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Aspectos do superendividamento do consumidor idoso

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25/04/2023 às 15:20
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3. SUPERENDIVIDAMENTO DO IDOSO

Neste capítulo, será abordada a hipervulnerabilidade do idoso, e como constatar o seu superendividamento; a importância da intervenção pública nas relações privadas que tenham como consumidor pessoas com idade igual ou superior a sessenta anos e os caminhos adequados para que o fornecedor negocie com pessoas idosas, minorando o risco do superendividamento. Por fim, serão apresentados casos em que idosos tenham se superendividado em virtude de fatores ligados à sua hipervulnerabilidade.

3.1 HIPERVULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR IDOSO E A ATUALIZAÇÃO DO CDC

Segundo a legislação nacional, somente o fato de o indivíduo ter sessenta anos ou mais já o qualifica como hipervulnerável e isso gera a obrigação ao fornecedor de maior cautela na contratação. Em outras palavras, cabe ao fornecedor, ao contratar pessoas consideradas hipervulneráveis, verificar se o consumidor está totalmente ciente do funcionamento do contrato e se este terá condições de honrar as prestações pactuadas sem o comprometimento do mínimo necessário à sua digna sobrevivência.

A hipervulnerabilidade pode ser interpretada como uma situação em que o consumidor é mais vulnerável do que de costume, em virtude de seu estado psíquico, físico ou biológico, portanto o consumidor idoso não pode ser exclusivamente responsabilizado pela inadimplência de suas dívidas, uma vez que o fornecedor, especialista no segmento de mercado, deveria, antes de efetivar a contratação, ter a cautela de verificar a possibilidade de pagamento das prestações oferecidas (MELLO, 2011, p. 18 e 41).

O projeto de lei nº 283/2012 tem por objetivo atualizar o CDC à atual realidade consumerista. Entre as novidades, está o tratamento especial ao indivíduo superendividado. A atualização acrescentará ao rol de direitos do consumidor a garantia de práticas de crédito responsável com o objetivo de prevenir e tratar o superendividado, por meio da revisão e repactuação das dívidas.

Trata-se de uma medida para obrigar os fornecedores de crédito a trabalhar de modo a evitar a concessão de crédito a pessoas já financeiramente doentes. Ao indivíduo cuja parte significativa dos vencimentos já está comprometida não se deve conceder de um novo empréstimo.

Conforme o dispositivo, deverá haver uma revisão contratual com o objetivo de repactuar a dívida de forma que o consumidor consiga honrá-la sem sacrificar o mínimo necessário à sua sobrevivência digna.

Além disso, de acordo com o Projeto de Lei 283/2012, o fornecedor ou o intermediário deverá informar ao consumidor, prévia e adequadamente, na oferta e por meio do contrato, sobre os ônus oriundos do contrato; a quantidade de prestações; o prazo de validade da oferta, que deve ser de, no mínimo, dois dias; dados pessoais do fornecedor e o direito do consumidor à liquidação antecipada do débito.

Percebe-se que a intenção do legislador é a efetivação da transparência nas relações de consumo. Com a promulgação da lei, os fornecedores estarão obrigados a demonstrar com clareza que o indivíduo poderá ficar seriamente endividado caso efetivamente contrate determinada oferta.

Por outro lado, o consumidor, tendo acesso aos dados pessoais do fornecedor, terá maior facilidade para postular seus direitos em futuras demandas judiciais.

O PL também pretende incluir no CDC o art. 54-B, § 4º. Tal novidade beneficiará o consumidor obrigando o fornecedor a nortear suas práticas publicitárias com maior clareza.

Tal projeto considerará proibido: formular preço para pagamento a prazo idêntico ao pagamento à vista; fazer referência a crédito “sem juros”, “gratuito”, “sem acréscimo”, com “taxa zero” ou expressão de sentido ou entendimento semelhante; indicar que uma operação de crédito poderá ser concluída sem consulta a serviços de proteção ao crédito ou sem avaliação da situação financeira do consumidor; ocultar, por qualquer forma, os ônus e riscos da contratação do crédito, dificultando a compreensão do contrato ou estimular o endividamento do consumidor, em especial se idoso ou adolescente.

A ideia aqui proposta é proteger o consumidor das nefastas condutas cujo objetivo é apenas o lucro, sem a preocupação com a condição financeira do consumidor. Além disso, tal dispositivo faz expressa menção ao consumidor idoso quando fala sobre os riscos da contratação e da forma que o contrato deverá ser apresentado.

A atualização do CDC encontra-se atualmente no Senado Federal e garantirá ao consumidor idoso maior proteção contra o superendividamento, levando em conta suas limitações naturais e os exemplos concretos de condutas imorais por parte dos fornecedores, principalmente os de crédito.

O art. 54-F será acrescido ao CDC, e em seu inciso IV vedará, em benefício do idoso ou qualquer hipervulnerável, ao fornecedor de qualquer produto ou serviço que envolva crédito, entre outras condutas, assediar ou pressionar o consumidor, principalmente se idoso, analfabeto, doente ou em estado de vulnerabilidade agravada, para contratar o fornecimento de produto, serviço ou crédito, em especial à distância, por meio eletrônico ou por telefone, ou se envolver prêmio.

Em outras palavras, o PL visa a proteção do hipervulnerável contra o abusos cometidos por maus fornecedores, como, por exemplo, a abordagem do idoso no dia do recebimento dos proventos da sua aposentadoria, com a proposta de contratar crédito consignado. Ou o vendedor que, sabendo previamente que o idoso recebera sua aposentadoria, apresenta-se a ele, de forma ostensiva, oferecendo produtos destinados aos idosos.

