Efeitos iatrogênicos da lei de alienação parental: o Brasil na contramão da tendência mundial

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INGRID CRISTINE VIEIRA FERREIRA NUNES

RESUMO

Partindo do apelo da Organização das Nações Unidas (ONU) ao governo brasileiro, sob o fundamento do combate à violência contra as mulheres e meninas, pela revogação da Lei 12.318/2010, que dispõe sobre a alienação parental no Brasil, procedeu-se a presente pesquisa, de natureza básica estratégica, de abordagem qualitativa, de objetivos exploratórios e de procedimento bibliográfico, para apurar as razões das críticas de âmbito internacional à legislação brasileira, bem como a procedência do apelo revogatório. Para tanto, foi feita uma análise da referida Lei, considerando desde de seus fundamentos e origem até seus efeitos práticos e comparação com a normatização internacional do tema, constatando-se que o legislador brasileiro se baseou em ideologia pseudocientífica, sexista e pedófila, mediante procedimento legislativo antidemocrático, açodado e comprometido por parcialidades, resultando em uma norma que reforça a violência institucional de gênero no judiciário, em prejuízo ao melhor interesse da criança pretensamente tutelada, que resta objetificada em proveito do progenitor masculino, real beneficiário da lei, que a utiliza para perpetuar e/ou escapar das responsabilidades da violência doméstica e/ou de abusos sexuais contra mulheres e crianças ou para praticar alienação parental reversa, favorecendo a subtração internacional de crianças, em verdadeiro retrocesso dos Direitos Humanos fundamentais de igualdade e não discriminação, na contramão do tratamento internacional dado ao fenômeno da alienação parental, bem como dos estudos realmente científicos relacionados as responsabilidades parentais nos casos de divórcio e agravando o quadro de violência em que se encontram as relações familiares no Brasil e no mundo, devendo a norma ser rechaçada.

Palavras-chave: Lei 12.318/2010. Alienação Parental. Ideologia Pseudocientífica. Violência Institucional de Gênero. Melhor Interesse da Criança.

ABSTRACT

Based on the appeal of the United Nations (UN) to the Brazilian government, on the basis of combating violence against women and girls, for the repeal of Law 12.318/2010, which provides for parental alienation in Brazil, this research, of a basic strategic nature, with a qualitative approach, with exploratory objectives and a bibliographic procedure, to determine the reasons for international criticism of Brazilian legislation, as well as the origin of the repeal appeal. To this end, an analysis of the aforementioned Law was carried out, considering everything from its foundations and origin to its practical effects and comparison with the international standardization of the topic, noting that the Brazilian legislator was based on pseudoscientific, sexist and pedophile ideology, through a procedure undemocratic legislation, rushed and compromised by bias, resulting in a norm that reinforces institutional gender violence in the judiciary, to the detriment of the best interests of the supposedly protected child, who remains objectified for the benefit of the male parent, the real beneficiary of the law, who uses it to perpetuate and/or escape the responsibilities of domestic violence and/or sexual abuse against women and children or to practice reverse parental alienation, favoring the international abduction of children, in a true regression of the fundamental Human Rights of equality and non-discrimination, in the opposite direction the international treatment given to the phenomenon of parental alienation, as well as truly scientific studies related to parental responsibilities in cases of divorce and worsening the situation of violence in family relationships in Brazil and around the world, and the rule must be rejected.

Keywords: Law 12.318/2010. Parental Alienation. Pseudoscientific Ideology. Institutional Gender Violence. Best Interest of the Child.

  1. INTRODUÇÃO

Em Genebra, no dia 4 de novembro de 2022, peritos, independentes e voluntários, dos Procedimentos Especiais do Conselho dos Direitos Humanos, do sistema de Direitos Humanos da Organização das nações Unidas (ONU, 2022), apelaram ao governo brasileiro para que revogue sua Lei de Alienação Parental.

Os peritos apontaram que a referida norma jurídica poderia levar à discriminação contra mulheres e meninas, principalmente nas disputas de guarda, com agravamento dos riscos no caso de violência e abuso doméstico.

Isso porque, a teoria da alienação parental não teria base clínica ou científica e estaria sendo utilizada por pais acusados de violência doméstica e abusos para reverterem a situação contra as suas vítimas, contribuindo para a escalada dos já altíssimos níveis de violência contra mulheres e crianças no Brasil.

Diante dessa denúncia internacional, temos os seguintes problemas de pesquisa: 1) Porque a Lei 12.318/2010, que dispõe sobre a alienação parental no contexto brasileiro, e a suposta “Síndrome de Alienação Parental” (SAP), em que se baseia a Lei, têm sido questionadas em âmbito internacional, sobretudo pela ONU? e 2) Qual deve ser o destino da norma?

Para responder essas perguntas, procedeu-se a presente pesquisa de natureza básica estratégica, pois busca desenvolver conhecimentos que possam eventualmente ser utilizados para a solução de problemas conhecidos, de abordagem qualitativa, posto que analisa de forma indutiva os dados coletados, de objetivos exploratórios, na medida em que proporciona maior familiaridade com o tema da alienação parental, e de procedimento bibliográfico, já que elaborada a partir de material já publicado, seguindo a linha de pesquisa relacionada aos aspectos relevantes à análise do direito para sua efetiva aplicação na sociedade, que visa a interpretação das normas jurídicas, com o escopo de atender às necessidades da sociedade, de modo a encontrar novos caminhos e formas de transformar textos jurídicos castigados pela habitualidade em novas interpretações, a fim de oferecer uma forma incontestável de argumentação em favor da justiça.

Esta linha de pesquisa também é defendida pelos professores doutores Orides Mezzaroba e Cláudia Servilha Monteiro, ao lecionarem que:

O objeto de sua pesquisa pode ser inusitado, como também pode ser um objeto amplamente conhecido, mas cujo tratamento não esteja esgotado e, portanto, necessite ainda de investigações que forneçam respostas diferentes para problemas ainda não superados. Olhar o objeto de uma perspectiva diferente pode determinar o sucesso do resultado de uma pesquisa, daí a necessidade de conhecer as metodologias aplicáveis ao problema a que se quer responder, instrumentalizando o processo de investigação de forma consistente. (Mezzaroba & Monteiro, 2023, p. 38)

Apesar da Lei 12.318 estar em vigor desde 2010, seus fundamentos e implicações nunca foram devidamente avaliados, sua defesa sempre foi enviesada e baseada em falsos pressupostos pseudocientíficos, ignorando as crescentes reivindicações sociais em sentido contrário, manifestando-se ainda mais a atualidade do tema proposto em sua constante, renovada e crescente discussão no Congresso Nacional.

Deste modo, a presente pesquisa inova por romper com a quase unicidade na abordagem do tema pela doutrina jurídica brasileira, através da demonstração das inconsistências presentes na defesa da Lei e de seus alegados efeitos sociais positivos.

O objetivo de toda a discussão a seguir é contribuir com o fim da violência institucional contra mulheres e crianças, perpetrada pelo poder judiciário, quando da apreciação de demandas que envolvem a aplicação dos conceitos descriminatórios de alienação parental trazidos pela norma.

A presente pesquisa ganha relevo ao contribuir para que o necessário debate político, qualificado, no sentido da emancipação de mulheres e de crianças vítimas de violência, não se arrefeça, no que se refere aos efeitos deletérios impostos pela normatização dada ao tema no Brasil.

É inegável a contribuição para o necessário afastamento de falsas teorias pseudocientíficas como fundamento de normas jurídicas, que causam graves retrocessos ao processo civilizacional da humanidade e nos avanços dos direitos humanos, ao discriminarem pessoas por questões como raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Isto posto, os objetivos gerais dessa investigação são:

1) Investigar as razões que levaram a ONU a questionar a Lei brasileira de alienação parental, Lei 12.318/2010, e a suposta “Síndrome de Alienação Parental” (SAP), em que se baseia a Lei questionada;

2) Qual deve ser o destino da norma.

Para tanto, os objetivos específicos desenvolvidos pela pesquisa foram:

1) Conhecer a gênese do texto da Lei 12.318/2010;

2) Identificar o propósito da referida Lei;

3) Descobrir os fundamentos psicológicos e legais da sua (des)necessidade;

4) Levantar as incoerências originadas da aplicação legal;

5) Relacionar as críticas da ONU aos dispositivos da norma;

6) Aferir os efeitos legais sobre a subtração internacional de crianças e adolescentes;

7) Estabelecer o grau de cientificidade no qual se baseou a norma;

8) Demonstrar a normatização internacional do tema;

9) Sugerir soluções adequadas ao problema.

