Direito proativo: uma abordagem estratégica do Direito

13/02/2017 às 15:38
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O Direito Proativo busca a atuação preventiva de advogados e clientes em conjunto, encorajando um comportamento positivo, promovendo “bem-estar jurídico”, criando valor, fazendo o que é correto para construir uma fundação sólida para os negócios.

Objeto de estudo nos países do norte da Europa com surgimento no fim dos anos 90[1] o Direito Proativo é uma “novidade antiga”, por assim dizer, pois, apesar de ser objeto de uma rede internacional de estudos, a Nordic School of Proactive Law[2], ainda é pouquíssimo estudado fora dessas regiões, com exceção dos Estados Unidos.

Tratando de forma bastante objetiva, o Direito Proativo busca a atuação preventiva dos advogados e clientes em conjunto, no sentido de cuidar para que a empresa e os negócios dela derivados atendam todas as exigências legais, evitando, assim, responsabilidades cíveis e criminais, a exemplo do compliance, mas, muito mais importante que isso, visa disseminar o conhecimento jurídico entre os colaboradores da empresa de forma a encorajar um comportamento positivo entre eles, promovendo “bem estar jurídico”[3], criando valor, fazendo o que é correto para construir uma fundação sólida para as atividades negociais[4] e deixando para trás a ideia de que os advogados só servem para criar obstáculos, só mostrando o lado negativo das leis[5].

Esta abordagem proativa é originada do Direito Preventivo, instituído por Louis M. Brown na década de 1950 nos Estados Unidos[6]. Diferente do Direito Proativo, o Direito Preventivo é voltado apenas aos advogados, cabendo a eles implementar e “fiscalizar” o emprego/cumprimento do Direito na atividade empresarial, evitando prejuízos e limitando responsabilidades. Em nossa visão, o Direito Preventivo está contido no Direito Proativo.

Uma explicação sobre a origem destas diferentes abordagens é feita pela professora Gerlinde Berlinger-Walliser no artigo: “The Past and Future of Proactive Law: An Overview of the Proactive Law Moviment”[7], onde explica que o Direito Preventivo é oriundo dos Estados Unidos, em resposta ao combativo sistema do “Common Law”, baseado em precedentes judiciais, enquanto que o Direito Proativo é proveniente da Europa, menos voltado ao litígio, levando a entender que é por que estaria inserido no contexto da “Civil Law”, baseado em Códigos e leis. A explicação parece razoável, contudo, é de se verificar que o Brasil, por exemplo, é um país de “Civil Law”, contudo, tem se mostrado extremamente litigioso, atingindo inacreditáveis 100 milhões de processos no ano de 2015[8], então é possível que outros fatores culturais tenham impacto nas causas que levam um país a ser mais beligerante que outro.

De acordo com a professora Helena Haapio, da Universidade de Vaasa, na Finlândia, pioneira deste movimento, o Direito Proativo é baseado na convicção de que o conhecimento jurídico é melhor aplicado antes das coisas darem errado[9]. Neste sentido, para que isso possa ocorrer, é necessário que o advogado participe desde o princípio das conversas e entendimentos a respeito do que se pretende implementar ou do possível problema, trabalhando de forma estratégica e multidisciplinar para encontrar o melhor caminho[10](mais seguro e vantajoso).

Um dos pontos importantes do Direito Proativo é que ele cria valor para o negócio, usando o Direito, as leis e normas em geral como vantagem competitiva. A vantagem competitiva, como explica o Professor George J. Siedel da Universidade de Michigan, pode se dar de algumas formas: uma é diminuindo o valor e oferecer o mesmo ao cliente; a outra é oferecer mais e cobrar acima do mercado. Como exemplo deste segundo tipo temos o uso da legislação ambiental como forma de agregar valor. Ele cita o caso de empresas multinacionais que pressionam por uma legislação mais avançada em matéria ambiental em países onde há pouca regulação – ao contrário do que se imaginaria – pois vindo de países mais desenvolvidos onde a legislação é mais severa, essas empresas já possuiriam toda estrutura voltada para atendimento a essas exigências, então, ao competir com empresas locais desses países pouco regulados, provavelmente sairiam em desvantagem, pois estas teriam uma estrutura e custos menores. Ao pressionar por maior regulação ambiental, além de bem vistas pelos consumidores em geral, ganham vantagem competitiva, pois seus preços acabam se tornando competitivos nesse mercado[11].

Muitos conflitos na seara jurídica são resultado de equívocos de interpretação e expectativas frustradas das partes[12], o que pode ser evitado com um processo de negociação, especialmente de contratos, feito de uma forma mais franca e clara, mediante colaboração entre os Contratantes, podendo ser utilizadas técnicas como a Visualização e o Pathclerarer approach[13].  Até mesmo o uso simplificado dos termos jurídicos pode facilitar este processo. Um estudo feito pela “The Plain Language Association International[14], que busca simplificar o uso de termos médicos e jurídicos, entre outros, explica que, ao simplificar uma legislação complexa para um “texto comum”, é possível reduzir em até 60 % seu tamanho. Essa redução certamente facilita, em muito, a compreensão do conteúdo e, o que é mais fácil de entender, transmite mais confiança[15].