Em suma, tal dispositivo busca impedir a utilização de artifícios publicitários ou de marketing, em qualquer nível, para levar o idoso a consumir e endividar-se desnecessariamente.

Além disso, o Projeto de Lei nº 283/2012 tenciona modificar o artigo 96 do Estatuto do Idoso, acrescentado o parágrafo terceiro dispondo que “não constitui crime a negativa de crédito motivada por superendividamento do idoso”.

O CDC, em seu art. 39, II, considera abusiva a recusa de atendimento, por parte do fornecedor às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes.

Percebe-se que, caso não houvesse a modificação do Estatuto do Idoso considerando a negativa de crédito por motivo de superendividamento do idoso uma conduta lícita, haveria um conflito entre normas e, consequentemente, estaria prejudicada a tentativa de tratar o problema do superendividamento.

Além disso, caso o fornecedor negasse o crédito ao idoso superendividado, estaria cometendo os crimes de “sonegar insumos ou bens, recusando-se a vendê-los a quem pretenda comprá-los nas condições publicamente ofertadas, ou retê-los para o fim de especulação”, previsto no art. 7º, VI, da lei 8.137/90 e “recusar individualmente em estabelecimento comercial a prestação de serviços essenciais à subsistência; sonegar mercadoria ou recusar vendê-la a quem esteja em condições de comprar a pronto pagamento”, previsto no art. 2º, I da lei 1.521/51.

A ideia da atualização do CDC é obrigar o fornecedor a negar o crédito quando houver o risco de superendividamento do consumidor idoso. Percebe-se que há, nesta situação, um caso bastante claro de excludente de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, uma vez que, por mais que exista o tipo material previsto em lei, o fornecedor é legalmente obrigado a agir daquela forma.

O fornecedor poderá, então negar o crédito quando perceber que o idoso não compreende com a devida clareza o ônus existente no contrato, ou, até mesmo, caso note que as prestações são insuportáveis e o idoso não terá como pagá-las sem comprometer sua renda mínima.

Por outro lado, caso o empréstimo venha a ser concedido, o idoso poderá ser gravemente prejudicado, podendo vir a requerer judicialmente a revisão contratual com o objetivo de reduzir as prestações mensais de modo que possa pagar suas despesas indispensáveis, assim como as prestações pactuadas.

Torna-se bastante claro o reconhecimento da figura do hipervulnerável, especialmente o idoso que, após a promulgação do mencionado projeto de lei terá mais meios protetivos em seu benefício. Além disso, o mercado de consumo também será beneficiado, uma vez que o consumo saudável será obrigação erga omnes e não haverá mais a figura do concorrente desleal que se utiliza de práticas nocivas aos consumidores para efetivar suas contratações.

3.2 INDÍCIOS DO SUPERENDIVIDAMENTO DO IDOSO

O consumidor é considerado superendividado quando suas despesas superam sua capacidade financeira de modo tão grave que seus recursos serão insuficientes até mesmo para os insumos básicos à sua sobrevivência, como alimentação, medicamentos, água potável etc.

O Brasil conta com mais de 14 milhões de idosos entre seus habitantes e, entre tal população, a metade vive com apenas R$ 24,00 (vinte e quatro reais) por dia (NASCIMENTO; ARAÚJO, 2014, online).

Com idade avançada, o custo de manter-se vivo torna-se mais alto, pois novas mazelas oriundas da idade aparecerão e o organismo não mais aceitará os mesmos alimentos e hábitos.

Atualmente, em Fortaleza, a cesta básica pode ser adquirida ao custo de R$ 269,81 (duzentos e sessenta e nove reais e oitenta e um centavos). Tal valor corresponde aproximadamente 40% do rendimento mensal de um indivíduo aposentado com um salário mínimo (GLOBO, 2014, online).

Além da alimentação, existem os gastos com medicamentos, moradia, água, energia elétrica entre outros. O indivíduo aposentado com apenas um salário mínimo não tem condições financeiras de arcar com as necessidades ordinárias exigidas pela idade para sobreviver com o mínimo de dignidade.

O idoso sobreviverá reduzindo os gastos de forma a encaixar seu orçamento às suas contas, ou seja, viverá a margem do mínimo necessário para uma boa qualidade de vida.

Além das exigências comuns da idade, circunstâncias extraordinárias como doenças, acidentes ou a própria concessão do crédito de forma irresponsável podem levar o idoso a ser obrigado a comprometer ainda mais seu escasso orçamento.

A situação do idoso que terá que sobreviver limitando sua renda a um salário mínimo já é bastante delicado. Quando este passa a assumir prestações novas, tal condição torna-se insustentável e ele passa a ser considerado endividado.

Todavia, se as novas prestações assumidas agravarem a saúde financeira do idoso, de modo que seu dinheiro não mais dê para arcar com o básico para sua sobrevivência, haverá o seu superendividamento.

A situação é agravada quando o idoso deve sobreviver com apenas um salário mínimo. Os gastos normais de um jovem são acrescidos com as necessidades advindas da avançada idade.

O idoso passa a criar prioridades entre suas necessidades. Terá que decidir, por exemplo, entre um medicamento necessário ou uma alimentação saudável; entre beber água potável ou executar um tratamento odontológico ou fisioterápico necessários.

O limite financeiro para manter-se vivo com boa saúde ou alimentação, encontra-se muito além do salário mínimo. Na realidade, forçar o idoso a sobreviver com um salário mínimo por mês é obrigá-lo a não ter uma digna qualidade de vida, pois o valor recebido será insuficiente para arcar com todas as despesas necessárias, ou seja, alimentação, saúde, transporte, lazer etc.