No desenvolvimento, através do título 2, Lei 12.318/2010 – Transformando Ideologias Pseudocientíficas em Instrumentos legais, foram contemplados os objetivos 1, 2, 3 e 7; no subtítulo 2.1, A Lei a Serviço da Defesa de Agressores de Mulheres e Abusadores Sexuais de Crianças, foram tratados mais especificamente os objetivos 4 e 5; no subtítulo 2.2, Institucionalizando a Violência Contra as Mulheres Através do Reforço de Esteriótipos de Gênero no Judiciário, também foram abordados os objetivos 4 e 5; já o subtítulo 2.3, Fomentando a Subtração Internacional de Crianças, refere-se ao objetivo 6, por sua vez, no título 3, Os Direitos Humanos Fundamentais e as Garantias de Crianças e Adolescentes, bem como em seus subtítulos 3.1, Desvirtuando o Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente, e 3.2 Inconstitucionalidades Irrevogáveis, o objetivo 8 foi abordado; por fim, o objetivo 9 tangenciou todo o trabalho, manifestando-se expressamente nas considerações finais.

A pesquisa bibliográfica teve como fontes a doutrina, a jurisprudência, as notícias, outras pesquisas e opiniões de especialistas exaradas, sobretudo, através do posicionamento de órgãos de classe.

O processo de estudo das fontes se deu conforme se referiam a cada subtema abordado e a proposta de seleção das leituras foi buscar o equilíbrio e representar, tanto quanto possível, haja vista o discurso quase unívoco a respeito do tema na doutrina brasileira, as mais diversas correntes, sem perder de vista a atualidade da obra consultada, a despeito da longevidade da Lei 12.318/2010 no ordenamento jurídico brasileiro, e a importância autoral.

A análise do material pesquisado foi efetuada de forma seletiva, segundo os critérios acima mencionados, crítica ou reflexiva, quanto as conclusões alcançadas, descritiva, quanto aos fatos narrados, e analítica, quanto aos dados colacionados, de modo a se obter o enquadramento mais abrangente possível.

A pesquisa resultou no reforço da denúncia da ONU, bem como de diversos agentes da sociedade civil brasileira, no sentido da possibilidade de desvirtuamento da Lei que deveria desalienar e aliena, que deveria proteger e fragiliza atitudes protetivas, que deveria afastar as descriminações e as institucionaliza, internacionalizando desordens de âmbito familiar e favorecendo atitudes verdadeiramente criminosas, enquanto o legislador pátrio, aliado a outros profissionais que atual no judiciário brasileiro, são os verdadeiros alienados dos efeitos práticos da Lei, embora teoricamente virtuosa, insistindo em manter seu estado atual de desrespeito aos direitos humanos fundamentais de crianças e adolescentes.

Foram recolhidos dados sobre como a Lei 12.318/2010, vem repercutindo na sociedade brasileira e internacional, tanto do ponto de vista jurídico como psicológico, tendo como referência a doutrina, a jurisprudência, as pesquisas, notícias e opiniões de especialistas a respeito do tema, aferindo a equidade da Lei de Alienação Parental frente a sua pretensão protetiva da criança e do adolescente, atingindo o objetivo de demonstrar os efeitos iatrogênicos da norma em questão, bem como a superação de seus possíveis benefícios em razão daqueles efeitos e da desnecessidade de norma específica para o atingimento dos fins pretendidos pela norma, de modo a solucionar o problema, determinando, como única possibilidade de Direito, o afastamento da norma do ordenamento jurídico brasileiro, independentemente de sua revogação, dada a sua inconstitucionalidade, diante do retrocesso que representa para os Direitos Humanos das mulheres e crianças.

  1. LEI 12.318/2010 – TRANSFORMANDO IDEOLOGIAS PSEUDOCIENTÍFICAS EM INSTRUMENTOS LEGAIS

No dia 26 de agosto de 2010, sob fortes aplausos de grandes doutrinadores do direito de família, que a aguardavam ansiosamente, entrou em vigor no Brasil a Lei 12.318, dispondo sobre a alienação parental, provocando grandes expectativas com relação a proteção dos direitos de crianças e adolescentes e com promessas de pacificação de conflitos familiares, sendo assim celebrada até os dias atuais.

A este respeito, cabe ressaltar as palavras do ilustre professor, Sílvio de Salvo Venosa:

Essa questão já vinha sendo tratada pela doutrina, afligindo os tribunais. A Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010, houve por bem colocar a problemática em termos legislativos, embora não fosse matéria essencial para isso, pois se inclui na proteção do menor, dentro do poder geral do juiz. (Venosa, 2023, p. 312)

No mesmo sentido, outro entusiasta da Lei, o Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Rodrigo da Cunha Pereira (2023, p.74), admite que: “a guarda compartilhada funciona como um antídoto da alienação parental.”, reforçando a desnecessidade de uma lei específica desta natureza, sobretudo tendo-se em vista a compulsoriedade da guarda compartilhada, trazida pela Lei 13.058/2014, que, em seu artigo 2º, alterou o parágrafo 2º, do artigo 1.584 do Código Civil, passando a estabelecer que:

Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor. (Brasil, 2014)

A normatização da alienação parental se deu através do Projeto de Lei nº 4053/2008, de autoria do Ex-Deputado e Desembargador aposentado, Régis Fernandes de Oliveira, do Partido Social Cristão, de São Paulo.

Em sua justificação o PL esclarece que (Câmara dos Deputados, 2008, p. 3): “A presente proposição tem por objetivo inibir a alienação parental e os atos que dificultem o efetivo convívio entre a criança e ambos os genitores”.

O texto prossegue definindo a alienação parental como sendo (Câmara dos Deputados, 2008, p. 3): “[…] prática que pode se instalar no arranjo familiar, após a separação conjugal ou o divórcio, quando há filho do casal que esteja sendo manipulado por genitor para que, no extremo, sinta raiva ou ódio contra o outro genitor.” e na sequencia argumenta no sentido de que essa seria uma forma de abuso emocional, que causaria uma série de distúrbios psicológicos permanentes nas crianças, trazendo como exemplos: depressão crônica, transtornos de identidade e de imagem, desespero, sentimento incontrolável de culpa, sentimento de isolamento, comportamento hostil, falta de organização e dupla personalidade.

Ocorre que, ao citar alguns transtornos mentais enquadráveis no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria, em sua 5ª edição, o DSM-5, tais como a depressão, transtornos de identidade e de imagem e dupla personalidade, também traz sintomas inespecíficos e emoções que não representam qualquer tipo de transtorno, como desespero, sentimento incontrolável de culpa, sentimento de isolamento, comportamento hostil, falta de organização, além do que sequer mencionar qualquer fonte científica como fundamento da pretensa relação causal entre alienação parental e os mesmos transtornos, sintomas ou mesmo emoções.

Segundo o próprio DSM-5:

A classificação dos transtornos está harmonizada com a Classificação internacional de doenças (CID), da Organização Mundial da Saúde, […]

Diagnósticos confiáveis são essenciais para orientar recomendações de tratamento, identificar taxas de prevalência para planejamento de serviços de saúde mental, identificar grupos de pacientes para pesquisas básicas e clínicas e documentar importantes informações sobre a saúde pública, como taxas de morbidade e mortalidade. (American Psychiatric A., 2014, p. xli e 5)

Portanto, a localização da sintomatologia própria no DSM é indispensável para a caracterização de um transtorno mental e o DSM-5, por sua vez, define transtorno mental pelos seguintes termos:

Um transtorno mental é uma síndrome caracterizada por perturbação clinicamente significativa na cognição, na regulação emocional ou no comportamento de um indivíduo que reflete uma disfunção nos processos psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento subjacentes ao funcionamento mental. Transtornos mentais estão frequentemente associados a sofrimento ou incapacidade significativos que afetam atividades sociais, profissionais ou outras atividades importantes. Uma resposta esperada ou aprovada culturalmente a um estressor ou perda comum, como a morte de um ente querido, não constitui transtorno mental. Desvios sociais de comportamento (p. ex., de natureza política, religiosa ou sexual) e conflitos que são basicamente referentes ao indivíduo e à sociedade não são transtornos mentais a menos que o desvio ou conflito seja o resultado de uma disfunção no indivíduo, conforme descrito. (American Psychiatric A., 2014, p. 20)

Sendo assim, parafraseando o conceito supratranscrito, a resposta esperada de uma criança ou adolescente e/ ou de um cônjuge a um estressor da harmonia familiar ou da perda comum da convivência familiar diária com um de seus genitores/ com seu consorte, como ocorre em um divórcio, não constitui transtorno mental, bem como não o são os desvios sociais de comportamento e conflitos que são basicamente referentes ao indivíduo e à sociedade, como aqueles advindos da dissolução conjugal.

