Das formas de prestação do serviço público: descentralização e centralização administrativas

30/01/2017 às 13:50
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Aspectos relevantes sobre as formas de prestação do serviço público - centralizado, descentralizado e concentrado - e seus traços distintivos.

1. INTRODUÇÃO

O serviço público, em seu sentido amplo, para José Cretella Júnior (1980, p. 55-60), é “toda atividade que o Estado exerce, direta ou indiretamente, para a satisfação das necessidades essenciais ou secundárias da coletividade, ou simples conveniências do Estado”.

O Poder Público, na incubêmncia de exercer o serviço supramencionado, ao restar-se assoberbado de funções oriundas da transição do Estado Liberal para o Estado Social, encontra azo na Constituição Federal, no seu artigo 175, para o exercício direto ou indireto de tais obrigações – planejar, dirigir, comandar e executar as funções inerentes ao Estado. A desburocratização e ordenação desses serviços, assim, tornaram-se salutares ao alcance do bem comum.

Neste sentido, o interesse público, enquanto fim a ser alcançado pelo Estado ou por seus delegados, busca satisfazer a coletividade. A articulação das diversas formas de prestação do serviço público, assim, coloca-se a serviço da necessidade ou da conveniência: valendo-se do seu poder de autotutela, a Administração centraliza, descentraliza e/ou desconcentra seus encargos a fim de conferir aos administrados maior eficiência de seus serviços, na incansável demanda pelo atingir da satisfação do próprio interesse público.

Prestar serviços desconcentradamente, seja sob centralização ou descentralização, significa não romper o vínculo hierárquico de subordinação e coordenação existente entre os que exercem as atividades delegadas. Entre a descentralização e a centralização, por sua vez, cabe densa diferenciação advinda da quantidade de pessoas jurídicas envolvidas: naquela, em suas diversas modalidades e por meio de outorga ou delegação, pressupõe-se um mínimo de duas pessoas distintas; nesta, uma única pessoa jurídica.

O presente trabalho respeita à exposição técnica das distinções e principais características dos serviços centralizados, descentralizados e desconcentrados, na medida em que reconhece sua serventia à maior eficiência da prestação das atividades estatais, com o fito de, ao fim e ao cabo, aproximar a satisfação do interesse público ao máximo da realidade social.

2. FORMAS DE PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO: CONCEITOS E DISTINÇÕES

Supedaneado constitucionalmente, o senhorio de prestar serviços públicos, exercido pelo Estado (a exemplo dos arts. 21, 25,  §§ 1º e 2º e 30 da Constituição Federal), goza de meios de aceleração, simplificação e especialização, os quais contribuem para a efetividade deste árduo encargo, configurando formas peculiares de sua concretização, quais sejam, centralização, descentralização e desconcentração.

2.1 Serviço centralizado

O Estado, atuando como titular e prestador do próprio serviço, exerce as suas atividades administrativas diretamente, sem desvirtuar sua competência para pessoa diversa. A União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, em permitindo a execução de seus serviços por meio de órgãos e agentes, não perdem a titularidade de tais serviços, visto que órgão é mero centro de competência e configura ente despersonalizado, e seus agentes estão em imputação à pessoa jurídica a que estão vinculados.

  1. Serviço descentralizado

Aqui, o Estado conta com atuações indiretas. O Poder Público atribui a pessoas juridicamente distintas a ele, sejam da própria administração pública ou da esfera privada, a execução ou a titularidade de seus serviços, por meio de outorga ou delegação.

  1. Serviço desconcentrado

Trata-se de mera técnica de distribuição interna, na mesma entidade ou no mesmo órgão, de competências para outros órgãos, enquanto unidades individualizadas, a fim de descongestionar as atribuições centralizadas à própria Administração.

Curioso ressaltar que é possível haver a técnica da desconcentração tanto na centralização quanto na descentralização, em havendo divisão interna de órgãos. A desconcentração pode ocorrer em razão da matérias (ex:. Ministério da Fazenda), do grau de hierarquia (ex.: Chefias e Diretorias) e do território (Superintendência da Receita Federal no estado do Maranhão). Neste sentido, a jurisprudência do TRF-1:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. NÃO RECEBIMENTO DA APELAÇÃO. ILEGITIMIDADE DA PROCURADORIA DO INSS EM BELO HORIZONTE. DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIAS. MERA TÉCNICA DE DESCONCENTRAÇÃO ADMINISTRATIVA. AGRAVO PROVIDO.

1. O INSS é uma pessoa jurídica única, cujas atribuições são exercidas por unidades diversas, cada qual com funções internas predeterminadas.

2. A divisão de funções entre os diversos órgãos de um mesmo ente constitui mera técnica de distribuição interna de competências - "desconcentração administrativa -, podendo ocorrer tanto na Administração Direta quanto na Indireta, para que a entidade possa melhor desempenhar suas funções institucionais.

3. Agravo de instrumento provido.

(AG 43145 MG 2002.01.00.043145-5. Relator Desembargador Federal Carlos Olavo. Julgamento em 17/06/2008. Sétima Turma. Publicação em 08/08/2008 e d-DJF1 p. 245)

  1. Principais distinções

Notadamente, a centralização ocupa polo diametralmente oposto ao dos mais singelos esboços de sapiência de descentralização, visto que condensa a realização do serviço público a uma só pessoa, admitindo, apenas, pálidas repartições de competências.