Considerando tal limite, qualquer nova prestação levaria o idoso a uma situação de endividamento, necessitando, consequentemente, de maiores cortes em seus insumos essenciais.

O superendividamento pode ser constatado entre idosos quando houver comprometimento mensal, por prestações fixas em um valor superior ao mínimo necessário para a aquisição de alimentos e medicamentos.

Em qualquer caso, será constatado o superendividamento quando o valor líquido dos vencimentos percebidos for insuficiente para que o idoso mantenha-se vivo com autonomia econômica para os atos normais da sua vida.

3.3 RECUPERAÇÃO DO IDOSO SUPERENDIVIDADO. ASPECTOS DO DIREITO BRASILEIRO E PORTUGUÊS.

Os meios protetivos existentes na legislação brasileira, como a proibição de penhora de salário (art. 649 do CPC); a proibição de penhora de bem de família (Lei 8.009/90); as restrições impostas pelo Código de Defesa do Consumidor (arts. 6º. V, 42, 43 e 71); a vedação de débito superior a 30% do salário ou pensão do funcionário público (Lei 10.820/2003); o procedimento de insolvência civil (arts. 748 a 785 do CPC), não são suficientemente efetivos para a reabilitação financeira do superendividado (CHINI; CARVALHO, 2012, p. 35-46).

Os supracitados mecanismos visam à prevenção e proteção do consumidor, entretanto, após se encontrar em situação de superendividamento, não mais terão o efeito de remediar e revitalizar a situação do indivíduo.

A proteção ao idoso é um dever da família, do Estado e da sociedade. Quando este encontrar-se superendividado, conforme já mencionado, sua vida estará em risco e, consequentemente, o objetivo do ordenamento jurídico brasileiro pertinente à proteção do idoso, estará comprometida em sua essência.

Para evitar e tratar este tipo de situação, o direito português criou o plano de pagamentos aplicável ao devedor pessoa natural.

Conforme Leitão Marques e Frade:

O modelo regulatório previsto no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas português, para as pessoas singulares compreende dois tipos de procedimento: um procedimento assente na liquidação do património do devedor, onde se admite a exoneração das dívidas remanescentes; e um procedimento alternativo, baseado na aprovação de um plano de pagamentos aos credores, o qual deverá ser entregue no tribunal pelo devedor, juntamente com a petição inicial, se for o devedor a requerer a insolvência, ou em lugar da contestação, se a insolvência tiver sido requerida por terceiro. (2004, online).

Os sistemas de apoio ao superendividamento no Direito Português, de acordo com Chini e Carvalho, constitui:

[...] um conjunto de mecanismos colocados à disposição de pessoas superendividadas por entidades habilitadas a prestar esses serviços e que têm como objetivo aconselhar, informar e acompanhar qualquer pessoa em situação de sobre-endividamento na elaboração de um plano de pagamentos, através de procedimentos conciliatórios ou através da mediação (2012, p. 35-46).

De acordo com Leitão Marques e Frade, todas as pessoas naturais podem se utilizar do sistema protetivo previsto no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas português (2004, online).

No caso do procedimento relativo ao plano de pagamentos aos credores, são abrangidas também as pessoas singulares que sejam titulares de pequenas empresas, desde que não possuam dívidas aos trabalhadores, tenham um passivo que não exceda os 300.000 € e não possuam mais de 20 credores (LEITÃO MARQUES E FRADE, 2004, online).

Conforme os supracitados autores, "o preâmbulo do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas português destaca o modelo da fresh start[9] como linha orientadora das previsões do Código em matéria de insolvência das pessoas singulares” (LEITÃO MARQUES E FRADE, 2004, online).

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Complementam os autores:

Contudo, trata-se de uma versão bastante mitigada deste modelo, na medida em que, a seguir à liquidação, decorre um período ‘probatório’ de cinco anos, durante o qual o devedor deverá afectar o seu rendimento disponível ao pagamento das dívidas aos credores que não foram integralmente satisfeitas no processo de insolvência (cessão). Só depois disso, e se a sua conduta tiver sido exemplar, poderá o devedor requerer a exoneração, obtendo assim, um perdão do remanescente não pago. Algumas dívidas, como as de alimentos, as fiscais e as resultantes de ilícitos penais ou contra-ordenacionais não são passíveis de exoneração. A exclusão do perdão para certo tipo de dívidas é frequente em alguns ordenamentos jurídicos (por exemplo, no francês, belga, sueco ou norte-americano), sendo que, habitualmente, é o interesse de um terceiro especialmente necessitado (crédito por alimentos), o interesse público (dívidas fiscais) ou o interesse da comunidade na preservação da paz social e na punição dos infractores (dívidas na sequência de processos criminais ou de contra-ordenação) que determinam uma valoração particular do legislador e, consequentemente, um tratamento diferenciado (LEITÃO MARQUES E FRADE, 2004, online).

De acordo com os Chini e Carvalho, tal plano trata “de um programa calendarizado de pagamento ou do pagamento numa só prestação” [...] em que “são criadas duas novas medidas destinadas a detectar e apoiar pessoas em situação de superendividamento”. (2012, p. 35-46).

Primeiramente:

[...] nas execuções extintas por não terem sido encontrados bens penhoráveis, é dada aos executados em situação de sobre-endividamento, como dizem os portugueses, a possibilidade de suspender a inclusão do registro do seu nome na lista pública de execuções, quando aderirem a um plano de pagamentos elaborado por uma entidade específica e enquanto estiverem a cumprir as obrigações acordadas (CHINI; CARVALHO, 2012, p. 35-46).