A justificação do Projeto de Lei nº 4053/2008 segue fazendo alegações sem provas na busca de conferir-se cientificidade, ao mencionar que (Câmara dos Deputados, 2008, p. 3): “A proporção de homens e mulheres que induzem distúrbios psicológicos relacionados à alienação parental nos filhos tende atualmente ao equilíbrio.”, contradizendo a própria necessidade, em sendo procedente tal alegação, e, contrariando a sua fundamentação em um transtorno mental, ou requerer expressamente reprimenda estatal rigorosa ao transtorno, que se o fosse mereceria tratamento psiquiátrico/psicológico e/ou jurídico mais adequado, por poder inclusive representar causa de inimputabilidade/incapacidade ou ao menos de menor reprimenda legal, por tornar a conduta perpetrada pelo “alienador” menos reprovável.

O Projeto ainda faz menção as disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente, a ampla gama de instrumentos e garantias de efetividade previstos no Código de Processo Civil e a guarda compartilhada, reconhecendo que estes dispositivos legais já estabelecem um amparo contra práticas ditas alienadoras.

A fundamentação do PL foi concluída com a reprodução do artigo “Síndrome da alienação parental, o que é Isso?, de 2006, de autoria de uma das Juristas de maior referência do Direito de Família no Brasil, Maria Berenice Dias, que mais se parece com uma campanha de desqualificação das mães, como será melhor explorado mais adiante, onde a autora também deixa claro a origem de suas ideias, ao relatar que (Câmara dos Deputados, 2008, p. 6): “o psiquiatra americano Richard Gardner nominou de "síndrome de alienação parental": programar uma criança para que odeie o genitor sem qualquer justificativa.”

Susana Toporosi, psicóloga e psicanalista de crianças e adolescentes, membro da equipe de pesquisadores do Programa sobre abuso sexual de crianças e adolescentes da Secretaria de Ciência e Tecnologia da Universidade de Buenos Aires, relata que:

Nos últimos anos, estamos testemunhando a ascensão da síndrome de alienação parental (SAP) na ideologia de muitos tribunais em nosso país e de profissionais de saúde, juízes, defensores de crianças, psicólogos e assistentes sociais. Essa nomenclatura foi criada por Richard Gardner, médico clínico estadunidense agressor sexual, para provocar um fenômeno adverso aos avanços conseguidos na detecção de maus tratos e abusos sexuais a crianças e adolescentes. [...]

Segundo Gardner, é uma “lavagem cerebral” a que um dos pais, geralmente a mãe, sujeita o filho ou filha contra o outro genitor, geralmente o pai, conseguindo assim “alienar”, afastar esse genitor até fazê-lo “desaparecer”, e, em alguns casos, fazendo a criança inventar que o pai cometeu abuso sexual contra ela (Raices Monteiro, 2012). […] Não pretendemos descartar alguns casos em que isso realmente ocorre e que um terapeuta experiente consegue diagnosticar, mas nós que trabalhamos nessa área sabemos que esses casos são a minoria. [...]

A psicóloga Liliana Pauluzzi,2 denunciando o que afirmam os que usam essa síndrome como bandeira, nos relata as palavras dos próprios defensores da SAP: [...]

“As crianças mais velhas podem ser ajudadas a perceber que os encontros sexuais entre um adulto e uma criança não são considerados universalmente um ato repreensível.”

“A criança que sofreu abuso sexual geralmente é considerada vítima, apesar de a criança poder iniciar encontros sexuais ‘seduzindo’ o adulto.” (Toporosi, 2022, p. 28)

Edna Fernandes da Rocha, Doutora e Mestre em Serviço Social, assistente social judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ressalta que:

Mesmo não havendo comprovação científica de tais afirmações e não sendo a “síndrome” incluída no DSM-IV, suas ideias foram importadas para a realidade brasileira com poucos questionamentos e criticidade, e foram rapidamente absorvidas a partir do entendimento de cada área do saber. [...]

Parece-nos que a Lei de Alienação Parental, embora se proponha a garantir o direito das crianças e adolescentes vítimas ou possíveis vítimas, na verdade seria uma forma de regulação sobre as famílias (Sousa, 2015), ditando o que é certo e como as pessoas devem se relacionar. (Rocha, 2023, p. 132)

A magistrada portuguesa Maria Clara Sottomayor, ao destacar que a SAP foi rejeitada tanto pela Associação de Psiquiatria Americana (APA) como pela Organização Mundial da Saúde (OMS), acrescenta que:

Esta equipa do Instituto de Medicina Legal de Lisboa já alertou para a falta de base científica da SAP, classificando-a como um constructo sociológico operacional, que escapa à ciência jurídica e à ciência médico-psicológica e não goza de qualquer áurea científica nem miraculosa na resolução dos conflitos parentais. Nos EUA, tem sido amplamente divulgado que faltam, às teses de Richard Gardner, rigor científico e aceitação pela comunidade acadêmica e que os pretensos critérios diagnósticos são nulos lógica e cientificamente porque não se relacionam com nenhuma patologia identificável. Em Espanha, a Associação Espanhola de Neuropsiquiatria, emitiu, em 25 de março de 2010, uma declaração contra o uso clínico e legal da chamada Síndrome de Alienação Parental, ou de uma denominação alternativa, mas com a mesma virtualidade. (Sottomayor, 2021, p. 204)

Contrariando todos os argumentos anteriores, a Lei de Alienação Parental brasileira está plenamente vigente e, atualmente, conta com apenas 12 artigos, dos quais 2 foram vetados, quais sejam os artigos 9º e 10; o artigo 1º limitam-se a meramente repisar qual é a temática da norma; o art. 11 apenas estabelece a entrada imediata em vigor da Lei, quando da sua publicação; o artigo 8º traz uma norma de cunho tão somente processual ao estabelecer o foro competente para as ações fundamentadas na mesma norma, determinando que (Brasil, 2010): “A alteração de domicílio da criança ou adolescente é irrelevante para a determinação da competência relacionada às ações fundadas em direito de convivência familiar, salvo se decorrente de consenso entre os genitores ou de decisão judicial.”; e o artigo 8º-A, por sua vez, ressalta a necessária observância de garantias legais das crianças e adolescente que por ventura devam ser ouvidas ou prestem depoimento em juízo; de modo que, restam em apenas 6 artigos o conteúdo material mais relevante.

Quanto aos artigos vetados, quais sejam o 9º e o 10, nas razões do veto, que se deu por contrariedade ao interesse público, já fica evidenciada a atecnia e a falta de precisão científica da Lei, posto que, o artigo 9º proponha a utilização do mecanismo extrajudicial de solução de conflitos da mediação, como forma de solucionar os litígios surgidos no curso dos processos, que necessariamente se refeririam ao direito indisponível à convivência familiar de crianças e de adolescentes, previsto constitucionalmente no artigo 227.

Neste sentido a Lei 13.140/2015, que dispões sobre a mediação, estabeleceu em seu artigo 3º que (2015): “Pode ser objeto de mediação o conflito que verse sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação”, restando clara a impossibilidade de aplicação do instituto da mediação aos casos de alienação parental.

O veto presidencial ainda esclarece que o artigo 9º, ao inserir nesse contexto a figura do mediador, também acabaria ferindo, por conseguinte, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990 - ECA), que estabeleceu o princípio da intervenção mínima, preconizando a atuação restrita às autoridades e instituições essenciais no estabelecimento de medidas protetivas de crianças e de adolescentes, nos termos do inciso VII, do parágrafo único, do seu artigo 100.

O artigo 10, por sua vez, visava a criminalização de denúncias passiveis de afastar das suas possíveis vítimas o genitor acusado de vitimizar sua prole, sendo magistrais as lições do veto, pelo que se reproduz:

O Estatuto da Criança e do Adolescente já contempla mecanismos de punição suficientes para inibir os efeitos da alienação parental, como a inversão da guarda, multa e até mesmo a suspensão da autoridade parental. Assim, não se mostra necessária a inclusão de sanção de natureza penal, cujos efeitos poderão ser prejudiciais à criança ou ao adolescente, detentores dos direitos que se pretende assegurar com o projeto. (Brasil, 2010)

Passando a análise do conteúdo material relevante e vigente da Lei 12.318/2010, pela ordem, tem-se o artigo 2º, que conceitua a alienação parental como sendo:

(…) a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. (Brasil, 2010)

Este conceito é bastante dificultoso, pois ao identificar a alienação parental como uma interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, além de trazer um critério aferível apenas tecnicamente, por um profissional habilitado em saúde mental, os processos de formação ou de desenvolvimento humano são multifatoriais, se desenrolam ao longo dos anos e dependem da forma própria como cada criança ou adolescente processa e/ou percebe os estímulos recebidos, de modo que não seria possível precisar no curso de um processo judicial se e como haveria aquela interferência.

