Artigo Destaque dos editores

Reflexos da inseminação artificial homóloga post mortem no direito sucessório

Exibindo página 2 de 3
16/06/2019 às 10:40
Leia nesta página:

3 Legitimidade sucessória do filho concebido após a morte do pai

A filiação não pode, à luz do desenvolvimento tecnológico da atualidade, ser entendida apenas como um simples vínculo biológico que se estabelece entre pais e filhos. A relação que existe entre prole e genitores abre espaço não só para a concepção biológica, mas para a inseminação artificial e a adoção.

Sob o espectro do princípio da igualdade dos filhos, previsto na Constituição Federal, o parentesco advém da consanguinidade e de outras formas, desde que haja uma relação entre pais e filhos. O Código Civil de 2002, em seu artigo 1.593, preceitua que o parentesco pode ocorrer de forma natural ou civil tendo consanguinidade ou outra origem. Inclui-se nas diferentes formas citadas pelo artigo 1.593 a reprodução assistida heteróloga e o parentesco socioafetivo.

3.1 Inseminação artificial homóloga post mortem e a legitimidade do embrião implantado

De acordo com Maluf (2016), na contemporaneidade, a legitimação da filiação ganha novos aspectos pois as relações amorosas se formam por pessoas de mesmo sexo, inconcebíveis há poucos anos, e por intersexuais, que tradicionalmente se configuram na sociedade. Além disso, filhos não oriundos da relação matrimonial tradicional não eram vistos com bons olhos e eram considerados ilegítimos. Mas isso já é passado e a Constituição Federal de 1988 não permite a distinção entre filhos.

Pode-se dizer, segundo Carvalho (2015), que a filiação, dita como civil, vem ganhando recorrente destaque por que a paternidade e a maternidade se mostraram insuficientes em termos de filiação. Além da descendência biológica, existem diversas outras questões que envolvem uma relação entre pais e filhos. O afeto, a segurança, o convívio e o amor são essenciais para que se construa uma relação de afetividade. Diante de uma relação socioafetiva ocorre a prevalência do melhor interesse para o filho. O autor considera assim que há uma desbiologização da paternidade e chega a afirmar que a paternidade socioafetiva superou a biológica. Cada vez mais o aspecto puramente biológico, que evidencia a descendência genética, vem perdendo força e cedendo para a descendência socioafetiva.

O artigo 227, §6º da Constituição Federal brasileira normatiza a proibição de distinção entre os filhos, independente da forma que este filho é gerado. Essa interpretação equipara não só os filhos concebidos fora do casamento como também os concebidos de forma artificial e não convencional.

Acontece que além de não ser possível a distinção dos filhos concebidos de forma não convencional, esses filhos, desde a sua concepção, possuem direitos personalíssimos e devem ser considerados em sua humanidade. (MALUF, 2016).

A preservação dos homens se faz garantindo todos os direitos possíveis aquele ainda não nascido. O direito á vida, saúde, segurança e sucessórios permitem que essa humanidade seja efetivada.

O material que fecunda uma mulher pode ser de forma homóloga ou heteróloga. Quando se utiliza de gametas de um casal, a inseminação artificial é denominada homóloga. Por sorte, quando os gametas são doados por um terceiro denomina-se de inseminação heteróloga. (BARBOZA, 2014).

Seguindo o mesmo raciocínio, de acordo com Gagliano e Pamplona Filho (2017, p. 1.291): em seus ensinamentos:

Entenda-se por concepção artificial homóloga aquela realizada com material genético de ambos os cônjuges e, por inseminação artificial heteróloga, aquela realizada com material genético de terceiro, ou seja, alguém alheio à relação conjugal.

A inseminação artificial homóloga é objeto de estudo deste trabalho científico quando da análise do direito sucessório do filho concebido através desse método. O conceito de inseminação artificial homóloga evidencia a necessidade de contribuição do material genético do casal para que tal procedimento se realize.

A resolução nº 2.121/2015 do Conselho Federal de Medicina trata da reprodução assistida post-mortem:

VIII - REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST-MORTEM É permitida a reprodução assistida post-mortem desde que haja autorização prévia específica do (a) falecido (a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente.

No ponto de vista do viés médico, as técnicas de reprodução assistida após a morte do doador são autorizadas restando a necessidade de consentimento do de cujus para que o procedimento seja concretizado.

É de conhecimento que o Código Civil brasileiro pontuou em seu artigo 1.597, quanto trata de filiação a respeito da inseminação artificial homóloga:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. (BRASIL, 2002).