Em segundo lugar:

[...] no caso dos processos de execução submetidos a centros de arbitragem em que o executado seja uma pessoa em situação de sobre-endividamento, é dada a possibilidade de suspensão do processo por acordo entre as partes, se o executado aderir a um plano de pagamentos elaborado por uma entidade específica e enquanto escrever a cumpri-lo (CHINI; CARVALHO, 2012, p. 35-46).

O consumidor tem a possibilidade de evitar seu registro público como devedor, sendo necessária sua aderência a um plano de pagamento compatível com sua capacidade financeira e seu fiel cumprimento dos termos pactuados.

Além disso, no caso de execuções oriundas de procedimentos arbitrais, ao superendividado é dada a possibilidade de suspensão do processo, mediante a aderência ao plano de pagamento e cumprimento efetivo das determinações deste.

Percebe-se que, caso o devedor seja um idoso, tal plano deverá considerar a idade do indivíduo, uma vez que caso venha a propor o pagamento das dívidas em muitos anos, poderá resultar no prejuízo dos fornecedores em virtude da morte natural do devedor.

Conforme Chini e Carvalho, a importância dessas medidas se situa em dois planos:

Por um lado, uma pessoa em situação de superendividamento é, em primeira linha, alguém que necessita de auxílio para reconstruir a sua situação financeira e poder voltar a honrar seus compromissos. Daí que surge a preocupação essencial de criar condições para ajudar o cumprimento de um plano de pagamento, com os seus credores (2012, p. 35-46).

Por outro lado, continuam os autores:

[...] a criação de um plano de pagamentos por acordo entre a pessoa sobre-endividada e os seus credores traduz-se numa situação mais vantajosa para estes, uma vez que possibilita novamente a recuperação de créditos que, de outra forma, dificilmente seriam recuperados (2012, p. 35-46).

A aderência a um plano de recuperação é atrativo tanto ao consumidor superendividado, quanto ao fornecedor. Sem esta possibilidade o consumidor permanecerá sem crédito e correndo o risco de ter seus bens alienáveis executados. O fornecedor, por sua vez, reaverá o capital devido e, muitas vezes, considerado como perdido.

A Comissão de Juristas do Senado Federal assimilou a essencialidade do crédito ao consumidor e constatou a necessidade de se estabelecer um instrumento normativo de boas práticas que favoreçam a transparência e a boa-fé nesse assunto (CHINI e CARVALHO, 2012, p. 35-46).

Conforme os supracitados autores:

No âmbito do tratamento do superendividamento, foi previsto exclusivamente procedimento consensual dentro da seara de composição pacífica dos conflitos. Dessa forma, a inserção de procedimento judicial litigioso foi relegada à elaboração de legislação especial ou à inserção de regramento na reforma do Código de Processo Civil (CHINI; CARVALHO, 2012, p. 35-46).

O Projeto de Lei do Senado 283/2012 acrescentará o inciso VI e VII ao artigo 5º do Código de Defesa do Consumidor.

Com esta mudança, o artigo 5º abrangerá a questão do superendividamento como parte da Política Nacional das Relações de Consumo. Neste sentido, serão instituídos mecanismos de prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e de proteção do consumidor pessoa física, visando garantir o mínimo existencial e a dignidade humana.

Além disso, serão instituídos núcleos de conciliação e mediação de conflitos oriundos de superendividamento. O art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, que prevê os direitos básicos do consumidor, será acrescido do inciso XI.

Tal inciso introduzirá no ordenamento jurídico brasileiro a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira, de prevenção e tratamento das situações de superendividamento, preservando o mínimo existencial, por meio da revisão e repactuação da dívida, entre outras medidas.

Chini e Carvalho verificam que o inciso XI garantirá a atuação responsável do fornecedor de crédito, assim como a prevenção e tratamento do superendividamento, sendo tais objetivos alcançados mediante prestação jurisdicional (2012, p. 35-46).

Nesse contexto:

[...] o papel do Poder Judiciário para dirimir os conflitos envolvendo crédito abusivo ou desequilíbrio contratual resultante de fato superveniente e involuntário refletirá a concreção do próprio mandamento previsto no artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal. Significa dizer que cumprirá ao Estado-Juiz assegurar o direito fundamental da dignidade humana através da preservação do mínimo existencial (CHINI; CARVALHO, 2012, p. 35-46).

Certamente, a questão do superendividamento poderá ser resolvida extrajudicialmente, por composições advindas da mediação ou da arbitragem. Entretanto, não existindo a possibilidade de acordo, caberá ao Juiz zelar pelo Direito Fundamental à dignidade humana.

3.4 RESPONSABILIDADE CIVIL NA CONCESSÃO INDISCRIMINADA DE CRÉDITO CONSIGNADO.

A tutela da relação de consumo pelo CDC é evidente, devendo a concessão do crédito consignado em folha de pagamento respeitar as normas atinentes para que o negócio jurídico firmado seja transparente e legal. Todavia, ocorrendo práticas eivadas de ilegalidade que resultem na violação aos direitos do consumidor, surge o direito à reparação pelos danos causados (MARISCO; FERNANDES, 2012, p. 157-180).

O art. 5º, X da Constituição Federal assegura o direito à honra sendo garantida indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Por honra, entende-se como o efeito da existência do indivíduo diante dos seus semelhantes. Ou seja, honra é o sentimento que a pessoa tem sobre si, perante as demais pessoas.

Conforme explica Rohden:

Honra, neste sentido, é o valor que uma pessoa tem aos seus olhos e aos olhos da sociedade, por meio da conformação a determinadas formas de conduta. É uma reclamação pessoal de orgulho e também a aceitação do direito ao orgulho (2006, p. 105).