Segundo o DSM-5 (2014, p.19): “[...] a gama de interações genéticas/ambientais que afetam o funcionamento cognitivo, emocional e comportamental ao longo do curso do desenvolvimento humano é praticamente ilimitada.”

Para as professoras doutoras em psicologia do desenvolvimento Diane E. Papalia e Gabriela Martorell:

Os pesquisadores atuais consideram que o desenvolvimento do ciclo de vida vai “do útero ao túmulo” e abrange todo o tempo de vida dos seres humanos, desde a concepção até a morte. Além disso, eles reconhecem que o desenvolvimento pode ser positivo (p. ex., aprender a controlar as necessidades fisiológicas e matricular-se na faculdade após a aposentadoria) ou negativo (p. ex., voltar a fazer xixi na cama após um evento traumático ou isolar-se na aposentadoria). Por esses motivos, eventos como o momento da vida em que ocorre a paternidade, o emprego materno e a satisfação conjugal também são estudados pela psicologia do desenvolvimento. (Papalia & Martorell, 2022, p. 3).

Ademais, a identificação do dolo específico de promover ou induzir ao repudio do outro genitor, bem como a aferição do nexo causal da conduta dolosa com o resultado prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos, em situações tão complexas e de foro tão íntimo como as relações que se dão no âmbito privado do convívio familiar, são profundamente difíceis.

O conceito legal da alienação parental é estanque e não prevê qualquer ressalva de possíveis circunstâncias em que a interferência prevista poderia se dar de forma justificável ou apenas culposa, como quando a convivência com o outro genitor ou parente possa ser nociva para a criança ou o adolescente.

O texto legal prossegue, no Parágrafo único do artigo em comento, trazendo expressamente um rol meramente exemplificativo de condutas, subjetivas, que podem ser enquadradas no conceito aberto de alienação parental, ao livre arbítrio de juízes e peritos, ainda que perpetradas por terceiros, quais sejam:

I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;

II - dificultar o exercício da autoridade parental;

III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;

IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;

V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;

VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;

VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. (Brasil, 2010)

Quando analisamos os exemplos acima, trazidos pela lei, fica ainda mais evidenciada a dificuldade de enquadramento das condutas, de forma assertiva, no conceito da norma, haja vista que todo aquele que rompe o vínculo conjugal com o outro tem queixas em relação a este, posto que de outro modo não haveria o rompimento, desta forma se expressar seu descontentamento, ainda que baseado em fatos e não em opiniões, pode vir a configurar a conduta expressa no inciso I, se escolher matricular a criança ou o adolescente em uma instituição de ensino sem o consenso do outro genitor, que talvez prefira poupar recursos, por exemplo, mas maliciosamente aponte outras falsas razões, pode ser enquadrado no inciso II, se a instituição educadora for em regime de internato, por entender que esta garantiria melhor educação ao rebento em comum, sujeitar-se-ia em tese ao inciso III, se por ocasião da aposentadoria buscar residir no interior, crendo ter mais tranquilidade e segurança, arriscaria a identificação da figura do inciso VII pelo julgador.

As possibilidades são infinitas e identificáveis com todos os exemplos legalmente previstos e outros que o engenho humano possa criar, conforme a margem dada pela lei, permitindo que o judiciário seja utilizado para resolver qualquer querela familiar e sem importância, como são as mais abundantes e comuns querelas existentes.

Neste sentido Edna Fernandes da Rocha:

Em outras situações, observamos in locu que, muitas vezes, as alegações de alienação parental vêm de pessoas que, ainda durante a relação conjugal, não conseguiram estabelecer relações de proximidade com as/os filhas/os ou já não tinham uma efetiva e notável participação na vida destes/as. [...]

Nesse sentido, ainda que reiteradamente a mãe não consulte o pai nas tomadas de decisões, há que se indagar em que medida afirmar a ocorrência de alienação parental vai favorecer a solução do conflito familiar. [...]

Não basta levar em conta os atos isolados, enquadrando-os na lei, para que seja confirmada a alienação parental sem a devida análise aprofundada. (Rocha, 2023, p. 131)

Além disso, a norma abre a possibilidade de inversão prática dos polos da relação jurídica processual, com a vitimização do suposto alienador pelo alienado, tanto no intuito deste de prejudicar juridicamente àquele, como, na pior das hipóteses, para se tornar o alienador, prejudicando a criança ou o adolescente, que seria o real tutelado pretendido pela norma, como será melhor abordado adiante.

Para o advogado e professor Douglas Phillips Freitas (2015, p. 12), Ex-Presidente do IBDFAM do Estado de Santa Catarina e outro grande entusiasta da Lei, “É possível haver uma alienação parental recíproca, em que ambos os genitores são alienantes”, além do mais:

Importante salientar que dentre os exemplos de alienação parental arrolados na lei, como o de omitir informações escolares, tal problema encontra-se solucionado com advento de duas normas, a nova lei da guarda compartilhada (13.058/2014) e a reforma da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional – LDB (Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – alterada pela Lei 12.013, de 6 de agosto de 2009) que incluiu inciso VII no art. 12: “VII – informar pai e mãe, conviventes ou não com seus filhos, e, se for o caso, os responsáveis legais, sobre a frequência e o rendimento dos alunos, bem como sobre a execução da proposta pedagógica da escola”. (Freitas, 2015, P.43)

O artigo 3º da Lei 12.318/2010 fundamenta o enquadramento do genitor, que tenha a criança ou o adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância, como um alienador, perpetradas as condutas tão fragilmente definidas pelo dispositivo legal anterior, ao identificar a alienação parental como algo que fere o direito fundamental de convivência familiar da criança e do adolescente, prejudicando as relações afetivas com o genitor e com a família, constituindo um suposto abuso moral e o descumprimento de deveres inominados, que seriam inerentes à autoridade parental, guarda ou tutela.

Cumpre esclarecer que o direito fundamental à convivência familiar não se confundi com o convívio irrestrito com todo e qualquer familiar, em toda e qualquer circunstância, muito menos com um conceito estanque e de família.

Neste sentido cabem as preciosas lições do professor Rodrigo da Cunha Pereira:

A família transcende sua própria historicidade, pois suas formas de constituição são variáveis de acordo com o seu momento histórico, social e geográfico. Sua riqueza se deve ao mesmo tempo à sua ancoragem numa função simbólica e na multiplicidade de suas recomposições possíveis (DERRIDA, Jacques; ROUDINESCO, Elisabeth. De que amanhã: diálogo. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p. 52). Por isso haverá sempre, de uma forma ou outra, algum tipo de núcleo familiar que fará a passagem da criança do mundo biológico, instintual, para o mundo social. Neste sentido é que ela é o núcleo básico, fundante e estruturante do sujeito. Isso amplia nossa visão, ajuda a acabar com preconceitos e torna mais efetiva a aplicação do princípio da pluralidade de famílias. (Pereira, 2023, p.285)

O dispositivo legal ainda adicionou a qualificação saudável para a tipo de convivência familiar almejada pela lei e, ainda que não tenha estabelecido qualquer parâmetro do que seria um convívio saudável, o texto permite a ilação de que nem todo convívio familiar é saudável, para que seja imposto pelo Estado-Juiz.

Rodrigo da Cunha Pereira ainda leciona que:

O direito à convivência familiar não se restringe apenas aos pais, devendo se efetivar em todo o âmbito familiar.

Quando não for possível estabelecer consensualmente a convivência das crianças/adolescentes com seus familiares, o juiz atendendo aos princípios do melhor interesse dos menores deve determinar a convivência mais ampla possível. (Pereira, 2023, p.188)

Ainda, de acordo com o artigo 4ª da Lei 12.318/2010, o mero indício da prática de ato de alienação parental pode ser declarado de ofício, a qualquer tempo, em qualquer procedimento, que passará a ter prioridade de tramitação, com a decretação, de urgência, de medidas provisórias, não especificadas, que o juiz suponha serem necessárias para a preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente e para assegurarem a convivência ou reaproximação com o genitor, bastando a simples oitiva do Ministério Público para a decretação dessas medidas inespecíficas, decretadas ao arbítrio do julgador, não especialista.