Tal dispositivo, sem tecer maiores esclarecimentos, tipifica situações em que a paternidade é presumida. Inicialmente a análise que deve ser feita, em relação ao tema, é a respeito da concepção. A lei não faz uma distinção sobre a forma que a fecundação deve ocorrer, seja de forma natural ou artificial. Segundo a primeira situação os filhos nascidos cento e oitenta dias depois do estabelecimento da sociedade conjugal presumem-se filhos do casal. Na segunda situação considera-se o espaço temporal de trezentos dias, após o fim da sociedade conjugal, separação judicial, morte, nulidade ou anulação do casamento para a presunção.

Barboza (2014) afirma que o inciso III do artigo 1.597 do Código Civil deixa margem a discussões a respeito da não concordância do marido falecido em relação à concepção e eventual oposição familiar sobre a utilização do material genético do de cujus.

Com isso questões sucessórias são levantadas considerando que o artigo 1.798 do mesmo código considera que a vocação hereditária legitima as pessoas nascidas ou já concebidas na abertura da sucessão. Barboza (2014) esclarece o problema abre margem a discussão sobre o princípio da dignidade humana e direito ao planejamento familiar. Estes princípios se configuram a partir do momento que o homem cede seu sêmen, essa ação faz com que haja uma presunção de que o mesmo tem ideia de constituir família.

Para Tartuce (2017, p. 52), o Código Civil atual inova, em relação ao Código de 1.916, por trazer a figura do nascituro no art. 1798 e por interpretar os direitos sucessórios do mesmo desde a sua concepção sem restrição de direitos. Sobre as técnicas de reprodução assistida o autor preceitua que:

Outro aspecto tormentoso tem relação à extensão da regra sucessória prevista para o nascituro aos embriões havidos das técnicas de reprodução assistida. Respondendo positivamente, o Enunciado n. 267 do CJF/STJ, da III Jornada de Direito Civil, de autoria de Guilherme Calmon Nogueira da Gama com o seguinte teor: “A regra do art. 1.798 do Código Civil deve ser estendida aos embriões formados mediante o uso de técnicas de reprodução assistida, abrangendo, assim, a vocação hereditária da pessoa humana a nascer cujos efeitos patrimoniais se submetem às regras previstas para a petição da herança”.

Para Gonçalves (2014) a doutrina brasileira se debruça sobre a legitimidade sucessória dos filhos concebidos por métodos de reprodução assistida por que, em princípio, o código civil, em seu artigo 1.798 cita que as pessoas devem ter nascido ou terem sido concebidos no momento da abertura da sucessão. O autor cita que a doutrina, em sua maioria, tende a negar os direitos dos filhos havidos por métodos de reprodução assistida na hipótese de morte do doador de material genético e na hipótese de implantação dos embriões após a abertura da sucessão.

Considerando que os não concebidos por reprodução assistida não possuem direitos, Delgado (2009, p. 641, apud MIRANDA, 2016, p. 194) considera que por serem biologicamente diferentes, embriões e nascituros não devem ter o mesmo tratamento legal. A lei não menciona embriões em seu texto e segundo a autora os direitos sucessórios não devem ser estendidos a eles, como segue:

Em suma, o artigo 1798 refere-se ao nascituro, e embrião pré-implantatório nascituro não é. Sendo assim, filhos havidos por quaisquer das técnicas de reprodução assistida, desde que a implantação do embrião no ventre materno ou a fecundação do óvulo tenha se dado após a morte do autor da herança, não obstante, o estado de filiação legalmente assegurado (art. 1.597), direito sucessório algum terão.

Já para Chinellato (2009 apud MIRANDA, 2016, p.195) o embrião não implantado pode ser equiparado ao nascituro. Para a autora tanto os embriões excedentários citados no dispositivo 1.597, inciso IV do Código Civil, quanto os embriões criopreservados possuem direito sucessório.

O Enunciado 103 da I Jornada de Direito Civil concretiza a igualdade de filiação entre os filhos concebidos biologicamente, os adotados e os concebidos através de técnicas reprodutivas:

O Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse do estado de filho. (I Jornada de Direito Civil – Enunciado 103)

Na mesma linha de pensamento, o Enunciado 256 da III Jornada de Direito Civil estabelece o conceito de posse de estado de filho: “A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil.” (III Jornada de Direito Civil – Enunciado 256). Este conceito “posse do estado de filho” segundo Carvalho (2015) reconhece a filiação independente de origem biológica e relaciona-se com o tratamento recíproco paterno-filial.