A concessão irresponsável de crédito pode ser verificada quando o fornecedor não analisa previamente se as prestações que o idoso assumirá são compatíveis com sua capacidade econômica e se não virão a impedi-lo de sobreviver com a mínima dignidade.

Além disso, muitas vezes, o dinheiro emprestado não fica com o idoso e sim com seus filhos ou parentes próximos que se utilizam da sua ignorância e natural fragilidade para conseguir o empréstimo com as facilidades e benefícios oriundos desta modalidade.

A representante da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Neuza Muller, informou em entrevista ao Portal da Câmara dos Deputados que:

Muitos idosos são coagidos pela família para fazer o empréstimo consignado. “Recebemos muitas denúncias pelo Disque 100. Muitos são coagidos por filhos, netos, que exploram essa facilidade em conseguir um empréstimo com baixas taxas de juros” (ALVES, 2012 online).

Percebe-se que o principal prejudicado na irresponsável contratação do crédito bancário é o idoso, pois terá parte dos seus vencimentos suprimida para a quitação das parcelas contratadas e, em muitos casos, nem mesmo usufruirá dos valores emprestados.

Apesar da existência da dívida, não é possível cogitar que a honra do idoso seja prejudicada com o mero desconto das prestações devidas. Entretanto, no caso em que a prestação limite os valores recebidos pelo idoso de modo a serem insuficientes para sua subsistência, pode-se considerar a existência do dano à sua honra.

Para Gabriel o (apud Cahali, p. 20) dano moral é:

[...] a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-se, desse modo, em dano que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc.) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.), dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.)”.

A falta de recursos financeiros pode levar o idoso a uma condição sub-humana, pois faltar-lhe-ão alimentos, assim como itens básicos para sua saúde e bem-estar.

Além disso, não poderá mais apresentar-se diante dos demais da mesma maneira que antes fazia, uma vez que não mais detém capacidade para consumir bens e serviços que o qualifiquem como compatível com os padrões sociais consuetudinários. Os indivíduos são qualificados pelos seus semelhantes de acordo com a forma que se exteriorizam, ou seja, pelas vestimentas, pelos locais frequentados etc.

Em outras palavras, por estar demasiadamente endividado, o idoso não mais terá recursos para vestir-se como antes fazia ou frequentar os mesmos lugares, apresentando o mesmo padrão de vida anteriormente existente.

A conduta negligente do fornecedor pode ser responsável por um sofrimento desnecessário do idoso. Caracteriza-se, assim, o dano moral, sendo imprescindível que alguma atitude seja tomada pelo fornecedor para atenuar a situação gerada.

Assim como a prevenção, a reparação dos danos morais é reconhecida no CDC como um direito básico do consumidor. No caso do idoso, a existência da circunstância lesiva gera a obrigação de indenizar do fornecedor.

A reparação do dano à honra por meio da indenização pecuniária é o meio mais simples de tratar o problema. O fornecedor indeniza o idoso com quantum indenizatório que não o deixará rico, mas terá a função de deixar o indenizado melhor, rebatendo os sentimentos negativos advindos da conduta lesiva (GABRIEL, 2012, online).

Percebe-se, então, que o superendividamento originado da má-fé do fornecedor que, ao ofertar seus produtos ou serviços, sem verificar, com o devido cuidado, se o consumidor idoso teria condições de manter-se dignamente com o resíduo dos seus vencimentos, é passível de indenização.

Avante, será analisado o princípio da boa-fé objetiva nas relações consumeristas e sua relação com o superendividamento do idoso.

3.5 O SUPERENDIVIDAMENTO DO IDOSO E O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA

O conceito de boa-fé pode ser dividido em subjetivo e objetivo. A boa-fé subjetiva é, conforme Barreto (apud NUNES, 2009; MIRAGEM, 2010):

[...] intencional, formada por íntima convicção e está sempre presente no pensamento e na vontade interna do indivíduo. Pode ser traduzida pela falta de entendimento de determinada pessoa acerca de um fato ou ausência de intenção ruim em relação à outra parte.

A boa-fé objetiva, por sua vez, representa um comportamento ético das partes que seja pautado em valores como lealdade e honestidade, objetivando a preservação do equilíbrio contratual na relação de consumo (BARRETO, 2011, p. 36).

Conforme a supracitada autora, (apud Miragem, 2010, p. 75-76):

[...] O princípio da boa-fé objetiva implica na exigência nas relações jurídicas do respeito e da lealdade com o outro sujeito da relação, impondo um dever de correção e fidelidade, assim como o respeito às expectativas legítimas geradas no outro. O exercício da liberdade de contratar, ou dos direitos subjetivos de que se é titular por força da lei ou do contrato, não podem se dar em vista exclusivamente, dos interesses egoísticos de uma das partes. Ao contrário, a boa-fé objetiva impõe que ao atuar juridicamente, seja levado em consideração também os legítimos interesses alheios, de modo a evitar seu desrespeito [...].

De acordo com o art. 51, IV do Código de Defesa do Consumidor, as cláusulas incompatíveis com a boa-fé ou a equidade serão consideradas abusivas. Ou seja, considerando que o contrato de consumo é, em regra, de adesão, pode-se concluir que o fornecedor, ao confeccionar o contrato, tem a obrigação de ter o princípio da boa-fé como base.

O princípio da boa-fé objetiva, de acordo com Schmitt, do qual têm sido extraídos no âmbito da doutrina e dos tribunais os deveres anexos de comportamento contratual:

[...] é o principal fundamento para a vedação do uso de cláusulas abusivas, especialmente em sede de contratos de consumo. Contudo, mais importante do que isso é o fato de que esse princípio é o orientador máximo do Código de Defesa do Consumidor, a ponto de ser apresentado também na forma de cláusula geral inerente a qualquer contrato celebrado com consumidores (2010, p. 120).