O parágrafo único do artigo 4ª inviabiliza a suspensão de visitas, mesmo em face de graves denúncias contra o suposto alienado, enquanto não houver conjunto probatório robusto, através de perícia.

Ocorre que, como se vera melhor mais adiante, obter prova pericial cabal, em casos de abusos de menores, é algo extremamente raro, pela natureza privada e o excesso de confiança que permeia as relações familiares.

O artigo 5º e seus parágrafos colocam a perícia psicológica ou biopsicossocial, bem como o depoimento ou a oitiva de crianças e de adolescentes nos casos de indício da prática de ato de alienação parental, como facultativa, de acordo com o entendimento do julgador da ação e, embora tragam amplos critérios para a elaboração do laudo pericial, fixando prazo para sua elaboração e meios de disponibilização de profissionais para elaborá-lo, exige perito ou equipe multidisciplinar com aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental.

Ocorre que a alienação parental, mesmo para os seus defensores, como ressalta Sílvio de Salvo Venosa (2023, p. 312) “Nem sempre é fácil de ser aferida à primeira vista, e necessitará, então, de acurado exame da prova, principalmente técnica.

No mesmo sentido Edna Fernandes da Rocha:

Reconhecer a violação de direitos de crianças e adolescentes, nesse caso o da convivência familiar e comunitária, vai além de patologizar/medicalizar pessoas e relações familiares, reforçando estereótipos que recaem, sobretudo, em relação às mulheres. [...]

Os/as profissionais devem estar atentos/as às armadilhas da lei, porque não há respaldo no Código de Ética Profissional que possibilite a emissão de laudos e pareceres técnicos com “diagnósticos”, tal qual a lei estabelece (Rocha, 2020; 2022), como já enfatizado nesta obra. (Rocha, 2023, p.130 e 131).

O Artigo 6º, por seu turno, traz todo o rigor e gravidade da Lei, pois possibilita que qualquer ato supostamente típico de alienação parental, ou mesmo qualquer conduta que dificulte a convivência do filho menor com seu genitor, ainda que não se caracterize como um ato típico de alienação parental, ao mero juízo leigo do julgador, sem qualquer critério técnico ou objetivo e em qualquer tipo de procedimento, leve ao estabelecimento de quantas e quaisquer medidas drásticas previstas pela lei o juiz queira, como a alteração da guarda ou a inversão da obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, bem como de outros instrumentos processuais não previstos, mas que ao arbítrio do julgador sejam aptos para inibir ou atenuar os supostos efeitos da alienação parental ou dos entraves posto à convivência familiar, tudo isso sem prejuízo de responsabilização civil e criminal do atributivamente alienador, que neste caso pode passar a ser alienado pelas medidas processuais estabelecidas, sem problema algum, ao estabelecer que:

Art. 6º Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso:

I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;

II - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;

III - estipular multa ao alienador;

IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;

V - determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;

VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;

VII – (revogado). (Redação dada pela Lei nº 14.340, de 2022)

§ 1º Caracterizada mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar. (Incluído pela Lei nº 14.340, de 2022)

§ 2º O acompanhamento psicológico ou o biopsicossocial deve ser submetido a avaliações periódicas, com a emissão, pelo menos, de um laudo inicial, que contenha a avaliação do caso e o indicativo da metodologia a ser empregada, e de um laudo final, ao término do acompanhamento. (Incluído pela Lei nº 14.340, de 2022)

Cabe ainda destacar que, quanto ao acompanhamento psicológico ou o biopsicossocial, este jamais poderia ser imposto aos pais, ainda mais arbitrariamente por um juiz, partindo-se de suposta síndrome sem qualquer embasamento científico, o que torna impossível o atendimento ao comando legal do parágrafo 2º supra referido.

Segundo o DSM-5:

O diagnóstico de transtorno mental deve ter utilidade clínica: deve ajudar os clínicos a determinar o prognóstico, os planos de tratamento e os possíveis resultados do tratamento para seus pacientes. Contudo, o diagnóstico de um transtorno mental não é equivalente à necessidade de tratamento. A necessidade de tratamento é uma decisão clínica complexa que leva em consideração a gravidade dos sintomas, a importância dos sintomas (p. ex., presença de ideação suicida), o sofrimento do paciente (dor mental) associado ao(s) sintoma(s), deficiência ou incapacidade relacionada aos sintomas do paciente, riscos e benefícios dos tratamentos disponíveis e outros fatores (p. ex., sintomas psiquiátricos complicadores de outras doenças). (American Psychiatric A., 2014, p. 20)

Por fim, o artigo 7º, por um lado reforçando o papel suficientemente profilático da guarda compartilhada, por outro contrariando esse mesmo instituto jurídico, estabelece que: “A atribuição ou alteração da guarda dar-se-á por preferência ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada.”

  1. A Lei a Serviço da Defesa de Agressores de Mulheres e Abusadores Sexuais de Crianças

Como se não bastasse, a Lei 12.318/2010 não é só desnecessária para assegurar à criança e ao adolescente o direito à convivência familiar e comunitária, haja vista as disposições do ECA e o a compulsoriedade da guarda compartilhada, e carente de embasamento científico para suas proposições, conforme visto acima, como também é enviesada para atender a propósitos sórdidos, absolutamente contrários ao que professa atender.

Richard Gardner não cometeu um erro inocente ao propugnar suas teorias sobre uma suposta “Síndrome de Alienação Parental” (SAP).

Edna Fernandes da Rocha (2023, p. 65 e 70) esclarece que Gardner defendia em sua teoria falaciosa que falsas denúncias de abuso sexual contra o alienado parental, como forma de justificar a alienação, faziam parte da sintomatologia do alienador na síndrome inventada e ainda destaca que Gardner se preocupou em produzir muitas publicações, em sua maioria de artigos, com informações repetitivas sobre a SAP, para mascarar a falta de cientificidade de suas ideias, o que teria contribuído para o acolhimento da sua teoria sem os devidos questionamentos.

A magistrada portuguesa Maria Clara Sottomayor (2021, p. 200 a 211) ressalta que o médico americano elaborador da SAP prestava serviços voluntários para a Universidade de Columbia, da qual recebeu o título de professor por cortesia, mesmo sem nunca ter efetivamente lecionado na referida instituição prestigiosa de ensino, mas Gardner utilizou-se desse título para se conferir reconhecimento acadêmico e apresentar-se como um especialista diante de tribunais nos EUA, defendendo ex-combatentes acusados de violência contra as mulheres, bem como de abuso sexual contra seus filhos, desacreditando as vítimas e invertendo seus papeis como os acusados, fazendo carreira como perito em processos de divórcio ou de regulação das responsabilidades parentais.

Segundo a mesma autora, as teorias defendidas por Gardner são de origem sexista e pedófila, pois suas publicações retratavam as mulheres como objetos, que serviam para receber o sêmen masculino, e a pedofilia como instrumento da procriação, destacando os seguintes trechos de livros e entrevistas de Gardner:

A pedofilia acrescentou Gardner, “é uma prática generalizada e aceite entre literalmente bilhões de pessoas.” Interrogado, novamente, por um entrevistador sobre o que devia fazer uma mãe, se a sua filha se queixasse de abuso sexual por parte do pai, Gardner respondeu: “O que deve ela dizer? Não digas isso sobre o teu pai. Se o disseres, eu bato-te.

No seu livro auto publicado, intitulado True and False Allegations of Child Sexual Abuse, Gardner adotava o discurso legitimador e desculpabilizante da pedofilia, afirmando que: “o incesto não é danoso para as crianças, mas é, antes, o pensamento que o torna lesivo”, citando Shakespeare: “Nada é bom ou mau. É o pensamento que o faz assim”. “Nestas discussões, a criança tem que perceber que, na nossa sociedade Ocidental, assumimos uma posição muito punitiva e moralista sobre encontros sexuais adulto-criança”. “O pai abusador tem que ser ajudado a dar-se conta de que a pedofilia foi considerada a norma pela vasta maioria dos indivíduos na história do mundo. Deve ser ajudado a perceber que, ainda hoje, é uma prática generalizada e aceite entre literalmente bilhões de pessoas”. Gardner afirmava, ainda, contrariando todos os conhecimentos científicos sobre o sofrimento das vítimas, que qualquer dano causado pelas parafilias sexuais não é o resultado das parafilias em si mesmas, mas sim do estigma social que as rodeia: “O determinante acerca de saber se experiência será traumática é a atitude social em face desses encontros, defendendo que as atividades sexuais entre adultos e crianças são “parte do repertório natural da atividade sexual humana”, uma prática positiva para a procriação, porque a pedofilia “estimula” sexualmente a criança, tornando-a muito sexualizada e fá-la “ansiar” experiências sexuais que redundarão num aumento da procriação.(Sottomayor, 2021, p. 210 e 211)

Para Sottomayor (2021, p. 201), apesar da não aceitação das ideias de Gardner em seu país, elas se espalharam por alguns tribunais de outros países, por representem soluções fáceis para problemas complexos, e têm contribuído para revitimizar muitas mulheres e crianças vítimas de violência doméstica e abuso sexual, bem como para desestimular mulheres de se defenderem e aos seus filhos, na medida em que desacredita e discrimina as vítimas, através da psiquiatrização do exercício de seus direitos.

