Do bloqueio de bens na ação por ato de improbidade administrativa

21/03/2015 às 10:42
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No presente artigo é feito o enfrentamento da exegese do bloqueio cautelar de bens na Ação de Improbidade Administrativa, buscando indicar que sua solução dar-se-à através do cotejamento dos princípios constitucionais que lhe são subjacentes.

Dispõe o art. 7º da Lei 8.429/92, que:

“Art. 7° Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.

Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito”.

Trata-se de medida cautelar de constrição patrimonial no bojo da Ação por Ato de Improbidade Administrativa.

Entrementes, em decorrência da filtragem constitucional do direito, as normas infraconstitucionais, por justamente retirarem seu fundamento de validade da Lei Fundamental, na sua formulação, interpretação e aplicação devem guardar compatibilização aos termos da Constituição.

Nessa toada, é consabido que a cabeça do art. 5º da Constituição, dentre o rol dos direitos fundamentais, traz o direito de propriedade do indivíduo (inciso XXII).

Sobre sua mitigação, em reserva legal, a própria Constituição traz limitações ao direito de propriedade, conforme indicações dos incisos XXIII, XXIV, XXV, do art. 5º, da Lei Fundamental, quando confrontado o direito fundamental da propriedade com o interesse público decorrente de sua função social ou para utilização em caso de perigo para a coletividade.

Em senda diversa, o legislador infraconstitucional, no preenchimento normativo da norma constitucional de eficácia limitada disposta no art. 37, §4º, da Carta Magna, estabeleceu na Lei nº 8.429/92, o antecedente e consequente normativo decorrente da prática de ato de improbidade administrativa por parte de agente público, além de medidas outras como para a indisponibilidade de bens.

E, por critério de especialidade, trouxe o legislador ordinário a medida constritiva patrimonial na forma do art. 7º da Lei de Improbidade.

Ocorre que, em detrimento dos requisitos ordinários ao exercício do poder de cautela, o Superior Tribunal de Justiça, em data recente, retrocedeu na sua jurisprudência, para dizer que basta a verossimilhança das alegações da ocorrência do ato ímprobo, sendo que o perigo decorrente da imposição da medida é dispensável[1].

Isto é, para a constrição patrimonial na Lei nº 8.429/92, não se exige mais prova de dilapidação patrimonial para se avançar no patrimônio privado do indivíduo, mas apenas e tão somente prova indiciária da ocorrência de ato ímprobo.

Malgrado a hodierna força de convencimento da jurisprudência, por overrruling, deve ser superado o entendimento posto.

Isso porque, havendo colisão entre o direito fundamental de propriedade (art. 5º, inciso XXII, da Constituição), cuja mitigação está autorizada por reserva legal em beneficio do interesse público de proteção ao erário (art. 37, §4º, da Constituição), como não existe hierarquia entre as normas constitucionais, deve o conflito aparente ser resolvido caso a caso, pela concordância prática entre os direitos fundamentais, à luz de suas respectivas dimensões de peso, para se dar prevalência a um direito em detrimento do outro.

No caso, é obvio que por iter procedimental, deve ser decretada a indisponibilidade de bens no bojo da Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa.

Entretanto, o legislador infraconstitucional foi omisso quanto aos seus requisitos, pelo que, o significado da norma deve ser traduzido pelo interprete Juiz (detentor do monopólio da jurisdição), limitado pela própria Lei (dada sua dignidade), e pela finalidade que lhe é subjacente (bem jurídico que alberga).

E, por juízo de similitude, sempre foi entendimento assente do Superior Tribunal de Justiça[2] que para bloqueio de bens do art. 7º da Lei nº 8.429/92, necessária é a concorrência de verossimilhança da alegação e perigo da demora, elementos típicos da tutela cautelar.

E tal exegese deve ser mantida, pois é a mais que se compatibiliza com a técnica de harmonização da Constituição, pois a restrição do direito fundamental da propriedade somente pode ocorrer diante de situação de proteção do erário público, resguardando-se e eficácia de decisão final de restituição ao erário, diante de prova de dilapidação patrimonial (ou algo correlato).

O bloqueio de bens pela presença de meros indícios de ato ímprobo é um argumento profundamente retórico, pois sempre esses indícios estarão presentes, pois o que acompanha a Inicial da Ação Civil Pública é o Inquérito Civil, conduzido sem o crivo do contraditório.

De mais a mais, por dado estatístico, já se sabe que a maioria esmagadora das ações de improbidade em curso são julgadas improcedentes, pela própria banalização do instituto pelo Ministério Público[3].