A boa-fé, quando se trata de relações de consumo, deve ser demonstrada com a devida clareza. O consumidor demonstra sua boa-fé quando paga os valores prometidos e o fornecedor quando cumpre sua parte entregando a coisa ou executando o serviço. Além disso, o fornecedor permanece vinculado ao contrato, devendo prestar a assistência ao consumidor em caso de vício ou defeito do produto.

Conforme Barros:

[...] é um princípio, sinalizando às partes um tipo de conduta. O contraente tem o dever de agir de acordo com determinados padrões, socialmente recomendados, de correção, lisura, honestidade, não frustrando a confiança legítima da outra parte. [...] Na realidade, exige-se que os contratantes guardem um determinado padrão ético de conduta, funcionando a boa-fé objetiva como ponte entre os mundos ético e jurídico, mais tecnicamente, como um princípio ético-jurídico. Pelo princípio da boa-fé objetiva, são jurisdicizados [sic] alguns deveres morais. Mas uma moral social, não meramente individual, ou seja, voltada para o comportamento do homem em relação aos demais (2006, online).

Barros explica que “em razão desse padrão de comportamento ético exigido pelo princípio da boa-fé decorrem alguns deveres próprios, como o dever de cooperação, cuidado e informação” (2011, p. 37).

O princípio da boa-fé objetiva, conforme Aguiar Júnior, parte da premissa de que a relação contratual norteia-se por um padrão ético de confiança e lealdade recíproco indispensável ao próprio desenvolvimento normal da sociedade moderna (1995, p. 20-27).

A ideia central existente no princípio da boa-fé objetiva consiste na intenção da parte contratante de deixar devidamente claro que realizará todos os atos necessários para que o contrato tenha o fim esperado para ambas as partes.

De acordo com o mencionado autor, as partes do contrato de consumo têm o “dever de comportar-se segundo a boa-fé se projeta a sua vez nas direções em que se diversificam todas as relações jurídicas: direitos e deveres. Os direitos devem exercitar-se de boa-fé; as obrigações têm de cumprir-se de boa-fé” (AGUIAR JÚNIOR, 1995, p. 20-27).

Em outras palavras, diante do contrato de consumo, as partes ali em negociação devem apresentar-se ao outro objetivando, apenas, efetuar o contrato. Não é aceitável que um ou outro apresente sua proposta de má-fé, ou com o interesse de locupletar-se em detrimento do outro.

Aguiar Júnior explica que:

A boa-fé se constitui numa fonte autônoma de deveres, independente da vontade, e por isso a extensão e o conteúdo da “relação obrigacional já não se mede somente nela (vontade), e, sim, pelas circunstâncias ou fatos referentes ao contrato, permitindo-se construir objetivamente o regramento do negócio jurídico, com a admissão de um dinamismo que escapa ao controle das partes”. A boa-fé significa a aceitação da interferência de elementos externos na intimidade da relação obrigacional, com poder limitador da autonomia contratual, pois através dela pode ser regulada a extensão e o exercício do direito subjetivo (1995, p. 20-27).

A parte age objetivamente com boa-fé quando segue corretamente todos os caminhos para que o contrato seja firmado conforme esperado e demonstre com a devida transparência que executou a prestação acordada. Se foi acordado que o consumidor pagaria os valores acordados por meio de transferência bancária, este deve transferir o dinheiro. O fornecedor, por sua vez, deve entregar o bem adquirido em perfeitas condições, respeitando a qualidade apresentada no momento da oferta.

Tratando-se da questão do superendividamento do idoso, o princípio da boa-fé objetiva tem a importante função de limitar o comportamento dos consumidores e fornecedores. Percebe-se que o fornecedor, quando em negociação com pessoas idosas, para agir com a boa-fé objetiva, deverá demonstrar com a devida clareza e de forma ostensiva todas as peculiaridades do contrato com potencialidade de superendividar o indivíduo.

Em outras palavras, o fornecedor deverá verificar a renda do idoso, explicar que ele deverá sobreviver com o valor residual dos seus vencimentos e constatar se ele compreendeu tudo. Neste sentido, busca-se garantir que o idoso tenha consciência do que de fato está contratando, garantindo-se assim a autonomia da vontade e evitando que os familiares induzam o idoso a efetivar o contrato em seu nome.

Pode-se concluir que o princípio da boa-fé, nas relações consumeristas com idosos é mais amplo, pois obriga o fornecedor a tomar mais precauções ao ofertar seu produto ou serviço do que faria em relações com pessoas mais jovens.

A hipervulnerabilidade do idoso leva o fornecedor a ter uma postura mais cautelosa nas ofertas, sob pena de ter a forma da contratação considerada abusiva.

De acordo com o art. 51, IV do Código de Defesa do Consumidor, são nulas as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.

A oferta é parte integrante da fase pré-contratual, e as informações ali apresentadas ao consumidor devem, assim como o próprio contrato, ter a boa-fé como base. O contrato firmado com consumidor idoso, sem a observância das peculiaridades relativas à sua capacidade financeira, é incompatível com o princípio da boa-fé objetiva e deve ser considerado nulo naquilo que for prejudicial, ou seja, os detalhes omitidos na oferta, integrantes do contrato, devem ser anulados.

3.6 ESTUDO DE CASOS

Os tópicos vistos até aqui objetivaram explicar o fenômeno do superendividamento, suas causas e sua relevância com os consumidores hipervulneráveis. Superada esta fase, passa-se à análise de casos já apreciados pelo Poder Judiciário.