Nas próprias palavras da autora:

O próprio Gardner admite que alguns pais negligentes e abusivos estão a utilizar a SAP como uma manobra de defesa e encobrimento do seu comportamento, e que a sua teoria sobre a distinção entre acusações falsas e verdadeira já permitiu que fossem absolvidos progenitores que, de facto, abusaram sexualmente dos/as filhos/as. Nos EUA, grupos de pais e trabalhos de investigação descrevem numerosos casos em que os tribunais transferiram a aguarda das crianças a abusadores conhecidos ou prováveis, e em que foi negado o direito de visita ao progenitor que pretendia proteger a criança. A SAP tem destruído, conforme divulga o jornal Independent, centenas, talvez milhares, de famílias americanas. (Sottomayor, 2021, p. 216)

As ideias de Gardner terminaram vitimizando seu próprio autor, que se suicidou esfaqueando-se violentamente em 25 de maio de 2003, conforme noticiou o New York Time, em matéria referenciada pela mesma autora (2021, p. 211).

O processo legislativo que deu origem a Lei de alienação parental também não teve a lisura necessária.

Neste sentido, Edna Fernandes da Rocha (2023, p. 79) relembra a influência e pressão que tiveram associações e ONGs de Pais, que lutavam pelo reconhecimento jurídico da alienação parental, movidos por questões pessoais relacionadas as suas relações familiares, sobre o Projeto de Lei nº 4053/2008, que teve uma tramitação muito célere para os padrões da época, e não contou com a participação de populares isentos nas audiências públicas, ressaltando que:

Gois e Oliveira (2019) trazem valorosas reflexões a respeito de leis, pois, quando aprovadas por influência de determinados grupos, isso ocorre sem o devido debate por parte da sociedade, o que não favorece que essa assimile a propositura e contribui para a judicialização, nesse caso, das demandas familiares, a exemplo da Lei de Alienação Parental.

Em nosso entendimento, isso explicaria o fato de mesmo depois de mais de uma década após a sua aprovação15, a lei de alienação parental ainda permaneça suscitando inúmeras discussões e distintos posicionamentos com relação à sua aplicabilidade. (Rocha, 2023, p. 83)

Os resultados obtidos pela aplicação dos dispositivos legais originados desse processo legislativo falam por si mesmos.

A este respeito, Edna Fernandes da Rocha conta que:

Em 2017, a Comissão Parlamentar de Inquérito sobre maus-tratos a crianças e adolescentes, presidida pelo então Senador Magno Malta, discutiu, entre vários assuntos, a alienação parental e a revogação da lei, por meio do PL n. 498/201819. Houve o entendimento de que a Lei n.12.318/2010 estaria causando mais problemas do que soluções, pois pais que abusam sexualmente das/os filhas/os estariam exigindo a manutenção da convivência e até obtendo a guarda, alegando que as mães estariam cometendo alienação parental, diante de supostas falsas denúncias de abuso sexual20.

O Conanda apresentou em 30 de agosto de 2018 uma nota pública21 sobre a Lei da AP. Em nota, o Conselho apontou a falta de fundamentação científica na qual a lei foi construída, sem a ampla discussão com a sociedade nem com profissionais que estudam o tema, nem mesmo com o referido Conselho. [...]

Nesse sentido, há outra preocupação expressa no documento com relação à proteção, especialmente em casos reais de abuso sexual e a lei da AP inibir que as denúncias sejam feitas junto aos órgãos competentes. [...]

Ao longo do ano de 2019, a discussão a respeito da revogação foi retomada, com a realização de audiências públicas22 promovidas por deputados do Congresso Nacional.

Por exemplo, a Ação Direta de Inconstitucionalidade — ADIn n.6.273 —, ajuizada pela Associação de Advogadas pela Igualdade de Gênero em 29.11.2019, apontava que a “alienação parental se banalizou e vem sendo usada para enquadrar todo tipo de divergência em disputas judiciais de divórcio, guarda, regulamentação de visitas, investigações e processos criminais por abuso sexual, seja para atacar, defender ou simplesmente como argumento de reforço” a medidas de proteção à criança e à/ao adolescente já previstas no ECA. Contudo, a referida ação também foi arquivada em dez./2021 porque, por unanimidade, os ministros do Supremo Tribunal Federal — STF — entenderam que a associação de advogadas não tinha legitimidade constitucional para propor a ADIn, porque não tinha representatividade nacional em seu estatuto, assim como não havia vinculação entre o conteúdo da lei e o interesse direto e imediato da referida associação23. [...]

Ademais, além do posicionamento do Conanda, já citado, vale destacar que outros órgãos públicos também se manifestaram por meio de Notas Técnicas, na mesma direção pela revogação total ou parcial da Lei de Alienação Parental, a exemplo da Defensoria Pública do Estado de São Paulo26 e do Ministério Público Federal27. […]

Gradativamente, os projetos que buscavam a revogação da lei foram arquivados prevalecendo, no momento, a manutenção da Lei de Alienação Parental, cujas alterações não modificam o seu caráter regulatório e punitivo, mantendo o seu status quo. (Rocha, 2023, p. 84-88)

No contexto internacional o resultado da normatização da alienação parental não tem sido diferente.

Nos dizeres de Edna Fernandes da Rocha:

O Brasil é um dos poucos países, senão o único, que mantém em vigor a lei contra a alienação parental.

Em agosto/2017, o México16 revogou a lei que também tinha a proposta de combater a alienação parental. Criada no México em 2014, a lei nesse país estaria levando juízas/es a modificar a guarda em favor dos agressores, diante da complexidade de distinguir alienação parental de abuso sexual. Nessa lógica, a legislação não estava protegendo as crianças. (Rocha, 2023, p. 84)

A advogada Myllena Calasans acrescenta que:

[…] a maioria dos outros países sul-americanos não tem uma lei específica para tratar de alienação parental como ocorre no Brasil. Em Porto Rico, o assunto é tratado na Lei de Seguridade, Bem-estar e Proteção das Crianças e define alienação parental como uma forma de maus tratos. Na Argentina, a questão está prevista no Código Penal desde 1993 e, no Chile, o tema é garantido no Código Civil e faz modificações nas legislações internas do país.

Na Costa Rica, a alienação parental está sendo discutida em projeto de lei que, de acordo com Myllena, tem semelhanças com a lei brasileira. Ela explica que a previsão do que seria equivalente à alienação parental é chamado de violência parental, mas com as justificativas da lei brasileira, “com a diferença de que lá a proposta é fazer um acréscimo na lei contra a violência doméstica, de 1996 – uma das primeiras do continente”. (Agência Câmara de Notícias, 2018)

Maria Clara Sottomayor conta que já no ano 2000 o Supremo Tribunal norte-americano se pronunciou contra a validade científica da SAP. Em 2006 foi a vez do Conselho Nacional de Juízes dos Tribunais de Família e de Menores do mesmo país qualificarem a SAP como:

[…] uma “síndrome desacreditada pela comunidade científica”, que “conduz os tribunais a assumir que os comportamentos e atitudes das crianças em relação ao progenitor dito ‘alienado” não têm fundamento na realidade”. A SAP também desloca a atenção dos profissionais, dos comportamentos do progenitor abusivo para os do progenitor dito alienador, não averiguando se foi o progenitor alienado que causou diretamente as respostas da criança, atuando de forma violenta, desrespeitosa, intimidatória, humilhante ou desonrosa em relação à criança ou em relação ao outro progenitor. Esta tese favorece, na prática, os agressores de crianças, nos litígios pela guarda e branqueia o seu comportamento. (Sottomayor, 2021, p. 206)

A autora (2021, p. 225 e 231) prossegue relatando que o mesmo se deu na jurisprudência portuguesa, quando a SAP começou a ser comercializada por advogados e peritos, defensores de pais acusados de abuso sexual contra seus filhos, ocasionando a desvalorização dessas acusações nos processos de regulação das responsabilidades parentais, sendo que tais acusações, mais tarde, restavam comprovadas em processos criminais, de modo que a tendência europeia atual é o banimento da SAP da prática jurídica, conforme Resolução do Parlamento Europeu:

A recente Resolução do Parlamento Europeu, de 6 de outubro de 2021, sobre o impacto da violência doméstica e do direito de custódia nas mulheres e crianças, alerta para o perigo que representa, para as mulheres vítimas de violência doméstica, a utilização do conceito de alienação parental nos processos de guarda de crianças, afirmando a sua falta de validade científica e a sua instrumentalização pelos agressores como uma forma de controle e de poder sobre as vítimas. [...]

