Crimes contra a ordem tributária: Lei nº 8137/90

04/08/2016 às 14:08
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Este texto traz as principais considerações acerca dos crimes contra a ordem tributária, previstos na Lei n° 8.137/90, ressaltando o entendimento doutrinário e jurisprudencial a respeito do tema.

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:      

(...)

 II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal

1 BEM JURÍDICO TUTELADO

Bem jurídico seria tudo que é necessário para a plena satisfação das necessidades humanas, ou seja, trata-se do direito fundamental que serve como base material para a tipificação dos tipos penais, e, por esta razão, é o objeto de proteção do Direito, isto é, o interesse protegido pela norma penal.

Para alguns estudiosos, o bem jurídico defendido seria a função tributária do Estado, a função institucional arrecadadora do Estado, ou ainda, seria o Erário, os cofres públicos, ou seja, para os defensores desta tese, o bem estaria relacionado à atividade institucional de arrecadação de tributos, pelos interesses estatais vinculados à arrecadação de tributos devidos à Fazenda Pública, protegendo o Erário, a Fé Pública e a Administração Pública.

Tal tese tomou este caminho considerando o tratamento que a legislação brasileira vigente tem em relação aos crimes contra a ordem tributária, visto que o mais importante para o Estado seria o crédito tributário em vista da possibilidade de exclusão da punibilidade com o simples pagamento do tributo.

Para o Professor Anderson Soares Madeira (MADEIRA, Anderson Soares. Direito tributário. Rio de Janeiro: Rio, 2006), o entendimento moderno é no sentido do não cabimento de prisão (sendo ela civil ou penal tributária), mas, sim, na execução de seu patrimônio para a devida satisfação do tributo suprimido ou reduzido. Entretanto, enquanto os nobres ministros do Supremo Tribunal Federal não se manifestarem no mesmo sentido, é passível a aplicação de pena de prisão.

A solução apresentada pelo nobre doutrinador é bem acertada, haja vista que, sendo o bem jurídico o erário, não caberia ao Direito Penal fazer vez de cobrador, sendo assim, o mais acertado seria o não cabimento da prisão, mas, sim, uma execução do patrimônio do contribuinte, para a devida satisfação do crédito.

Desta feita, para corrente diversa dos defensores da tese, seria o interesse do Estado em arrecadar tributo o bem jurídico tutelado. Esta tese seria incoerente, visto que o bem tutelado seria a própria ordem tributária, que pode ser entendida como o complexo de normas jurídicas limitadoras do poder de instituir e cobrar tributos, isto é, o complexo de normas jurídicas limitadoras do exercício do poder de tributar.


2 AÇÃO PENAL

É pública incondicionada, conforme dispõe o art. 15 da Lei nº 8137/90. Destaca-se, ainda, a Súmula nº 609 do STF: é pública incondicionada a ação penal por crime de sonegação fiscal. Não depende de qualquer condição de procedibilidade.


3 COMPETÊNCIA

A competência é da Justiça Comum Estadual. Quando o interesse da União for afetado (art.109,CF), a competência será da Justiça Federal.


4 SUJEITO ATIVO

O sujeito ativo encontra-se previsto no art. 121 do Código Tributário Nacional, isto é, a pessoa, física ou jurídica, obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Impende ressaltar que o sujeito ativo varia de acordo com a relação que ele estabelece com o fato gerador. Desse modo, caso o sujeito ativo tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador, ele será contribuinte (artigo 121, parágrafo único, inciso I, do mencionado Codex). Contudo, será responsável quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação de pagar decorra de dispositivo expresso de lei (artigo 121, parágrafo único, inciso II, do Código Tributário Nacional).      

Neste último caso, pode ser citado como exemplo o empregador que recolhe o Imposto de Renda sobre os pagamentos feitos a seus empregados, pois, embora ele não seja o contribuinte, porque não foi ele quem auferiu a renda ou os proventos, é o responsável, tendo em vista, que a lei lhe conferiu a obrigação de realizar o pagamento do tributo, nos termos do artigo 45, parágrafo único, do Código Tributário Nacional.


5 SUJEITO PASSIVO

O sujeito passivo, mais precisamente, conforme dispõe o art. 119, do Código Tributário Nacional, é a pessoa jurídica de direito público titular da competência – União, Estado-membro, Município e o Distrito Federal - para exigir o adimplemento da obrigação tributária.


