O acusado absolvido por fragilidade probatória pode recorrer para ser absolvido pela tese de negativa de autoria ou ainda da inocorrência do fato

23/09/2015 às 06:23
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O artigo discorre sobre o interesse recursal com relação a possibilidade do acusado que é absolvido por fragilidade probatória poder recorrer seja para obter absolvição por negativa de autoria ou ainda inocorrência do fato.

Acusado de contratação pública irregular, o presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Antonio Donato (PT), foi absolvido em sentença de primeiro grau por "fragilidade probatória", mas recorreu ao Tribunal de Justiça paulista para que fosse expressamente declarado inocente. Na nova análise, em agosto, a 3ª Câmara de Direito Criminal considerou legal sua conduta, com parecer favorável até do Ministério Público, autor da denúncia.

Após recurso de Donato, TJ-SP considerou correta a contratação firmada entre a Prefeitura de São Paulo e uma fundação.

Donato virou réu por um contrato de R$ 12,2 milhões firmado pela Prefeitura de São Paulo em 2003, quando chefiava a Secretaria de Coordenação das Subprefeituras, na gestão Marta Suplicy (ex-PT). Ele autorizou negócio com uma fundação de pesquisa que deveria auxiliar a Administração municipal a elaborar um novo modelo de gestão para a pasta.

Em 2014, o juízo da 1ª Vara Criminal de São Paulo avaliou que esses fatos narrados não foram "satisfatoriamente comprovados", pois nenhuma das seis testemunhas demonstrou "qualquer vício a macular o contrato". Conforme a sentença, a consulta feita a outras entidades indicava a validade da medida, sem prejuízo ao erário.

Mesmo assim, a defesa do ex-secretário recorreu da decisão. "A primeira decisão, embora absolutória, não fazia Justiça ao dizer que inexistiam provas de crime. Isso ainda poderia prejudicar a imagem [do cliente] como homem público, porque na verdade havia provas de que não houve crime nenhum", afirma o advogado David Rechulski, que atuou no caso.

(https://www.conjur.com.br/2015-set-21/absolvido-falta-provas-vereador-recorre-julgamento)


De início, necessário analisar se há interesse recursal na hipótese de absolvição por falta de provas.

Ao réu tem que ser garantido o direito a ver apreciadas pelo Judiciário as afirmações que oferecera no processo.

É direito fundamental do réu, que seja processado criminalmente, ter a resposta estatal não apenas pelo prisma persecutório, mas também em face de todas as consequências que possam advir do processo penal, diretas ou indiretas.

Tem um direito subjetivo o réu que, negando a afirmação do autor, pretende ver reconhecida em juízo a posição jurídica que contrapôs aquela trazida pela acusação. Assim, nem sempre atende à justa expectativa do réu qualquer decisão judicial que o absolva da imputação ou reconheça que ao Estado não mais é permitido julgá-lo

Discute-se a consequência da absolvição do acusado diante de sentença que o absolve por fragilidade probatória e eventual ajuizamento de ação no juízo civil.

AGUIAR DIAS[1], comentando o artigo 1525 do Código Civil, que corresponde ao disposto no artigo 935 do atual diploma civil, diz que o injusto criminal nem sempre coincide em seus elementos com o injusto civil. Assim quando reconhecidos, na instância penal, o fato e a autoria, ainda assim for o acusado declarado não delinqüente, por faltar a seu ato algumas das circunstâncias que o qualificam criminalmente( por não estar completo o tipo penal), o julgado não condiciona o civil, para o fim de excluir a indenização, porque não são idênticos num e noutro os princípios que são determinantes da responsabilidade.

Intercomunicam-se as jurisdições civil e criminal. A segunda repercute na primeira quando reconhece o fato e sua autoria. Nesse caso, a sentença criminal transitada em julgado, se constitui em título executório no civil(artigo 63 do Código de Processo Penal). Se negar o fato ou a autoria, também de modo categórico, impede, no juízo civil, questionar-se o fato. Se a sentença absolutória apoiar-se em ausência ou insuficiência de provas, remanesce o ilícito civil, como se lê de decisão do Superior Tribunal de Justiça, no RSTJ 7/400.