No ponto 41 da citada Resolução, o Parlamento Europeu [...] insta os Estados-Membros a não reconhecerem a síndrome da alienação parental na sua prática judicial e na sua legislação e a desencorajarem ou até a proibirem a sua utilização em processos judiciais, em particular durante as investigações para determinar a existência de violência. (Sottomayor, 2021, p. 253 e 254)

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  1. Institucionalizando a Violência Contra as Mulheres Através do Reforço de Estereótipos de Gênero no Judiciário

Os preconceitos nos quais se baseiam a normativa legislativa são mais do que pseudocientíficos, posto que contrariam a verdadeira ciência, expressa pelos diversos estudo científicos aludidos, bem como pelo posicionamento dos órgãos técnicos e de saúde mental no Brasil e no mundo, reverberando na aplicação do direito e reforçando a violência institucional de gênero perpetrada pelo judiciário.

Nas preciosas lições dos professores Cleyson de Moraes Mello e Patrícia Bordinhão:

De acordo com a Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, adotada pela OEA em 1994) violência contra a mulher é qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado. A violência baseada no gênero pode ser classificada, de forma não exaustiva, da seguinte forma: [...] Violência Institucional - Violências praticadas por instituições como [...], Poder Judiciário ([...] taxar uma mulher de vingativa ou ressentida em disputas envolvendo alienação parental ou divórcio). (Mello & Bordinhão, 2023, p. 25-27)

Desde o seu nascedouro, a Lei 12.318/2010 tenta mascarar, sem sucesso, seu proselitismo preconceituoso contra as mulheres, na medida em que, embora preveja a alienação parental como uma prática possível a qualquer parente ou terceiro, ligado tanto a linha ancestral materna quanto paterna, a bem da verdade, o projeto da Lei tem um claro proposito patriarcal, tanto pelos atores que a propuseram, quanto pelos fatos sociais apontados como fundamentos do fenômeno intitulado alienação parental.

Tanto é assim que, na justificação do Projeto de Lei nº 4053/2008 (2008, P.4) há expressa menção a origem da propositura legislativa nas opiniões, nada científicas ou isentas, de diversas associações civis de pais separados e em artigos traduzidos pelas mesmas, como o artigo “Síndrome de Alienação Parental”, de François Podevyn, onde o próprio autor faz questão de deixar claro que não é jurista, nem médico, nem tradutor, somente um pai que compilou, de modo resumido, textos esparsos, encontrados na internet, cujo principal autor, citado ao longo de todo o texto, é o Gardner, prefaciando que:

Há seis meses, ignorava tudo sobre Síndrome de Alienação Parental. Depois que me separei da mãe de meus 3 filhos, vejo-os afastarem-se de mim cada vez mais, apesar de todos os meus esforços. Graças à Internet encontrei – como outros – uma abundante literatura sobre este assunto.

O objetivo deste documento é oferecer um resumo para os advogados, juízes, promotores e outros especialistas dos tribunais que resolvem estes tipos de casos. (Podevyn, 2001)

Na mesma justificação (2008, P.5 a 9), temos a transcrição do texto de Maria Berenice Dias, em que a autora situa a origem do fenômeno alienação parental no ressentimento da mãe “Ao ver o interesse do pai em preservar a convivência com o filho, quer vingar-se, afastando este do genitor.”, deixando claro que o propósito da lei é punir a mãe “alienadora” e proteger o pai “alienado”.

Neste mesmo sentido:

Barbosa e Castro (2013) apontam para a falta de criticidade de Darnall e Gardner, que não abordam questões de gênero/patriarcado, já que a mulher sempre figura como sendo vingativa e possessiva, e o homem como vítima, ainda que ambos reconheçam que tanto o pai como a mãe podem promover o afastamento das/os filhas/os. (Rocha, 2023, p. 75)

Contrariando a Mens legis, que se baseia em claro preconceito de gênero contra as mulheres, nas preciosas lições de Maria Clara Sottomayor (2021, p. 199 e 200), a ciência revela que a recusa dos filhos ao convívio com um dos pais pós divórcio é um fenômeno comum, multifatorial, temporário e sem correlação necessária com campanhas difamatórias de mães rancorosas, como os defensores da alienação parental procuram estabelecer, esclarecendo que:

De acordo com os estudos longitudinais de Judith Wallerstein, que entrevistou filhos de pais divorciados, na altura do divórcio, um ano depois do divórcio, e ainda 5 anos, 10 anos e 25 depois, a aliança da criança a um dos pais contra o outro significa um comportamento de cooperação com o sofrimento causado pelo divórcio, que serve para fazer face à depressão, tristeza e solidão, não estando relacionado com perturbação emocional da criança nem do progenitor. Sabe-se que, quando a recusa da criança é injustificada, as crianças acabam por abandonar o comportamento de rejeição, resolvendo-se todos os casos do estudo de Wallerstein, um ou dois anos depois, com as crianças a lamentar o seu anterior comportamento e a retomar a relação com o pai, antes de completarem 18 anos. Nos EUA, estudos sobre direito de visita demonstram que não se verifica, nos casos de recusa da criança, a conclusão dramática de Gardner, do corte total e definitivo com o progenitor sem a guarda. (Sottomayor, 2021, p. 200)

Segundo a mesma autora (2021, p. 217 e 218) não há neutralidade quanto ao género no tratamento judicial de processos de alienação parental, apontando que estudos realizados na Espanha revelaram que a retirada da guarda em casos de alienação parental só é comum quando o diagnóstico se refere a mãe. Nos EUA a probabilidade de as alegações de alienação parental resultarem em inversão da guarda era 2.6 vezes maior em favor do pai alegante do que da mãe, especialmente nos casos em que essas alegações eram acompanhadas de acusações de abuso sexual ou violência doméstica contra o genitor masculino. Além do mais, nos mesmos países, verificou-se as mesmas tendencias discriminatórias nos relatórios de avaliação psicológica (2021, p. 212), onde restou constada a falta de critérios técnicos rigorosos, a presença de ideias preconcebidas favoráveis aos pais, baseadas unicamente no relato destes, sem oportunizar o devido contraditório materno. Em Portugal, ainda se destacou o agravamento da discriminação de género pelos fatores da nacionalidade, etnia e orientação sexual, fazendo com que mulheres brasileiras e negras sofressem maior penalização nas perícias e na definição da guarda das crianças (2021, p. 212). Deste modo, não se sustenta qualquer pretensão de igualdade ou neutralidade de género prevista no texto legal, mas distante de suas origens e aplicação judicial. Neste sentido as Doutoras em Serviço Social, Dalva Azevedo de Gois e Rita C.S. Oliveira:

Criticando a suposta neutralidade do Direito e das formulações teóricas pautadas em ideias abstrato-normativas, em geral sem pesquisa de campo, os autores analisam textos e doutrinas jurídicas sobre alienação parental, e os resultados dessa análise identificam opiniões homogêneas que se repetem e reproduzem estereótipos ligados ao feminino. Embora os textos mencionem que a maioria dos alienadores seja a mulher, continuam usando “alienador e alienado”, numa suposta neutralidade ancorada no uso genérico do masculino, o que os autores referendam como insensibilidade ao gênero. Os autores classificam os perfis e padrões de comportamento estereotipados que, em geral, se encontram nos textos jurídicos a partir de três imagens femininas: (i) a mãe egoísta e controladora — aquela que, sendo central no cuidado e no convívio com o filho, não admite que ele conviva com outra pessoa, fazendo uso de artifícios para seu afastamento do pai; (ii) a ex-cônjuge ciumenta e vingativa — mulher que reage mal frente à nova relação amorosa do ex-marido, estabelecida por traição conjugal ou mesmo após a separação; (iii) a alienadora mentirosa e paranoica — a genitora que faz falsas alegações de abuso sexual, com intuito de afastar os filhos da figura paterna. A insensibilidade de gênero, discussão realizada pelos autores com base em Alda Facio (1999)1, reflete a desatenção sobre formas distintas do homem e da mulher vivenciarem o mesmo fenômeno, ao se levar em conta os papéis sociais, a valorização cultural de cada um e a posição de menor poder das mulheres. Dessa maneira, analisam que, embora os estereótipos anteriormente explicitados estejam relacionados às mulheres, os textos pesquisados pouco tratam das razões de a prática de suposta alienação parental se dar por elas. (Góes & Oliveira, 2021, p. 112)

O Conselho Federal de Psicologia brasileiro (CFP), diante de toda polêmica em torno da Lei 12.318/2010 e da proliferação de denúncias perante as suas Comissões de Ética, contra psicólogos e psicólogas, por seus pronunciamentos sobre o tema, em juízo, estabeleceu longo, amplo e democrático processo de debates e pesquisas, que resultaram na Nota Técnica Nº 4/2022/GTEC/CG.

