de utilidade e adequação ao coletivo, não existindo assim caráter de urgência sobre o pedido, demonstrando ser algo de sumo importância e conveniência para o interesse público.

Já a necessidade pública possui caráter de urgência, ou seja, o Poder Público depende daquela única desapropriação para realização de algo que se não for feito poderá gerar irreparáveis danos ao interesse coletivo.

O interesse social é voltado totalmente para as finalidades sociais, almejando dar melhor aproveitamento, utilização ou produtividade da propriedade em benefício de um coletivo.

Nesse sentido, Carvalho Filho diz que:

“Apesar de serem dois os pressupostos expropriatórios, cabe desde logo registrar um aspecto que nos parece importante. As expressões utilidade pública e interesse social espelham conceitos jurídicos indeterminados, porque despojados de precisão que permita identificá-los a priori. Em virtude desse fato, as hipóteses de utilidade pública e as de interesse social serão ex vi legis, vale dizer, serão aquelas que as leis respectivas considerarem como ostentando um ou outro dos pressupostos constitucionais.”

  1.  TIPOS DE DESAPROPRIAÇÃO

No mesmo sentido, encontramos a desapropriação para fins de reforma agrária, que é um tipo de desapropriação-sanção onde visa punir aqueles que não cumprem com a função social de sua propriedade, sendo de competência exclusiva da União Federal, a indenização aqui também deve ser feita de forma prévia e justa, mas não é paga em dinheiro, e sim em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos a partir do segundo ano de sua emissão, se completando através de duas leis de acordo com Carvalho Filho:


“Lei nº 8.629, de 25.2.1993 (com alterações introduzidas pela Lei nº 10.279, de 12.9.2001, e pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 24.8.2001), que dispõe sobre vários aspectos desse tipo de desapropriação, como o sentido da propriedade produtiva, a distinção entre o solo e as benfeitorias para fins indenizatórios, a distribuição dos imóveis rurais e outros da mesma natureza; E, Lei Complementar nº 76, de 6.7.1993 (alterada pela Lei Complementar nº 88, de 23.12.1996), que, regulamentando o art. 184, § 3º, da CF, dispõe sobre o procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo de desapropriação de imóvel rural por interesse social para fins de reforma agrária.”

Porém as benfeitorias úteis e necessárias que o expropriado realizar será indenizado em dinheiro. Também encontramos a desapropriação para fins de reforma urbana, regida pelo princípio da distribuição equitativa e ônus da atividade urbanística sendo de competência exclusiva dos municípios, tendo também função sancionatória.

Também no âmbito da desapropriação-sanção encontramos a desapropriação de terras pelo cultivo de plantas psicotrópicas ou se relacionadas a trabalho escravo, onde o Poder Público expropria para si terras onde são usadas para plantação de drogas e afins, levando em conta a função social da propriedade, não ensejando direito a nenhum tipo de indenização; e assim, quando consumada a desapropriação, a propriedade é destinada à reforma agrária ou a programas de habitação popular, o processo adotado para essa espécie de desapropriação está disciplinado pela Lei nº 8.257, de 26.11.1991.

A desapropriação por vezes é realizada em face de bens imóveis, porém a força expropriante pode recair sobre qualquer tipo de bem ou direito, como por exemplo bens móveis, semoventes, posse, usufruto, domínio útil, subsolo, espaço aéreo, águas, ações de determinada empresa, bens públicos e cadáveres.

De tais hipóteses, existem algumas exceções gerais à força expropriante, que são dinheiro, direitos personalíssimos, pessoas, órgãos humanos e bens móveis livremente encontrados no mercado.

Existe a previsão também de desapropriação por zona, onde é um tipo de desapropriação que alcança uma área maior do que aquela previamente escolhida pelo Poder Público para realização.
O artigo 4° do Decreto-Lei n° 3.365 discorre sobre o assunto:

“Art. 4o A desapropriação poderá abranger a área contígua necessária ao desenvolvimento da obra a que se destina, e as zonas que se valorizarem extraordinariamente, em consequência da realização do serviço. Em qualquer caso, a declaração de utilidade pública deverá compreendê-las, mencionando-se quais as indispensáveis à continuação da obra e as que se destinam à revenda.
Parágrafo único. Quando a desapropriação destinar-se à urbanização ou à reurbanização realizada mediante concessão ou parceria público-privada, o edital de licitação poderá prever que a receita decorrente da revenda ou utilização imobiliária integre projeto associado por conta e risco do concessionário, garantido ao poder concedente no mínimo o ressarcimento dos desembolsos com indenizações, quando estas ficarem sob sua responsabilidade.”.