CAPEZ[2] alerta, ao comentar o artigo 386 do Código de Processo Penal, em suas 6(seis) hipóteses de absolvição, que os incisos II, IV e VI dizem respeito a hipóteses de falta de provas e que ensejam o ajuizamento de ação de reparação de dano, na esfera civil. Não é, portanto, a sentença condenatória transitada em julgado, a única que se reflete no civil, obedecido o que reza o artigo 63 do Código de Processo Penal, no sentido de que transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo civil, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros, uma vez que a sentença condenatória criminal constitui título executório no civil.

O artigo 386 do Código de Processo Penal determina que o juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva da sentença, desde que reconheça:

  • a) Estar provada a inexistência do fato: dessa forma está desfeito o juízo de tipicidade, uma vez que o fato que serviu de subsunção ao modelo legal de conduta proibida não existiu, sendo que, aqui, se impossibilita o ajuizamento da ação civil ex delicto, necessária para a busca da reparação do dano;

  • b) Inexistência de prova da ocorrência do fato; aqui inexistem provas suficientes e seguras de que o fato tenha, efetivamente, ocorrido, in dubio pro reo, permitindo-se o ajuizamento de ação civil de indenização uma vez que a absolvição não fará coisa julgada no civil;

  • c) Inexistência de infração penal: o fato ocorreu, mas não é típico. Será o caso, inclusive, de aplicação do princípio da insignificância(exclusão da tipicidade), lembrando que a conclusão de que não há fato criminoso para a absolvição não impede a propositura de ação civil ;

  • d) Existência de prova de não concorrência do réu: aqui não está provada a coautoria ou participação;

  • e) Inexistência de prova da concorrência do réu: há o fato, mas não se conseguiu demonstrar que o réu tomou parte ativa;

  • f) Excludentes de tipicidade ou de culpabilidade: aqui estão o erro do tipo, o erro de proibição, a coação moral irresistível, a obediência hierárquica, a legitima defesa, o estado de necessidade, o exercício regular de direito e o estrito cumprimento do dever legal, a inimputabilidade e a embriaguez acidental[3];

  • g) Prova insuficiente para a condenação: o principio da prevalência do interesse do réu determina que se o juiz não possui provas sólidas para a formação do seu convencimento, sem poder indicá-las na fundamentação da sentença, tem-se a absolvição. Tal decisão não tem transito em julgado no juízo civil, razão pela qual pode ser ajuizada ação indenizatória, naquela esfera.

Consequência da absolvição é a liberdade do réu, a cessação das medidas cautelares, como o sequestro, a hipoteca legal, dentre outras medidas.

Compreende-se que em (apenas) três situações a decisão proferida no âmbito criminal repercutirá automaticamente na seara cível ou administrativa com a consequente inviabilidade de pretensão à reparação cível ou responsabilização subsidiária:

  • a) inocorrência do fato;

  • b) negativa de autoria;

  • c) excludentes de antijuridicidade no caso de legítima defesa própria.

Realmente uma questão interessante diz respeito à negativa de autoria. É certo que pela antiga redação do dispositivo discutido, caberia a absolvição por ausência de provas que demonstrassem a concorrência do réu para a infração. Mas em tal caso, nada impediria o manejo de ação civil indenizatória, pois a fragilidade da instrução penal poderia ser superada em sede de esfera civil, na discussão do pleito que envolva indenização e outras sanções cabíveis, como no caso de ação civil de improbidade.

A absolvição por estar provada a tese de que o réu não concorreu para a infração, negativa de autoria, nos leva a pensar que, com a redação que lhe foi dada pela lei, o dispositivo deixa clara a possiblidade de absolver pela certeza da negativa de autoria, o que, por consequência, irá trancar as portas da ação indenizatória. Já a situação da debilidade probatória que revele a autoria, migrou para o artigo 386, V, do Código de Processo Penal, com a reforma processual.