Como observado, foi necessária uma interpretação jurisprudencial para atender às necessidades impostas por técnicas de reprodução assistida. Segundo o entendimento do Enunciado 103, ao embrião são estendidos os mesmos direitos do nascido vivo, observadas as regras previstas no código, relacionadas à petição de herança. O autor reconhece a personalidade jurídica plena do embrião ponderando somente em relação ao momento da fecundação.

Com já discutido, para suceder é necessário haver legitimidade. No caso do concepturo, para ele adquirir legitimidade para suceder, deve haver o nascimento com vida. Havendo o nascimento com vida torna retroativo o efeito da abertura da sucessão. (FARIA, 2017).

Considerando que não houve concepção e apenas o armazenamento do material genético do homem falecido, configura situação distinta. Não se trata de um embrião por isso não há que se falar em direito sucessório de acordo com Farias e Roselvald (2017). Os autores citam ainda, que nada impede a transmissão de um legado a esse ser ainda não concebido e não fecundado. Sendo observado o que preceitua o artigo 1.800 em seu § 4º há caducidade do direito. Em outro caso se o de cujus não deixou expressa sua vontade de que seu material genético fosse utilizado no caso de seu falecimento não há que se falar em direito sucessório retornando ao previsto no artigo 1.798 do Código Civil.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Observando os estudos de Colombo (2012 apud FARIAS e ROSENVALD, 2017, p. 134):

Em posição inédita, que desperta reflexões, Cristiano Colombo advoga o reconhecimento do direito de herança no caso de fertilização artificial in vivo post mortem, com material genético do falecido marido, se houve prévio uso do sêmen após óbito.

Este entendimento considera a vontade do de cujus e da mulher sobrevivente e pressupõe que diante desta vontade apesar de não existir concepção o material genético masculino viria a gerar uma vida em momento posterior. A concepção não estaria efetivada necessitando segundo o autor de uma presunção de que essa concepção teria ocorrido na constância do casamento.

Sobre o consentimento o 3º artigo da Resolução nº 2.121/2015 do Conselho Federal de Medicina cita que:

4 - O consentimento livre e esclarecido informado será obrigatório para todos os pacientes submetidos às técnicas de reprodução assistida. Os aspectos médicos envolvendo a totalidade das circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, bem como os resultados obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico e ético. O documento de consentimento livre e esclarecido informado será elaborado em formulário especial e estará completo com a concordância, por escrito, obtida a partir de discussão bilateral entre as pessoas envolvidas nas técnicas de reprodução assistida.

Percebe-se a preocupação com veracidade dos procedimentos a serem realizados. Os progenitores devem estar esclarecidos sobre a técnica a serem utilizadas, implicações jurídicas e preceitos éticos. Seguindo a mesma esteira de pensamento o Enunciado 106 da 1ª Jornada de Direito Civil dispõe que:

Para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatória, ainda, a autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte.

O consentimento não deve ser presumido, deve ser expresso e de forma escrita segundo preceitua a Jurisprudência do Tribunal do Distrito Federal:

DIREITO CIVIL. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. UTILIZAÇÃO DE MATERIAL GENÉTICO CRIOPRESERVADO POST MORTEM SEM AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DO DOADOR. AUSÊNCIA DE DISPOSIÇÃO LEGAL EXPRESSA SOBRE A MATÉRIA. IMPOSSIBILIDADE DE SE PRESUMIR O CONSENTIMENTO DO DE CUJUS PARA A UTILIZAÇÃO DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA POST MORTEM. RESOLUÇÃO 1.358/92, DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. 1. Diante da falta de disposição legal expressa sobre a utilização de material genético criopreservado post mortem, não se pode presumir o consentimento do de cujus para a inseminação artificial homóloga post mortem, já que o princípio da autonomia da vontade condiciona a utilização do sêmen criopreservado à manifestação expressa de vontade a esse fim. 2. "No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões criopreservados, em caso de divórcio, doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-lo" (a Resolução 1.358/92, do Conselho Federal de Medicina) 3. Recurso conhecido e desprovido. (TJ-DF- EIC:20080111493002, Relator: CARLOS RODIRGUES, Dta de Julgamento: 25/05/2015, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 18/06/2015. Pág.:82)

A utilização de sêmen armazenado para inseminação artificial post mortem está condicionada à manifestação expressa de vontade do doador como já citado. O mesmo Tribunal de Justiça em outra decisão entendeu que o fato de o de cujus ter guardado material genético, não significaria uma aceitação expressa para uma inseminação post mortem. Por falta de disposição legal expressa, presumir o consentimento do de cujus caracterizaria violação ao princípio da autonomia da vontade segundo os julgadores:

AÇÃO DE CONHECIMENTO - UTILIZAÇÃO DE MATERIAL GENÉTICO CRIOPRESERVADO POST MORTEM SEM AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DO DOADOR - AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO - PRELIMINAR DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO AFASTADA - MÉRITO - AUSÊNCIA DE DISPOSIÇÃO LEGAL EXPRESSA SOBRE A MATÉRIA - IMPOSSIBILIDADE DE SE PRESUMIR O CONSENTIMENTO DO DE CUJUS PARA A UTILIZAÇÃO DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA POST MORTEM.1. Não se conhece do agravo retido diante da ausência do cumprimento do disposto no art. 523, §1º, do CPC.