Ou seja, a área “a mais” desapropriada durante o processo acaba ocorrendo a fim de desenvolver a obra, para absorver a valorização extraordinária que receberá em decorrência da própria execução do projeto, facilitando a revenda dos terrenos adquiridos e permitindo a realização integral e satisfatória de tais obras.

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1.3 TREDESTINAÇÃO E RETROCESSÃO

Também podendo ocorrer na desapropriação o desvio de finalidade, de acordo com Hely Meirelles novamente:

“O desvio de finalidade ocorre, na desapropriação, quando o bem expropriado para um fim é empregado noutro sem utilidade pública ou interesse social. Daí o chamar-se, vulgarmente, a essa mudança de destinação, tredestinação (o correto seria tresdestinação, no sentido de desvio de destinação), para indicar o mau emprego pelo bem expropriado. Mas deve-se entender que a finalidade pública é sempre genérica e, por isso, o bem desapropriado para um fim público pode ser usado em outro fim público sem que ocorra desvio de finalidade. Exemplificando: um terreno desapropriado para escola pública poderá, legitimamente, ser utilizado para construção de um pronto-socorro público sem que isto importe desvio de finalidade, mas não poderá ser alienado a uma organização privada para nele edificar uma escola ou um hospital particular, porque a estes faltaria a finalidade pública justificadora do ato expropriatório.”.

Porém, se no caso da tredestinação não houver destinação legalmente válida, o ato da desapropriação ficara sujeito à anulação e a retrocessão por via de “ação direta”.

O Ente Público que realiza a desapropriação só é livre na valoração dos motivos pelo qual realiza o ato, mas sempre fica vinculada a veracidade desses motivos. Caso, ao invés de utilidade, necessidade pública ou interesse social, encontrar na desapropriação motivo de favoritismo ou de perseguição pessoal, interesse particular acima ao interesse coletivo, ou qualquer outro ato de imoralidade administrativa, o ato expropriatório é nulo e deverá ser invalidado pelo judiciário.

Observamos também o instituto da retrocessão, que é a obrigação que se impõe ao expropriante de oferecer o bem ao expropriado após a desapropriação, mediante a devolução do valor dado como indenização, quando não for ocorrido o destino declarado no processo. Se o Poder Público não cumprir com suas obrigações, o antigo proprietário recebe perdas e danos, uma vez que os bens incorporados no patrimônio público não são reivindicáveis.

1.4 DESISTÊNCIA DA DESAPROPRIAÇÃO

Existe a desistência da desapropriação, onde é possível apenas até a tradição, e para os bens imóveis até o trânsito em julgado da sentença ou a transcrição do título resultante do acordo, e tal desistência acontecem com a revogação do ato expropriatório e a devolução do bem para o proprietário, não podendo recursar à desistência, mas sim exigir o ressarcimento.
Em face disso não se confunde a servidão administrativa com a desapropriação, de acordo com Hely Meirelles:

“Também não se confunde a servidão administrativa com a desapropriação, porque esta retira a propriedade do particular, ao passo que aquela conserva a propriedade com o particular, mas lhe impõe o ônus de suportar um uso público. Na desapropriação despoja-se o proprietário do domínio e, por isso mesmo, indeniza-se a propriedade, enquanto que na servidão administrativa mantém-se a propriedade com o particular, mas onera-se essa propriedade com um uso público e, por esta razão, indeniza-se o prejuízo (não a propriedade) que este uso, pelo Poder Público, venha a causar ao titular do domínio privado. Se este uso público acarretar dano à propriedade serviente, indeniza-se este dano; se não acarretar, nada há que indenizar. Vê-se, portanto, que na desapropriação indeniza-se sempre; na servidão administrativa, nem sempre. A desapropriação impõe-se quando há necessidade de retirar a propriedade do particular para uma obra ou serviço público, ou para uma destinação de interesse social; a servidão justifica-se quando essas mesmas obras ou serviços públicos ou essa atividade de interesse social puderem ser feitos sem se retirar a propriedade do particular. Assim, p. ex., para instalar-se uma estação de tratamento de água em terreno particular há necessidade de desapropriação da área a ser ocupada com esse equipamento público, mas para a passagem de aqueduto subterrâneo pela mesma propriedade pode não haver necessidade de desapropriação, bastando a simples instituição da servidão administrativa, com a indenização dos danos que a construção do aqueduto causar, momentaneamente, à mesma propriedade. Idêntica situação pode ocorrer com a passagem de fios elétricos ou telefônicos e com outros serviços públicos que não inutilizam a propriedade particular, nem impedem sua normal fruição pelo titular do domínio, o que aconselha a servidão administrativa (menos onerosa para o Poder Público) em lugar da desapropriação.”.