Firme nessas razões, a míngua de prova de dilapidação patrimonial, dada a provisoriedade da medida cautelar, não deve ser a mesma decretada, mantendo-se incólume o patrimônio privado do indivíduo


[1] A partir do seguinte leading case:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MEDIDA CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS. ART. 7º DA LEI Nº 8.429/92. TUTELA DE EVIDÊNCIA. COGNIÇÃO SUMÁRIA. PERICULUM IN MORA. EXCEPCIONAL PRESUNÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO NECESSÁRIA. FUMUS BONI IURIS. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. CONSTRIÇÃO PATRIMONIAL PROPORCIONAL À LESÃO E AO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO RESPECTIVO. BENS IMPENHORÁVEIS. EXCLUSÃO.

1. Trata-se de recurso especial em que se discute a possibilidade de se decretar a indisponibilidade de bens na Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 7º da Lei 8.429/92, sem a demonstração do risco de dano (periculum in mora), ou seja, do perigo de dilapidação do patrimônio de bens do acionado.

2. Na busca da garantia da reparação total do dano, a Lei nº 8.429/92 traz em seu bojo medidas cautelares para a garantia da efetividade da execução, que, como sabemos, não são exaustivas. Dentre elas, a indisponibilidade de bens, prevista no art. 7º do referido diploma legal.

3. As medidas cautelares, em regra, como tutelas emergenciais, exigem, para a sua concessão, o cumprimento de dois requisitos: o fumus boni juris  (plausibilidade do direito alegado) e o periculum in mora (fundado receio de que a outra parte, antes do julgamento da lide, cause ao seu direito lesão grave ou de difícil reparação).

4. No caso da medida cautelar de indisponibilidade, prevista no art. 7º da LIA, não se vislumbra uma típica tutela de urgência, como descrito acima, mas sim uma tutela de evidência, uma vez que o periculum in mora não é oriundo da intenção do agente dilapidar seu patrimônio e, sim, da gravidade dos fatos e do montante do prejuízo causado ao erário, o que atinge toda a coletividade. O próprio legislador dispensa a demonstração do perigo de dano, em vista da redação imperativa da Constituição Federal (art. 37, §4º) e da própria Lei de Improbidade (art. 7º).

5. A referida medida cautelar constritiva de bens, por ser uma tutela sumária fundada em evidência, não possui caráter sancionador nem antecipa a culpabilidade do agente, até mesmo em razão da perene reversibilidade do provimento judicial que a deferir.

6. Verifica-se no comando do art. 7º da Lei 8.429/1992 que a indisponibilidade dos bens é cabível quando o julgador entender presentes fortes indícios de responsabilidade na prática de ato de improbidade que cause dano ao Erário, estando o periculum in mora implícito no referido dispositivo, atendendo determinação contida no art. 37, § 4º, da Constituição, segundo a qual "os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível".

7. O periculum in mora, em verdade, milita em favor da sociedade, representada pelo requerente da medida de bloqueio de bens, porquanto esta Corte Superior já apontou pelo entendimento segundo o qual, em casos de indisponibilidade patrimonial por imputação de conduta ímproba lesiva ao erário, esse requisito é implícito ao comando normativo do art. 7º da Lei n. 8.429/92. Precedentes: (REsp 1315092/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/06/2012, DJe 14/06/2012; AgRg no AREsp 133.243/MT, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/05/2012, DJe 24/05/2012; MC 9.675/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 03/08/2011; EDcl no REsp 1211986/MT, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/05/2011, DJe 09/06/2011.

8. A Lei de Improbidade Administrativa, diante dos velozes tráfegos, ocultamento ou dilapidação patrimoniais, possibilitados por instrumentos tecnológicos de comunicação de dados que tornaria irreversível o ressarcimento ao erário e devolução do produto do enriquecimento ilícito por prática de ato ímprobo, buscou dar efetividade à norma afastando o requisito da demonstração do periculum in mora (art. 823 do CPC), este, intrínseco a toda medida cautelar sumária (art.789 do CPC), admitindo que tal requisito seja presumido à preambular garantia de recuperação do patrimônio do público, da coletividade, bem assim do acréscimo patrimonial ilegalmente auferido.

9. A decretação da indisponibilidade de bens, apesar da excepcionalidade legal expressa da desnecessidade da demonstração do risco de dilapidação do patrimônio, não é uma medida de adoção automática, devendo ser adequadamente fundamentada pelo magistrado, sob pena de nulidade (art. 93, IX, da Constituição Federal), sobretudo por se tratar de constrição patrimonial.