2. Afasta-se a preliminar de litisconsórcio necessário entre a companheira e os demais herdeiros do de cujus em ação de inseminação post mortem, porquanto ausente reserva a direito sucessório, vencido o Desembargador Revisor.3. Diante da falta de disposição legal expressa sobre a utilização de material genético criopreservado post mortem, não se pode presumir o consentimento do de cujus para a inseminação artificial homóloga post mortem, já que o princípio da autonomia da vontade condiciona a utilização do sêmen criopreservado à manifestação expressa de vontade a esse fim. (Acórdão n.º 820873, 20080111493002APC, Relatora: NÍDIA CORRÊA LIMA, Relator Designado: GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, Revisor: GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, 3ª Turma Cível, Data de Julgamento: 03/09/2014, Publicado no DJE: 23/09/2014. Pág.: 139)

 Com isso o consentimento do doador é de extrema importância para a garantia dos direitos sucessórias daquele ainda não nascido. O material genético deve ser utilizado com o devido respeito à vontade do doador e sua simples existência não é garantidor de consentimento para realização de uma futura inseminação.

3.2 Formas de garantias dos direitos sucessórios aos embriões

Considerando que há necessidade de discussão sobre o direito sucessório do ser humano concebido por inseminação homóloga post mortem o direito deve garantir formas para que esse direito seja preservado. O artigo 1.799 do Código Civil trata da prole eventual e dispõe que as pessoas indicadas pelo testador podem gerar filhos e estes serão entendidos como herdeiros, se nascerem com vida. O artigo 1.800 do mesmo Código prescreve à figura do curador a administração dos bens atribuídos ao não nascido. Contudo o §4º, do artigo 1.800 da norma civilista dispõe: “§ 4º Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos.” Com isso o Código Civil garante direito daquele ainda não concebido através da curadoria de seus direitos mas estabelece um lapso temporal para que esse nascimento ocorra.

O Código Civil estabelece o prazo temporal de dois anos para que o nascimento ocorra. Essa limitação, segundo Oliveira (2016), visa suprir o vácuo deixado pelo Código Civil de 1.916 que perpetuava a situação da prole eventual. O autor considera ainda, que caso os filhos fossem adotados também possuiriam direito sucessório se fossem adotados até dois anos após a abertura da sucessão, apesar de não conter nenhuma indicação nesse sentido no Código. O autor considera que o princípio da igualdade dos filhos, já citado, permite tal situação. Lôbo (2016) possui o mesmo entendimento em relação aos filhos adotados até dois anos após a abertura da sucessão, os mesmos possuem direitos sucessórios iguais aos demais herdeiros, não havendo impedimento legal para isso, segundo o autor.

Em seus estudos Gagliano e Pamplona Filho (2017) levantam o questionamento que segue:

O embrião, preservado em laboratório, concebido antes da morte do testador ou durante o prazo de dois anos a contar da abertura da sucessão (uma vez que o falecido poderia autorizar a utilização de material fecundante seu), não implantado no útero materno, poderia ser beneficiado pela deixa testamentária?

Os autores preceituam que, por existir uma indefinição legislativa a respeito do direito sucessório dos filhos ainda não concebidos, para manter uma segurança jurídica, o prazo de dois anos deve ser respeitado. Se a mãe decidir conceber o embrião preservado através da criogenia, após o prazo de dois anos, este ser não deixará de ser filho, contudo não terá direito a suceder o de cujus. Essa decisão, segundo os autores, se mostra acertada para não gerar uma indefinição no quadro testamentário.

Para Lôbo (2016), o Código Civil estabeleceu o prazo de dois anos, após a abertura da sucessão, para que houvesse a concepção. Se o prazo findar, os bens devem ser redistribuídos entre os herdeiros. O prazo de dois anos não compreende o período gestacional, somente a concepção deve ocorrer até dois após a abertura da sucessão.

Faria (2017) preceitua sem seus estudos que a limitação temporal de dois anos é motivo de “aplausos”, pois suprime uma espera indeterminada dos herdeiros legítimos por um nascimento. Caso o filho aguardado não seja concebido, os bens que se encontram a disposição do curador, devem ser devolvidos ao acervo testamentário.