  1.  FASES DA DESAPROPRIAÇÃO

Dentro de tudo que foi dito, a desapropriação desenvolve em suas fases, que são duas: a declaratória e a executória.

A fase declaratória se foca na apresentação dos motivos pelos quais deverá ser feita a desapropriação, é a etapa administrativa do processo, fazendo parte também a publicação do decreto de desapropriação de acordo com o decreto-lei n° 3365/41, possuindo a descrição detalhada do bem a ser expropriado e a finalidade da mesma, para que não surjam quaisquer dúvidas acerca do imóvel.

A manifestação acerca da utilidade pública é apresentada por meio de decreto expropriatório do presidente da república, governador, interventor ou até mesmo prefeito e, podendo também ser declarada por lei em certas exceções, porém o poder legislativo não pode executar a desapropriação, passando assim o trabalho a um terceiro. Tal manifestação, após ser publicada na Imprensa Oficial, gera consequências importantes para o procedimento da desapropriação, como Marcela Cristina de Castilho explica:

”a) submete o bem à força expropriatória do Estado, ou seja, as autoridades administrativas do Poder Público poderão penetrar nos prédios compreendidos na declaração, para que possam proceder aos estudos e levantamentos necessários à desapropriação. Por outro lado, o que se verifica é que se criou ao particular uma obrigação de submeter-se a todas as operações materiais e jurídicas necessárias à consecução da desapropriação porquanto é ato imperativo que contém o Poder Extroverso do Estado.

b) dá-se início à contagem do prazo de caducidade, que é de cinco anos, dentro do qual deve ser promovida a desapropriação. A importância desta consequência se dá pelo fato de que uma nova declaração de utilidade pública sobre o mesmo bem só poderá ser publicada após 1 (um) ano.

c) Fixação do estado físico do bem, para fins indenizatórios. “Se o Poder Público realizar alguma benfeitoria deverá indenizar o proprietário do bem: se forem benfeitorias necessárias sempre serão pagas e se forem benfeitorias úteis poderão ser pagas desde que previamente autorizadas.”.

A partir disso, a declaração só indica a desapropriação e não a desapropria em si, ainda persistindo todos os direitos do proprietário sobre o bem.

A fase executória concentra-se na declaração dos motivos da desapropriação, judicial ou extrajudicial, para realizar a transferência do bem do particular para o Poder Público.

Já no âmbito extrajudicial é notável ocorrer a pratica de acordos, quando o expropriante e o expropriado concordam sobre o preço do bem a ser desapropriado compulsoriamente, não havendo necessidade do uso do poder judiciário, se concretizando a partir do momento que o proprietário recebe o valor da oferta e assina o acordo, transferindo o patrimônio do particular para o Poder Público.

Ao oposto, na fase judicial, quando o Poder Público oferece um valor que o proprietário não julga ser correto, é ingressado em juízo com a propositura da ação expropriatória.
Homologatória, quando é aceita a oferta, em juízo, oferecida pelo Poder Público sobre o valor da indenização, onde é lavrada escritura pública para registro do bem, dando ênfase aqui ao José Cretella Júnior:

“Se o expropriado concordar com a proposta do poder público para que desocupe o imóvel em troca do preço, inexiste a figura jurídica da desapropriação. Houve mera compra e venda civil. Formaliza-se em documento escrito o que foi pactuado, o poder público interessado paga o preço e efetiva-se a transição do domínio, pela convergência dos elementos: pagamento, tradição e escrita.”.

Contenciosa, quando há discordância entre Poder Público e proprietário acerca do valor do bem a ser desapropriado. Assim o ente expropriante entra com ação de desapropriação e o Juiz fixa através de perícia o real valor venal do bem, novamente José Cretella Júnior afirma que é o magistrado togado vitalício que vai estabelecer, de acordo com os dispositivos do Código de Processo Civil, o rito do processo, dando “a cada um o que é seu”.