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Até a edição da nova redação legal prevista para o artigo 386 do CPP havia uma lacuna legal que viabilizasse a absolvição sob o fundamento da prova cabal de que o réu não concorreu para o crime, o que não impedia que o juiz na sentença invocasse tal fundamento, obstando ação civil ex delicto, como já discutiu o Supremo Tribunal Federal[4]

Se a instrução probatória for deficitária, de sorte que a dúvida leva a absolvição, nada impede que o ofendido ingresse no civil, ou ainda o Parquet, com eventual ação civil de improbidade, por conta dos prejuízos, para que demonstre o vinculo do suposto infrator com os fatos na expectativa de viabilizar a indenização.

Por essa razão, há indubitavelmente interesse em recorrer nos casos em que o réu é absolvido quando deficitária a instrução processual, por prova insuficiente para a condenação.

Mas, há, com o devido respeito, decisão aparentemente contrária, que registro, oriunda do Egrégio Tribunal Regional Federal da 5º Região:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. APELAÇÃO NÃO RECEBIDA POR AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. FUNDAMENTO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. PRETENSÃO DE EVITAR AÇÃO CIVIL REGRESSIVA. AUSÊNCIA DE IMPEDIMENTO A TEOR DO ART. 67 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. RECURSO IMPROVIDO. I. A pretendida modificação no embasamento da sentença absolutória, do inciso VII do art. 386 do Código de Processo Penal (ausência de prova suficiente para a condenação) para o inciso III do mesmo dispositivo legal (inexistência de crime), no caso evitar posterior ação regressiva a ser contra ela promovida em razão do benefício objeto de impugnação, não encontra guarida na legislação, eis que não há tal impedimento a teor do art. 67, III, do Código de Processo Penal. II. Não se mostrando pertinente a pretensão recursal, eis que não serão atingidos os objetivos a que se propõe, configura-se a ausência de interesse recursal que impediu o recebimento da apelação. III. Recurso em sentido estrito improvido.

(RSE nº 1988/PE, 2ª Turma, Rel. Ivan Lira de Carvalho. j. 28.04.2015, unânime, DJe 08.05.2015).

A matéria, portanto, é polêmica, exigindo dos estudiosos reflexões sobre ela.


Notas

[1] AGUIAR DIAS, José de. Apud MENDES PIMENTEL. Da responsabilidade civil, 8ª edição, 2ª volume, Rio de Janeiro, Forense, 1987, pág. 954.

[2] CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, 13ª edição, São Paulo, Saraiva, 2006.

[3] A teor do artigo 65 do Código de Processo Penal, faz coisa julgada no civil a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito. No entanto, tem-se entendido que subsistirá a responsabilidade em indenizar a vítima, quando esta não tenha sido considerada culpada pela situação de perigo. A esse respeito, o julgamento do Recurso Especial 1.030.565/RS, Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgamento de 5 de novembro de 2008, quando se examinou o reconhecimento de dever de indenizar mesmo em face do estado de necessidade em caso em que houve reconhecimento de culpa concorrente de motorista do ônibus na morte de vítima. Houve um atropelamento à beira da estrada por ônibus que havia sido abalroado por caminhão, em ultrapassagem temerária deste, ocorrido em 1990. A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça não atendeu ao recurso da empresa do ônibus e manteve a decisão da segunda instância que entendeu existir responsabilidade civil mesmo quando o ato foi praticado em comprovado estado de necessidade. A jovem foi atropelada e acabou morrendo em um acidente de trânsito que envolveu um ônibus e um caminhão em 1990. Ela estava parada à beira da estrada quando o motorista do caminhão que deu origem ao acidente tentou fazer uma ultrapassagem. A manobra não deu certo e o caminhão atingiu a lateral do ônibus que vinha no sentido contrário. A colisão fez o motorista do ônibus perder o controle do coletivo e atingir a jovem no acostamento, antes de conseguir parar.

[4] MS 23.188/RJ, Relatora Ministra Ellen Gracie, Informativo STF nº 295.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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