No primeiro caso descrito, visando adquirir os produtos ofertados pela ré, a autora contratou o cartão da loja, devendo este ser enviado à sua residência, bem como as cobranças mensais através de boletos.

A compra foi realizada e parcelada em dez vezes. No entanto, as faturas nunca foram enviadas à autora. Essa situação lhe gerou muito desgaste, uma vez que todo mês tinha de ir até a loja para verificar o valor da fatura e realizar o pagamento.

O Poder Judiciário reconheceu a situação hipervulnerável da idosa, pois não é razoável a exigência de que uma pessoa de 93 (noventa e três) anos tenha que dirigir-se ao estabelecimento do fornecedor para realizar o pagamento do boleto. Aliás, deve-se verificar a possibilidade de pagamento por meios convencionais, ou seja, casas lotéricas, ou por meio de prepostos da própria empresa.

Nesta linha a Turma Recursal do Rio Grande do Sul, em sede de Recurso Inominado, decidiu o seguinte:

RECURSO INOMINADO. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSUMIDOR. INDENIZATÓRIA. BOLETOS DE COBRANÇA NÃO ENVIADOS, FAZENDO COM QUE A AUTORA, PESSOA IDOSA (93 ANOS), TIVESSE QUE SE DIRIGIR ATÉ A LOJA MENSALMENTE PARA REALIZAR O PAGAMENTO DAS FATURAS. IGUALMENTE CARACTERIZADA DEMAIS CONDUTAS DE EXTREMA DESCONSIDERAÇÃO PARA COM O CONSUMIDOR. DANOS MORAIS CONFIGURADOS FACE ÀS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. 1. Postula a parte autora indenização por danos morais, em razão dos inúmeros transtornos sofridos em virtude da péssima qualidade na prestação dos serviços realizados pelas rés. 2. Fato incontroverso a pactuação celebrada entre as partes, qual seja, parcelamento em dez vezes, cujos boletos seriam enviados à residência da autora. Incontroverso, outrossim, que a autora, idosa (93 anos), consumidor hipervulnerável, teve de, durante meses, se dirigir até a loja ré para proceder com o pagamento das parcelas contratadas, bem como contestar as faturas a fim de que fossem retificadas, porquanto inúmeros pagamentos feitos antecipadamente não foram compensados. 3. Ademais, não se pode exigir de uma senhora de 93 anos de idade, estrutura física (computador e acesso à internet), e conhecimentos de informática somente para consultar e imprimir fatura para pagamento. É ônus da parte ré enviar o boleto para pagamento ao endereço fornecido pelo consumidor, não o fazendo assume o risco do negócio, inclusive ao não imprimir a via quando procurada pessoalmente pelo consumidor (fl. 35). 4. Diante desse périplo, em que há agravamento da condição de hipervulnerabilidade, há, de forma excepcional, danos morais indenizáveis. [destacou-se] 5. A sentença atacada merece ser confirmada por seus próprios fundamentos, nos termos do art. 46, da Lei nº 9.099/95. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.

(TJ-RS, Relator: Fabio Vieira Heerdt, Data de Julgamento: 24/10/2013, Terceira Turma Recursal Cível. Recurso Cível Nº 71004507810)

Percebe-se que o fato de a consumidora ter idade avançada foi crucial para a conclusão da Turma Recursal acerca da existência do dano moral, uma vez que é inadmissível exigir que uma pessoa nestas condições se dirija ao estabelecimento comercial para efetuar o pagamento ou realizar negociações.

Além disso, os julgadores entenderam não ser razoável exigir o conhecimento de informática da idosa para buscar os boletos online e imprimi-los para realizar o pagamento.

Na segunda situação, verifica-se que o desconto em folha de pagamento originado pelo contrato de concessão de crédito deve ser limitado a um percentual que permita ao consumidor manter-se com os frutos do seu salário. O valor residual deve ser suficiente para que o indivíduo possa alimentar-se, vestir-se etc.

Conforme o art. 6º, § 5º da lei 10.820/03, os descontos em folha de pagamento devem ser limitados ao percentual de 30% dos vencimentos do consumidor. Além disso, deve-se perceber que o objetivo do legislador ao criar tal limite é evitar que o endividamento seja tão grave de modo que o consumidor não mais tenha recursos para sobreviver com o mínimo de dignidade. Trata-se de um meio de garantir a Dignidade da Pessoa Humana. Logo, pode-se concluir que o teto de 30% (trinta por cento) deve ser aplicado aos valores correspondentes ao valor líquido percebido pelo consumidor.

Neste sentido, segue o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

APELAÇÃO - AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. SUPERENDIVIDAMENTO. Descontos em folha de pagamento relativos a empréstimos contratados, que comprometem mais de 30% dos vencimentos da autora. O salário traduz verba alimentar e deve ser preservado um mínimo de recursos que possibilite a subsistência do devedor (CPC, art. 649, IV), sob pena de ofensa à dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1º, III). Retenção mensal que deve ser limitada a 30% [destacou-se] dos vencimentos da demandante. Aplicação dos verbetes 200 e 295, da Súmula deste TJRJ. NEGATIVA DE SEGUIMENTO AO APELO, COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 557, CAPUT, DO CPC.

(TJ-RJ - APL: 00154399220138190001 RJ, Relator: DES. CLAUDIO LUIS BRAGA DELL ORTO, Data de Julgamento: 05/12/2013, VIGÉSIMA QUINTA CAMARA CIVEL/ CONSUMIDOR, Data de Publicação: 09/01/2014 18:10)

Neste caso, considera-se súmula 200 e 295 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que, verbis:

Súmula nº 200 - “A retenção de valores em conta corrente oriunda de empréstimo bancário ou de utilização de cartão de crédito não pode ultrapassar o percentual de 30% do salário do correntista.”