E assim, após todos os acordos e, fundamentada a urgência da medida, o Poder Público poderá requerer a imissão provisória na posse, no foro regulado de acordo com o caso concentro, como afirma novamente Marcela Cristina Castilho:


“O foro para propor a ação de expropriação será regulado de acordo com o ente que requerer a desapropriação, então: a) se for a União Federal, a ação deverá ser proposta em Brasília ou no fórum da capital do Estado do domicílio do réu, b) se for o Estado, o Município ou o Distrito Federal prevalece o critério da situação da coisa, fórum rei sitae, bem como se for concessionária de serviço público federal.”.


1.6 DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA

Após apontarmos todos os assuntos da desapropriação, podemos dar inicio à desapropriação indireta, a qual possui as mesmas características da outra, porém, com o detalhe de que nessa não há observância dos devidos requisitos legais da declaração e da indenização prévia.
Tal tipo de desapropriação encontra respaldo no Artigo 35 do Decreto-Lei n° 3365/41 “Art. 35. Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos.”.
                 Assim, leciona José dos Santos Carvalho Filho:


“Desapropriação indireta é o fato administrativo pelo qual o Estado se apropria de bem particular, sem observância dos requisitos da declaração e da indenização prévia. Observe-se que, a despeito de qualificada como indireta, essa forma expropriatória é mais direta do que a que decorre da desapropriação regular. Nela, na verdade, o Estado age realmente manu militari e, portanto, muito mais diretamente.” .

Hely Lopes Meirelles também discorre sobre o tema:

“A desapropriação indireta não passa de esbulho da propriedade particular e, como tal, não encontra apoio em lei. Consumado o apossamento dos bens e integrados no domínio público, tornam-se, dai por diante, insuscetíveis de reintegração ou reivindicação, restando ao particular espoliado haver a indenização correspondente, da maneira mais completa possível, inclusive correção monetária, juros moratórios, compensatórios a contar do esbulho e honorários de advogado, por se tratar de ato caracteristicamente ilícito da Administração.”.

Logo, podemos perceber que claramente há uma não observância ás formalidades necessárias e desrespeito ao devido processo legal no caso da desapropriação indireta, uma vez que não existe nesse caso nenhuma declaração de necessidade ou utilidade pública ou do interesse social do respectivo bem.

Hely Lopes novamente explica que toda desapropriação deve ser precedida de declaração expropriatória regular, na qual se indique o bem a ser desapropriado e se especifique sua destinação pública ou de interesse social. Não há, nem pode haver desapropriação de fato, ou indireta.

Sendo assim, podemos caracterizar tal ato como um esbulho possessório por não encontrar nenhum fundamento legal, obrigando o proprietário a ter que entrar com ação judicial para pleitear o devido ressarcimento do valor correspondente ao imóvel por ser evidente a ofensa ao direito de propriedade do particular, protegido pelo Artigo 5°, inciso XXll.

Nesse sentido, Di Pietro confirma:

“Desapropriação indireta (...) costuma ser equiparada ao esbulho e, por isso mesmo, pode ser obstada por meio de ação possessória. No entanto, se o proprietário não o impedir no momento oportuno, deixando que a Administração lhe dê uma destinação pública, não mais poderá reivindicar o imóvel, pois os bens expropriados, uma vez incorporados ao patrimônio público, não podem ser objeto de reivindicação.”.

Conforme o dito acima, a desapropriação indireta vai ser consumada somente quando o bem se incorpora definitivamente ao patrimônio público, ocasionando a transferência efetiva da propriedade, portanto cabe ao prejudicado a proteção possessória no momento que antecede a desapropriação, seja através da manutenção de posse, da ação de reintegração de posse ou do interdito proibitório.

Após o Poder Público incorporar o bem ao patrimônio, só resta a opção de  entrar com ação de indenização pelos prejuízos que lhe ocasionou a perda da propriedade. Essa decisão judicial em nada afeta o direito de propriedade que tem o Poder Público sobre o bem alvo da desapropriação, pois já se tornou intangível.