6 OBJETO MATERIAL

Conforme disposto no próprio inciso II, do art. 1º, da Lei nº 8.137/90, o objeto material do delito será composto de documentos ou livros exigidos pela lei fiscal que contenham elementos inexatos ou omissos de operações de qualquer natureza, isto é, os livros contábeis e fiscais do contribuinte, de modo que reflitam os fatos que realmente aconteceram.


7 ELEMENTO SUBJETIVO

É o dolo, consubstanciado na vontade livre e consciente de fraudar a fiscalização tributária através de inserção de elementos inexatos, omissão de operação de qualquer natureza nos livros fiscais e contábeis do contribuinte.


8 ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIAL DO TIPO

Com rigor na análise, as condutas descritas no inciso II já se encontram englobadas pelas do inciso I. A omissão de operação de qualquer natureza oculta informação da autoridade fiscal e a prestação de declaração falsa insere elementos inexatos em documento ou livro exigido pela lei fiscal.

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O primeiro verbo do tipo apresenta conduta comissiva, consistente em inserir elementos inexatos que, além de enganar a autoridade tributária, em semelhança ao que acontece no estelionato, seja tendente a suprimir ou reduzir tributo ou acessório. A modalidade “omitindo”, evidentemente, é de natureza omissiva, devendo a omissão ser relevante para a identificação, pela autoridade fiscal, da ocorrência do fato gerador.


9 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

A doutrina, em geral, considera que os crimes estabelecidos no art. 1º são todos crimes materiais, exigindo a ocorrência de resultado naturalístico para a sua consumação, consubstanciado na supressão ou redução de tributo (incluindo as contribuições sociais, que definitivamente encartam-se na categoria “tributo”) ou de qualquer acessório. Por esta razão, são, por vezes, denominados de crimes de “sonegação própria”.

Atento ao princípio da tipicidade fechada, o legislador, além de incluir expressamente as contribuições sociais como elementar típica alternativa, inclui também a redução ou supressão de acessórios, que devem ser entendidos como sendo as obrigações pecuniárias – e estritamente as pecuniárias – que sejam decorrentes da inobservância das obrigações acessórias, na forma do art. 113 do Código Tributário Nacional.

A exigência de supressão ou redução de tributo faz com que a consumação desses crimes pressuponha a ocorrência do fato gerador do tributo e/ou dos acessórios, se for o caso.

Sendo crimes materiais, de resultado naturalístico, a mera prática da conduta não é suficiente para caracterizar a consumação do crime, devendo, obrigatoriamente, haver a supressão ou redução do tributo.

A modalidade omissiva não admite tentativa. Por outro lado, a modalidade comissiva admite tentativa desde que o meio utilizado possa ser fracionado, o que é perfeitamente admissível em tese.

Destaca-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual a consumação acontece somente no momento em que ocorre o lançamento definitivo do crédito fiscal.

Neste contexto, deve ser mencionada a decisão proferida em Habeas Corpus, atuando como relator o eminente Ministro Joaquim Barbosa:

   

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. TRIBUTÁRIO. CRIME DE SUPRESSÃO DE TRIBUTO (ART. 1º DA LEI 8.137/1990). NATUREZA JURÍDICA. ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Na linha do julgamento do HC 81.611 (rel. min. Sepúlveda Pertence, Plenário), os crimes definidos no art. 1º da Lei 8.137/1990 são materiais, somente se consumando com o lançamento definitivo. 2. Se está pendente recurso administrativo que discute o débito tributário perante as autoridades fazendárias, ainda não há crime, porquanto "tributo" é elemento normativo do tipo. 3. Em conseqüência, não há falar-se em início do lapso prescricional, que somente se iniciará com a consumação do delito, nos termos do art. 111, I, do Código Penal (83414/RS – RIO GRANDE DO SUL; HABEAS CORPUS; Relator (a): Min. Joaquim Barbosa; Julgamento 23/04/2004; Órgão Julgador: Primeira Turma) (grifo nosso)


REFERÊNCIAS

ABRÃO, Carlos Henrique. Crime tributário: um estudo da norma penal tributária. São Paulo: IOB Thomson, 2007. 

FERREIRA, Roberto dos Santos, Crimes contra a ordem tributária, 2ª ed., Malheiros, São Paulo: 2002

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