Súmula nº 295 - “Na hipótese de superendividamento decorrente de empréstimos obtidos de instituições financeiras diversas, a totalidade dos descontos incidentes em conta corrente não poderá ser superior a 30% do salário do devedor.”

Tais limitações representam a tentativa do Estado de impedir o superendividamento do consumidor, todavia, apesar de haver uma significativa relevância em tal limitação, o superendividamento pode advir de outros aspectos, como despesas extraordinárias com medicamentos, desemprego etc.

A realidade é que o consumidor não é o único responsável pelo seu excessivo endividamento. O fornecedor tem grande responsabilidade neste problema, pois fornece seus produtos e serviços por meio do crédito, sem constatar se há a possibilidade de o contrato ser devidamente honrado sem o comprometimento do mínimo existencial.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul considerou, no caso abaixo, a necessidade de redução dos valores mensalmente descontados para o limite de 30%.

AÇÃO ORDINÁRIA. DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO. DESCABIMENTO DA IRREVERSIBILIDADE DA AUTORIZAÇÃO. CLÁUSULA ABUSIVA. LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS A 30% DA REMUNERAÇÃO BRUTA, DEDUZIDAS AS PARCELAS RELATIVAS AO IMPOSTO DE RENDA E PREVIDÊNCIA SOCIAL. MANTIDA A DECISÃO MONOCRÁTICA QUE JULGOU O AGRAVO DE INSTRUMENTO. APELO IMPROVIDO.

(Apelação Cível Nº 70042003855, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Guinther Spode, Julgado em 06/12/2011).

Neste caso, o magistrado reconheceu que a consumidora, que no caso é uma aposentada que percebe bruto R$ 9.554,22 (nove mil, quinhentos e cinquenta e quatro reais e vinte e dois centavos), está superendividada, pois sua dívida soma R$ 3.141,06 (três mil, cento e quarenta e um reais e seis centavos). O limite de 30% (trinta por cento) de descontos em folha, neste caso, estaria em R$ 2.866,26 (dois mil, oitocentos e sessenta e seis reais e vinte e seis centavos).

Há o desconto previdenciário de 11% (onze por cento) e o Imposto de Renda de 27,5% (vinte e sete virgula cinco por cento) que reduzem o salário para R$ 6.164,86 (seis mil cento e sessenta e quatro reais e oitenta e seis centavos). Percebe-se que é deste valor que o percentual de 30% (trinta por cento) relativo ao empréstimo consignado deveria ser descontado. Todavia, conforme o entendimento do julgador, o desconto deveria basear-se no valor bruto.

Havendo o desconto com base nos proventos brutos, o comprometimento dos alimentos percebidos pelo consumidor é bastante superior ao limite de trinta por cento necessários à manutenção do mínimo para a sobrevivência com dignidade.

O Superior Tribunal de Justiça reconheceu o superendividamento como motivo para a revisão contratual, sendo o limite de trinta por cento necessário para a preservação da dignidade do consumidor.

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. LEGALIDADE DA AVENÇA. MENORES TAXAS DE JUROS. LIMITAÇÃO DO DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO DO TRABALHADOR. PERCENTUAL DE 30%. PREVISÃO LEGAL. EQUILÍBRIO ENTRE OS OBJETIVOS DO CONTRATO E A NATUREZA ALIMENTAR DO SALÁRIO. 1. Não incidem as Súmulas 05 e 07 do STJ quando os fatos delineados pelas instâncias ordinárias se revelarem incontroversos, de modo a permitir, na via especial, uma nova valoração jurídica, com a correta aplicação do Direito ao caso concreto. 2. Este Tribunal Superior assentou ser possível o empréstimo consignado, não configurando tal prática penhora de salário, mas, ao revés, o desconto em folha de pagamento proporciona menores taxas de juros incidentes sobre o mútuo, dada a diminuição do risco de inadimplência do consumidor, por isso a cláusula contratual que a prevê não é reputada abusiva, não podendo, outrossim, ser modificada unilateralmente. 3. Entretanto, conforme preveem os arts. 2º, § 2º, I, da Lei 10.820/2003, 45 da Lei 8.112/90 e 8º do Decreto 6.386/2008, a somados descontos em folha referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil não poderá exceder a 30% (trinta por cento) da remuneração disponível do trabalhador. É que deve-se atingir um equilíbrio (razoabilidade) entre os objetivos do contrato e a natureza alimentar do salário (dignidade da pessoa humana). Precedentes do STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(STJ, Relator: Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), Data de Julgamento: 03/05/2011, T3 - TERCEIRA TURMA)

Percebe-se que o valor limite deve considerar todo valor resultado da soma das dívidas com empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil. Logo, os 30% (trinta por cento) não estão presos apenas ao empréstimo consignado.

A decisão foi sensata ao considerar o limite de trinta por cento da remuneração disponível do indivíduo. As partes contratantes não podem negociar a limitação de direitos indisponíveis como a saúde e a vida. Da mesma forma não é razoável que o contrato preveja prestações tão altos que limitem as possibilidades de o indivíduo manter-se dignamente, com saúde e bem-estar.

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Sobre o autor
Igor de Alencar Salgado

Especialista em Direito e Processo do Trabalho e em Processo Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALGADO, Igor Alencar. Aspectos do superendividamento do consumidor idoso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7237, 25 abr. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36742. Acesso em: 20 mai. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada ao curso de Direito da Faculdade 7 de Setembro, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito. Professora orientadora: Ms. Ângela Teresa Gondim Carneiro Chaves.

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