Vale evidenciar, nada obstante, a linha tênue que diferencia os conceitos de descentralização e desconcentração. Com efeito, a clarividência das relações de controle a que se submetem os órgãos e as entidades perante a Administração Central é a condição que basta para o correto entendimento desta diferença.Na descentralização, a Administração Indireta vincula-se à Direta numa mera relação de controle ministerial (Decreto-Lei 200/67, art. 4º, parágrafo único); na desconcentração, a relação é de hierarquia, sob coordenação e subordinação.

Se, por um lado, a descentralização supõe a existência de, no mínimo, duas entidades distintas sem qualquer vínculo hierárquico entre elas, mas somente o de controle previsto em lei, a desconcentração sempre faz referência a uma só pessoa, cuja subordinação amolda-se ao desenho hierárquico, consubstanciando uma real relação de subordinação.

  1. A DESCONCENTRAÇÃO E O PRINCÍPIO DA HIERARQUIA

A exposição supracitada trouxe argumentos iniciais que atraem as ideias de hierarquia e desconcentração. O que há, de fato, é uma perfeita simbiose.

As várias atribuições dos órgãos administrativos, cargos e funções são feitas a fim de haver harmonia e unidade de direção, estabelecendo subordinação e coordenação. Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello (1998, p. 97): “Hierarquia pode ser definida como vínculo de autoridade que une órgãos e agentes, através de escalões sucessivos, numa relação de autoridade, de superior a inferior, de hierarca a subalterno”.

Neste sentido, é a prerrogativa da Administração de rever os atos de seus subordinados, punir, delegar e avocar atribuições que legitima a existência do serviço desconcentrado, ao passo que a desconcentração representa a face mais nítida do dever de obediência, seja em razão da matéria, do grau ou do território, motivado pelo princípio da hierarquia.

4    DESCENTRALIZAÇÃO

O serviço descentralizado percorreu as conveniências do Poder Público ao longo do compasso histórico até alcançar, hodiernamente, duas formas basilares de execução, quais sejam, a outorga e a delegação, cuja comparação encontra nítida correspondência com a classificação de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (descentralização política e administrativa – esta última dividida em territorial, por serviços e por colaboração) e com a de José dos Santos Carvalho Filho (delegação legal e negocial).

3.1. Outorga

            Outorgar o serviço essencialmente público a um ente dotado de personalidade jurídica diversa configura técnica de descentralização que, utilizando-se de criação direta ou autorização para criação, por meio de lei, determina tanto a execução da obra ou serviço, quanto a titularidade destes, com autonomia, por prazo indeterminado. São frutos de outorga legal a própria Administração Indireta - Autarquias, Sociedades de Economia Mista, Fundações e Empresas Públicas.

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Lado outro, a delegação deve, obrigatoriamente, passar pelo caminho da licitação, vez que só existe por contrato ou ato unilateral. Nela, o que a Administração Direta entrega à pessoa particular é somente a execução do serviço, incluindo-se os permissionários, concessionários.

3.2 Delegação

A doutrina atribui a esta modalidade as denominações, também, de delegação negocial ou descentralização administrativa por colaboração. Trata-se de modalidade de descentralização realizada por meio de contrato ou ato administrativo unilateral. É o caso das concessões e permissões (Leis 8.978/1995 e 9.074/1995).

Deve-se, obrigatoriamente, passar pelo caminho da licitação (Lei 8.666/1993), vez que a transferência do serviço é feita para pessoa jurídica de direito privado e, portanto, somente delega-se a execução, não a titularidade do serviço público, colocando-se sob a tutela do Poder Público (controle nos limites da lei). A delegação encontra azo, ainda, no Decreto-Lei 200/1967, em seu artigo 10, § 1º, c.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A articulação das relações de controle e hierarquia são o que, em linhas gerais, individualizam as práticas de centralização, descentralização e desconcentração. Ademais, distinguem-se pela própria sistematização de passagem de atribuições, no sentido de que este processo, na descentralização, se dá em favor de pessoa distinta, à sombra de mera vinculação; a desconcentração, por outro lado, permanece na mesma entidade, regrando suas atribuições internamente, sob forma de subordinação.

Imperioso se faz reconhecer que tais referências distintivas refletem na percepção política e econômica da nação, encaixando o papel social dos cidadãos à devida fiscalização do Estado, a partir do correto direcionamento cognitivo das divisões de responsabilidades da Administração Pública.

Ademais, a própria divisão do exercício descentralizado das atividades públicas em modalidades, qual seja, descentralização administrativa e política, pressupõe maior racionalização e, notadamente, especialização, em compasso com a natureza do serviço e das funções administrativas, tudo isto sem que haja fuga à constitucionalidade da prestação do serviço público, titularizada pelo Estado.

Vale ressaltar, ainda, a carga valorativa que possuem estas técnicas de simplificação, aceleração e especialização do serviço público, visto que otimizam e aperfeiçoam a prestação supramencionada. Com efeito, é cristalino a salutar subtração funcional da Administração Direta em virtude do congestionamento de atividades que, originariamente, a ela se atribui, restando às diversas formas de prestação de serviço público aqui estudadas o mérito de serem força motriz para a mais concreta efetividade do serviço público.

REFERÊNCIAS

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25.ed. São Paulo: Atlas, 2013.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 39.ed. São Paulo: Malheiros, 2012.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 11.ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 19. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008.

JÚNIOR, José Cretella. Curso de Direito Administrativo. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

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Sobre a autora
Êmile Amorim Rocha

Servidora Pública Federal (UFMA). Graduada em Direito (UFMA) e Especialista em Direito Processual (Instituto Elpídio Donizetti).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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