10. Oportuno notar que é pacífico nesta Corte Superior entendimento segundo o qual a indisponibilidade de bens deve recair sobre o patrimônio dos réus em ação de improbidade administrativa de modo suficiente a garantir o integral ressarcimento de eventual prejuízo ao erário, levando-se em consideração, ainda, o valor de possível multa civil como sanção autônoma.

11. Deixe-se claro, entretanto, que ao juiz responsável pela condução do processo cabe guardar atenção, entre outros, aos preceitos legais que resguardam certas espécies patrimoniais contra a indisponibilidade, mediante atuação processual dos interessados - a quem caberá, p. ex., fazer prova que determinadas quantias estão destinadas a seu mínimo existencial.

12. A constrição patrimonial deve alcançar o valor da totalidade da lesão ao erário, bem como sua repercussão no enriquecimento ilícito do agente, decorrente do ato de improbidade que se imputa, excluídos os bens impenhoráveis assim definidos por lei, salvo quando estes tenham sido, comprovadamente, adquiridos também com produto da empreitada ímproba, resguardado, como já dito , o essencial para sua subsistência.

13. Na espécie, o Ministério Público Federal quantifica inicialmente o prejuízo total ao erário na esfera de, aproximadamente, R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais), sendo o ora recorrente responsabilizado solidariamente aos demais agentes no valor de R$ 5.250.000,00 (cinco milhões e duzentos e cinquenta mil reais). Esta é, portanto, a quantia a ser levada em conta na decretação de indisponibilidade dos bens, não esquecendo o valor do pedido de condenação em multa civil, se houver (vedação ao excesso de cautela).

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14. Assim, como a medida cautelar de indisponibilidade de bens, prevista na LIA, trata de uma tutela de evidência, basta a comprovação da verossimilhança das alegações, pois, como visto, pela própria natureza do bem protegido, o legislador dispensou o requisito do perigo da demora. No presente caso, o Tribunal a quo concluiu pela existência do fumus boni iuris, uma vez que o acervo probatório que instruiu a petição inicial demonstrou fortes indícios da ilicitude das licitações, que foram suspostamente realizadas de forma fraudulenta. Ora, estando presente o fumus boni juris, como constatado pela Corte de origem, e sendo dispensada a demonstração do risco de dano (periculum in mora), que é presumido pela norma, em razão da gravidade do ato e a necessidade de garantir o ressarcimento do patrimônio público, conclui-se pela legalidade da decretação da indisponibilidade dos bens.

15. Recurso especial não provido.

(REsp 1319515/ES, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/08/2012, DJe 21/09/2012)

[2] Como no seguinte precedente:

RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. LESÃO AO ERÁRIO PÚBLICO.

1. A medida prevista no art. 7º da Lei n. 8.429/92 é atinente ao poder geral de cautela do Juiz, previsto no art. 798 do Código de Processo Civil, pelo que seu deferimento exige a presença dos requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora.

2. O periculum in mora significa o fundado temor de que, enquanto se aguarda a tutela definitiva, venham a ocorrer fatos que prejudiquem a apreciação da ação principal.  A hipótese de dano deve ser provável, no sentido de caminhar em direção à certeza, não bastando eventual possibilidade, assentada em meras conjecturas da parte interessada.

3. Inexistindo fatos positivos que possam inspirar receio de prejuízos ao erário público ocasionados em virtude da execução de contrato realizado por empresa estrangeira (com filial devidamente regulamentada no Brasil) e a Caixa Econômica Federal, a liminar de bloqueio dos bens da referida empresa deve ser cassada.

4. É incabível recurso especial fundado na alínea "c" do permissivo constitucional quando não atendidos os requisitos indispensáveis à comprovação  da  divergência pretoriana, conforme prescrições do art. 541, parágrafo único, do CPC e do art. 255 do RISTJ.

5. Recurso especial conhecido parcialmente e provido.

(REsp 821.720/DF, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2007, DJ 30/11/2007, p. 423)

[3] Segundo dados do CNJ, em seu portal: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/24270-justica-condena-205-por-corrupcao-lavagem-e-improbidade-em-2012

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Sobre o autor
Helio Maldonado

Bacharel em Direito.<br>Especialista em Direito Público, Direito Eleitoral e Fazenda Pública em Juízo.<br>Mestrando em Direitos e Garantias Fundamentais. Advogado<br>Membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/ES.<br>Autor de livro, artigos jurídicos e professor palestrante.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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