Em relação ao procedimento judicial, o valor da indenização dada pelo autor pode ser considerado um valor meramente estimativo, não incidindo nesse caso o princípio da vedação de julgamento ultra petita, no qual fica proibido o Juiz proferir sentença acima do pedido postulado. Porém nesses casos é utilizada da perícia e, em razão da especificidade da ação, para reparar o prejuízo que levou a perda do bem imóvel, é condenado ao estado indenização superior ao pedido na petição inicial, sendo garantidos os juros moratórios, os compensatórios, a correção monetária a partir da data da desapropriação e os honorários advocatícios. Hely Lopes Meirelles confirma:

“Consumado o apossamento dos bens e integrados no domínio público, tornam-se daí por diante, insuscetíveis de reintegração ou reivindicação (...), restando ao particular espoliado haver a indenização correspondente, da maneira mais completa possível, inclusive correção monetária, juros moratórios, compensatórios a contar do esbulho e honorários do advogado, por se tratar de ato caracteristicamente ilícito da Administração.”.

Tal ato tem sido empregado pela Administração Pública cada vez mais a cada ano que passa, se tornando uma situação fática generalizada, o que não deveria ser feito por ser consideravelmente abusivo e ilícito, principalmente ao violar o direito à propriedade garantido na Constituição Federal. Assim, explica Marçal Filho:

“Lamentavelmente, reputa-se que o apossamento fático pelo Estado de um bem acarreta sua integração no domínio público, tese fundada do art. 35 do Decreto-Lei n. 3.365/41 e em outras disposições pretéritas. Essa concepção deve ser repudiada em vista da Constituição: se a desapropriação depende da prévia e justa indenização em dinheiro, a ser fixada judicialmente, não há fundamento jurídico mínimo para afirmar a aquisição do domínio do Estado mediante um ato de força, incompatível com a ordem jurídica. É evidente que, em face da Constituição, cabe a reivindicação de bens indevidamente apossados pelo Estado.”.

Além disso, ao desapropriar um bem, tem o Poder Público o dever de indenizar o proprietário de tal imóvel, muitas vezes com indenizações exorbitantes, e no caso da desapropriação indireta tal indenização ocorre da mesma forma;

Porém sem nenhuma justificativa plausível em declaração, simplesmente por sua vontade o Estado é condenado a pagar um valor por vezes maior do que o imóvel devido aos juros compensatórios gerados para disfarçar o ato ilícito, gerando um dano direto aos cofres públicos.

Contudo, o gestor que desencadeia o ato da desapropriação indireta não se importa de ter tal prejuízo porque tal indenização será dada através de precatórios que demoram anos para serem pagos, gerando uma obrigação somente aos mandatos seguintes.

Essa prática tem diversos efeitos perante o Poder Público, a maior parte deles negativos, desrespeitando princípios básicos como da propriedade, da segurança jurídica e da moralidade administrativa, todos de extrema importância, acaba gerando um sentimento de impotência acerca do particular, podendo ser caracterizado até como desvio de poder.

Sendo assim, poderia ser evitada com medidas simples de planejamento e gestão por parte do responsável da administração pública, ou também a punição civil, administrativa e penal sobre o agente público que efetua tal esbulho, pois de acordo com Fernanda Marinela, o princípio da moralidade exige que a administração e seus agentes atuem em conformidade com princípios éticos aceitáveis socialmente. Esse princípio se relaciona com a ideia de honestidade, exigindo a estrita observância de padrões éticos, de boa-fé, de lealdade, de regras que assegurem a boa administração e a disciplina interna na Administração Pública.

CONCLUSÃO

Acerca de todos os argumentos supracitados, podemos concluir que a Administração Pública deve buscar o instituto da desapropriação de forma correta, com o respeito ao devido processo legal, analisando sempre os requisitos de utilidade, necessidade pública ou interesse social, pois sem essas devidas declarações fica tipificado um ato ilícito.

É necessário que o Poder Público tenha mais respeito ao particular, dando ênfase aos padrões éticos que a mesma já possui, para que não ocorra mais a pratica da desapropriação indireta. Precisariam ser feitas medidas para melhorar a gestão pública ou medidas fiscais para responsabilizar quem permitiu que tal esbulho fosse possível, gerando um direto dano ao erário por conta que o orçamento público é afetado pelas indenizações com enormes juros decorridos da própria desapropriação indireta.

Por isso devemos encontrar um equilíbrio entre a supremacia do interesse público e o respeito ao devido processo legal e o patrimônio particular.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 2. Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2006.

MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 4. Ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2010.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 37. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 28. Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2015.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25. Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2012.

CASTILHO, Marcela Cristina. Desapropriação. Jusbrasil, 20 out. 2014. Disponível em: https://mcristina.jusbrasil.com.br/artigos/146506504/desapropriacao.

Acesso em: 22/05/2018

MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 3. Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2013

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