Outro viés que deve ser analisado em relação aos direitos sucessórios do filho concebido por inseminação artificial homóloga post mortem é em relação ao prazo prescricional do direito à petição de herança. A ação de petição de herança é proposta pelo herdeiro para ter seu direito sucessório garantido ou a restituído a universalidade de bens ou a quota ideal da herança da qual não foi possível sua participação.

Considerando que o direito à petição de herança, segundo o dispositivo 205 do Código Civil prescreve com dez anos, para alguns autores, o início desses dez anos ocorre após a abertura da sucessão, para outros após o reconhecimento do vínculo parental e para outros seria imprescritível questiona-se se o prazo para o filho ainda não concebido deve ser diferenciado. (TARTURCE, 2017).

Neste mesmo sentido, pondo fim ao momento de início da contagem do prazo para a prescrição da herança o Supremo Tribunal Federal cita em sua jurisprudência que:

PRESCRIÇÃO - AÇÃO DE PETIÇÃO DE HERANÇA. 1. CONTANDO VELHA CONTROVERSIA DOUTRINARIA, A SÚMULA 149 JA FIXOU QUE A AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E IMPRESCRITIVEL, MAS PRESCREVE A DE PETIÇÃO DE HERANÇA. 2. A JURISPRUDÊNCIA RECENTE E PREDOMINANTE NO STF ENTENDE QUE O DIES A QUO DO PRAZO PRESCRICIONAL DA AÇÃO DE PETIÇÃO DE HERANÇA DEVE SER CONTADO DA ABERTURA DA SUCESSÃO DO INVESTIGADO, PORQUE REPUGNA A DEMANDA POR HERANÇA DE PESSOA VIVA (RE 55.270, RE 71.088/71, ERE 74.100/73. - SÚMULA 286).(STF - RE: 80426 GB, Relator: ALIOMAR BALEEIRO, Data de Julgamento: 11/03/1975, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 25-04-1975 PP-*****)

Com isso se finaliza com o entendimento de que a petição de herança prescreve com o prazo de dez anos e inicia-se, a contagem do prazo, a partir da abertura da sucessão. Contudo o prazo de dez anos não se aplica àquele que pleiteia seu direito sucessório por ter nascido por uma técnica de inseminação artificial homóloga post mortem. Isso ocorre para não criar uma insegurança jurídica e segue o que postula o artigo 1.800, §4º do Código Civil brasileiro.

Sobre o tema existem alguns projetos de lei que buscam garantir os direitos daqueles concebidos por técnicas de inseminação artificial. A exemplo o Projeto de Lei N.º 7.591, de 2017, do Deputado Federal Carlos Gomes Bezerra que visa acrescentar parágrafo único ao art. 1.798 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para conferir capacidade para suceder aos concebidos com o auxílio de técnica de reprodução assistida após a abertura da sucessão. Outro exemplo seria o projeto de lei 115 de 2015, do Deputado Federal Juscelino Rezende Filho, que objetiva instituir o Estatuto da Reprodução Assistida, para regular a aplicação e utilização das técnicas de reprodução humana assistida e seus efeitos no âmbito das relações civis sociais. Esses projetos encontram-se apensados ao Projeto de Lei 4892/2012.

O Projeto de Lei 4892/2012 do Deputado Federal Eleuses Paiva visa Instituir o Estatuto da Reprodução Assistida, para regular a aplicação e utilização das técnicas de reprodução humana assistida e seus efeitos no âmbito das relações civis sociais. Esse encontra-se apensado ao Projeto de Lei 1184/2003 Lucio Alcantara que foi  apresentado em 03 de junho de 2003 e define as normas para realização de inseminação artificial e fertilização "in vitro"; proibindo a gestação de substituição (barriga de aluguel) e os experimentos de clonagem radical. O projeto de Lei 1184/2003 está aguardando parecer do Relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e sua última atualização de 18/08/2015 foi aprovado sob o requerimento do Sr. Ivan Valente que requereu a inclusão de convidados para compor a mesa da Audiência Pública.

Com isso, percebe-se a preocupação dos parlamentares brasileiros em relação a temática, contudo os projetos encontram-se em processo de discussão deixando a cargo dos juízes as definições sobre os direitos sucessórios daqueles concebidos por inseminação artificial homóloga post mortem.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GALISA, Danylo Amaral. Reflexos da inseminação artificial homóloga post mortem no direito sucessório. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5828, 16 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73234. Acesso em: 9 mai. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos