A crise brasileira e as ilusões da direita e da esquerda

20/04/2016 às 13:02
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A "fumaça da guerra civil" espalhada diariamente pelos jornais, revistas e redes de TV já começou a turvar a visão dos jornalistas e dos brasileiros.

Os jornais, revistas e redes de TV, eles mesmos mergulhada numa crise econômica e simbólica que resultou na ascensão de comentaristas políticos tão ou mais caricatos que Kim Kataguiri (Folha de São Paulo), Reinaldo Azevedo (Veja) e Pondé (TV Cultura), encararam a vitória do Impedimento como uma solução para a crise de representatividade da esquerda. Segundo este modelo de análise, o ciclo da esquerda na América Latina estaria definitivamente encerrado em razão da incapacidade dos socialistas de atrair novos investimentos do mercado financeiro.

A falha essencial deste raciocínio é evidente. A esquerda tem legitimidade, pois continua vencendo eleições em diversos Estados sul-americanos. O fracasso da direita no Chile levou à retomada do poder por Bachelet. O desastroso governo de Macri na Argentina já começou a provocar fraturas na sua legitimidade eleitoral. O povo do mercado - composto pelos super-ricos norte-americanos e europeus e seus especuladores financeiros – pode ser até reverenciado pelos jornalistas, mas nunca terá legitimidade para eleger ou derrubar presidentes eleitos pelas populações dos Estados latino-americanos. 

É evidente, portanto, a ilusão da direita brasileira. A vitória do Impedimento não assegurará a legitimidade do desejado governo Michel Temer. Tampouco conseguirá evitar sua rápida derrocada em razão da resistência popular ao golpe de estado. A batalha de comunicação em torno do Impedimento de fato foi vencida pela esquerda, pois a imprensa européia e norte-americana denuncia o golpe de estado no Brasil, retirando a legitimidade do discurso da imprensa golpista que insiste em tentar legitimar o Impedimento.

Outra falha neste modelo de análise é decorrente da relativa fragilidade do próprio mercado neste momento. As fraturas sociais e políticas provocadas pela globalização financeira já começaram a destruir a União Européia. O fim do Euro e o reinício da competição entre os Estados europeus certamente afetará o fluxo de capitais ao redor do mundo. Uma guerra no centro da Europa envolvendo Ucrânia e Rússia, com potencial para afetar os Estados vizinhos dos países em conflito, certamente levará os investidores a fugir de países antes considerados confiáveis.

A hegemonia da China, desafiada claramente pelos EUA e pelo Japão, também tem potencial para provocar terremotos financeiros. Afinal, os chineses são credores dos norte-americanos. Caso ocorra uma intensificação da guerra econômica, Pequim provocará um colapso econômico dos EUA liquidando todos seus ativos em dólar e congelando os bens de cidadãos norte-americanos na China. Neste caso a própria China deixará de atrair investimentos do povo do mercado, que também terá que procurar lucro fora dos EUA.

Estas são, muito resumidamente, as ilusões da direita brasileira, que deu um golpe de estado no momento errado, pelas razões erradas com base em projeções econômicas erradas. A única coisa que a entronização de Michel Temer conseguirá será provar veracidade das palavras de Wolfgang Streeck. A queda de Dilma Rousseff “...pode servir para lembrar que o futuro da sociedade está em aberto e que a história não é previsível...” (Tempo Comprado, editora Actual, Lisboa, 2013, p. 12).

Quais foram as ilusões da esquerda? A principal, creio, foi acreditar na possibilidade de coexistência civilizada e pacífica com uma direita golpista que abusa do seu poder dentro das redações dos jornais, revistas e redes de TV. A autodestruição financeira das empresas de comunicação foi adiada por Lula. Portanto, o sucesso do golpe de estado desferido pela Câmara dos Deputados contra Dilma Rousseff deve ser em parte creditado ao fracasso da política “Lulinha paz e amor”.

Janio Quadros dizia que era preciso enfiar a peixeira até o cabo na barriga do adversário. O PT foi incapaz de fazer isto, pois preferiu adotar o mantra “Lulinha paz e amor”. Apesar disto, a elite governamental petista pode ser salva porque Lula e Dilma Rousseff fizeram algo mais. Ambos alargaram e consolidaram a base social do PT com os programas sociais que Michel Temer pretende agora encerrar.

Uma forte reação popular à redução de direitos trabalhistas e ao corte de investimento em saúde, educação e moradia, pode impedir a posse Michel Temer ou destruir rapidamente o governo dele. Se não prejudicar o povo brasileiro, Temer perderá sua base de apoio parlamentar. Se fizer isto ele será esmagado nas ruas pelas manifestações colossais de estudantes, operários e sem-terras.

Os petistas se iludiram acreditando poder conviver pacificamente com a direita jornalística golpista. Não devem nutrir ilusões acerca do imenso poder de reação popular criado e consolidado ao longo dos governos Lula e Dilma. O grande problema do PT, contudo, será conseguir comandar o processo de destruição de Michel Temer e impedir que uma nova opção de esquerda atropele nas ruas as ambições pessoais de Lula.

Como disse Wolfgang Streeck “Tudo o que é social acontece no tempo, evolui com o tempo e torna-se mais semelhante a si próprio no tempo e com o tempo. Só podemos compreender o que vemos hoje se soubermos como era ontem e qual o seu rumo atual. Tudo quanto existe está sempre num processo de evolução.” (Tempo Comprado, editora Actual, Lisboa, 2013, p. 14). A queda de Michel Temer antes ou depois dele chegar ao poder é uma probabilidade. Uma nova ascensão de Lula ao poder em 2018, porém, é muito incerta. Assim como os bolsheviks chegaram ao poder atropelando a esquerda reformista russa, a extrema esquerda brasileira pode optar por destruir Lula no afã de chegar ao poder através de uma revolução.

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

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