Esse é o papel do Direito Proativo. Trabalhar colaborativamente com outras áreas, de forma antecipada, buscando não somente evitar problemas, mas oferecendo as soluções, detectando as causas das falhas encontradas, propiciando relações comerciais sustentáveis, alcançando os objetivos propostos e criando valor para os negócios, pessoas e sociedade em geral.

Ocorre que nem sempre isso é fácil de colocar em prática. Muitas vezes o advogado é visto apenas como um sujeito a ser chamado para o confronto[16], geralmente quando o problema está em fase avançada, onde as relações negociais já sofreram desgastes irrecuperáveis, não sendo possível construir uma saída cooperativa e criativa para o problema. Nestas hipóteses, o judiciário acaba sendo uma das poucas saídas, senão a única.

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Além disso, muitos clientes diante de um advogado que não é beligerante ou “brigão”, perfil inadequado no Direito Proativo, acabam tendo a sensação de que não estão sendo bem defendidos, ou que o advogado não tem interesse na questão, o que contribui para a manutenção de uma postura agressiva entre os advogados.

Outro fator desestimulador da aplicação do Direito Proativo do ponto de vista dos advogados é que essa atuação acaba sendo mais difícil de identificar, pois sua função é exatamente evitar que problemas ocorram, ocasionando uma possível sensação de que os problemas foram resolvidos por si só e não sofreram intervenção de ninguém, enquanto que soluções de curto prazo e imediatas, como a realização de um acordo difícil ou a obtenção de uma liminar, por exemplo, dão ares de façanha ao feito.

É possível que muitos advogados, inclusive no Brasil, já pratiquem o Direito Proativo junto aos seus clientes sem ter conhecimento teórico do assunto, contudo, provavelmente se tratam de profissionais com muitos anos de experiência, uma vez que as faculdades de  Direito não abordam o tema[17], preparando o jovem advogado apenas para a exercício do contencioso, não explorando formas alternativas de praticar o Direito.

Esperamos que esta breve introdução sobre o Direito Proativo sirva de reflexão sobre a forma como as empresas e os profissionais do Direito tratam questões jurídicas, as quais, se bem trabalhadas de forma clara e antecipada, podem agir de forma positiva no contexto empresarial, criando até mesmo vantagens competitivas.


[1] BERGER-WALLISER, Gerlinde, The Past and Future of Proactive Law: An Overview of the Development of the Proactive Law Movement (2012). PROACTIVE LAW IN A BUSINESS ENVIRONMENT, Gerlinde Berger-Walliser and Kim Østergaard (eds.), DJØF Publishing, 2012, pp. 13-31. Disponível em SSRN: https://ssrn.com/abstract=2576761.

[2] Veja http://www.proactivelaw.org/. Conforme informação contida no site, a Escola Nórdica de Direito Proativo é composta por profissionais e pesquisadores envolvidos no Direito Proativo em países escandinavos.

[3] Id.1

[4] HAAPIO, Helena, Introduction to Proactive Law: A Business Lawyer's View (2006). Peter Wahlgren (Ed.): A Proactive Approach, Scandinavian Studies in Law, Vol. 49, Stockholm Institute for Scandinavian Law, Stockholm 2006, pp. 21-34. Disponível em SSRN: https://ssrn.com/abstract=2691940.

[5] Proactive Management and Proactive Business Law – A Handbook. Course Material from Turku University of Applied Sciences 66, 2011.

[6] BARTON, Thomas D., Preventive Law and Problem Solving: Lawyering for the Future. Vandeplas Publishing, 2009, Disponível em http://www.preventivelawyer.org/content/pdfs/preventive_law_and_problem_solving.pdf.

[7] Id.1

[8] CARDOSO, Maurício. Brasil atinge a marca de 100 milhões de processos em tramitação na Justiça, (2015). Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-set-15/brasil-atinge-marca-100-milhoes-processos-tramitacao.

[9] Id.4

[10] HAAPIO, Helena. Contracts and lawyers – Friends of the project: Proactive contracting for project success. Disponível em: http://www.icoste.org/NORDNET2004%20Papers/Haapio.pdf.

[11] SIEDEL, George J., Using the Law for Competitive Advantage. University of Michigan Business School management series. Jossey Bass, 2002.

[12] Id.1

[13] ABREU, Luciana. Contratos têm apresentado formas inovadoras de elaboração. Conjur, (2016). Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-jul-03/luciana-abreu-contratos-apresentado-novas-formas-elaboracao.

[14] Veja http://plainlanguagenetwork.org/

[15] MAGNUSSON, Jarl S. Proactive Law – and the Importance of Data and Information Resources. Stockholm Institute for Scandianvian Law. Disponível em http://www.scandinavianlaw.se/pdf/49-25.pdf.

[16] Id. 4

[17] Id. 1 e 4

Sobre a autora
Luciana Abreu

Especialista em Direito Empresarial, com ênfase em Contratos. Pós graduada em Direito Empresarial, Direito Tributário e MBA em Gestão Estratégica e Econômica de Negócios pela FGV.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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