A Nota trouxe entre as suas considerações que:

3.7 Que as alegações de prática de alienação parental incidem no campo social e jurídico, majoritariamente, sobre mães guardiãs, evidenciando, portanto, um viés de gênero;

3.8 Que as alegações de prática de alienação parental podem ocultar formas de abuso sexual, emocional e psicológico contra crianças e adolescentes em contexto de disputa de guarda;

3.9 Que as alegações de prática de alienação parental podem ser utilizadas como forma de ameaça por ex-parceiros contra mulheres, no intuito de manutenção da relação ou barganha quanto ao pensionamento dos filhos;

3.10 Que as alegações de prática de alienação parental têm servido para incentivar disputas e acusações mútuas entre pais e mães no judiciário, em detrimento de medidas extrajudiciais que favoreçam a resolução dos impasses familiares; (CFP, 2022, p.6 e 7)

A Nota Técnica Nº 4/2022/GTEC/CG “sugere que a Lei nº 12.318/10 seja revisada em seu inteiro teor, sem prejuízo ao aprofundamento do debate acerca da possibilidade de sua revogação.” e orienta seus profissionais à “não fundamentem suas análises e conclusões acerca dos membros do grupo familiar e de suas dinâmicas relacionais com base no ilícito civil, definido pela Lei nº 12.318/2010 como alienação parental;”, bem como que, ao se pronunciarem sobre o assunto levem em conta a “equidade de gênero, simetria parental, dispositivo materno, paternidade responsável, parentalidade, judicialização e medicalização da sociedade, violência contra crianças e mulheres, rompendo, assim, com concepções essencialistas ou a naturalização de padrões de conduta, preconceitos e estereótipos;”, devendo também considerar “os resultados de pesquisas que apontam para o caráter reducionista, patologizante e punitivo do termo no âmbito jurídico, que compromete o potencial criativo e resiliente do grupo familiar;”.

Na mesma nota o CFP ainda ressalta que:

O Conselho Nacional de Saúde (CNS), na Recomendação nº 3, de 11 de fevereiro de 2022, recomenda ao Conselho Federal de Medicina, Conselho Federal de Psicologia e Conselho Federal de Serviço Social “o banimento, em âmbito nacional, do uso dos termos síndrome de alienação parental, atos de alienação parental, alienação parental e quaisquer derivações sem reconhecimento científico em suas práticas profissionais”. (CFP, 2022, p. 2)

O Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), por seu turno, emitiu a Nota Técnica “O trabalho de assistentes sociais e a Lei de Alienação Parental (12.318/2010)”, concluindo que:

[…] sendo recomendada a não utilização do termo “alienação parental”, nem utilizar de seus argumentos pseudocientíficos, que não possuem reconhecimento mundial nem coerência com o projeto ético-político.

Assistentes sociais não devem se amparar em conceitos pseudocientíficos, muito menos reforçar o aparato punitivo do Estado, como o da “alienação parental”, para emitir relatórios, laudos e pareceres […]

Esperamos que nossa categoria possa se somar à luta coletiva pela revogação da lei, tendo em vista que consideramos que os impactos da Lei nº 12.318/2010 (Lei da Alienação Parental), em vez de reforçar a proteção social das crianças e adolescentes na convivência familiar, trouxe um reforço da impositividade do sistema de justiça nos preconceitos e opressões existentes no tratamento das mulheres-mães neste espaço e não contribuiu para a promoção de uma igualdade parental. (CFESS, 2022, p. 26 e 27)

Na mesma esteira, o próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em seu Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero de 2021, reconhece que:

Em relação à guarda das filhas e dos filhos, a alegação de alienação parental tem sido estratégia bastante utilizada por parte de homens que cometeram agressões e abusos contra suas ex-companheiras e filhos(as), para enfraquecer denúncias de violências e buscar a reaproximação ou até a guarda unilateral da criança ou do adolescente. (CNJ, 2021, p. 96)

  1. Fomentando a Subtração Internacional de Crianças

De acordo com o Conselho da Justiça Federal (CJF, 2021, p. 8) brasileiro: “Segundo estatísticas da Autoridade Central Administrativa Federal para Adoção e Subtração Internacional de Crianças e Adolescentes - ACAF - o número de casos de subtração internacional de crianças vem crescendo significativamente nos últimos anos, a maioria deles envolvendo mães brasileiras.”

Para Maria Clara Sottomayor (2021, p. 179 e 180) o fenômeno do aumento de casamentos binacionais, em consequência da livre circulação de pessoas dentro de blocos económicos, tem contribuído para o aumento de casos de subtração de menores e conflitos de jurisdição nas disputas de guarda das dissoluções dessas sociedades conjugais, mais pela falta de cooperação internacional do que pelas diferenças legislativas, tendo em vista a Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, que objetiva proteger o interesse da criança “contra a separação ilícita de um dos seus pais, assim como contra a desinserção do ambiente e da cultura em que estava habituado a viver”, ganhando especial relevo o rapto de crianças para países não signatários dessa Convenção.

O Brasil introduziu em seu ordenamento jurídico a Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, concluída na cidade de Haia, em 25 de outubro de 1980, através do Decreto N.º 3.413, de 14 de abril de 2000.

A Convenção (Brasil, 2000) preconiza que parte da convicção da primordialidade dos interesses da criança nas questões que digam respeito a sua guarda, visando protegê-la, internacionalmente, dos efeitos deletérios da mudança de domicílio ou da retenção ilícita, estabelecendo procedimentos para o seu retorno imediato ao Estado em que reside habitualmente, resguardando o direito de visita.

Para a Convenção, segundo o seu artigo 3º, a transferência ou a retenção de uma criança só será considerada ilícita, e, portanto, fará jus ao seu amparo normativo, quando violar o direito de guarda, o que não ocorre diante da guarda compartilhada adotada como regra no Brasil, não ensejando a incidência convencional a subtração para a “alienação parental” de quem detém ou compartilha a guarda.

O artigo 10, ao exigir que se priorize a entrega voluntária da criança, pode dar margem a nova fuga do subtrator.

Por força do artigo 12, também não é possível a ordenação do retorno imediato da criança após expirado o período de 1 ano entre a data da transferência ou da retenção indevidas e a data de início do processo, quando restar comprovado que a criança já se encontra integrada no seu novo meio, o que inviabiliza o retorno de muitas crianças cujo paradeiro demore a ser conhecido e daquelas mais novas, de fácil readaptação.

As disposições do artigo 13, por sua vez, dão margem para alegações infundadas de ‘alienação’ por parte do ‘alienado’, na medida em que permitem que o sequestrador se oponha ao retorno da criança subtraída provando que “que existe um risco grave de a criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável.”, ou, ao invés disso, um progenitor que foge para proteger seu filho de alguma situação de violência ou abuso perpetrada pelo outro progenitor, fica impedido de impedir o retorno da vítima para ser revitimizada por algoz, pois, ao se utilizar das mesmas disposições, pode ser descredibilizado, sendo apontado como alienador parental, principalmente tendo em vista as disposições dos artigos 14 ou 19, que, de modo geral, não permitem decisões sobre o fundo do direito de guarda aos Estados requeridos, valendo o que estabelecem as leis e decisões dos Estados requerentes.

Tanto é assim que o Superior Tribunal de Justiça (STJ, 2022, p. 13 e 14) brasileiro, em decisão emblemática, determinou a repatriação de menor, por retenção nova, aquela com menos de 1 ano, independentemente de perícia psicossocial para apuração da adaptação do menor, bem como da existência de risco grave de exposição à situação intolerável para o mesmo, onde se destacou que: “É desnecessária a realização de estudo psicossocial quando o fato probando, ainda que existente, revela-se incapaz de influir na decisão, ante a correta exegese da Convenção da Haia nas hipóteses de retenção nova.”

A jurisprudência mencionada não se trata de um caso isolado, pois, mais uma vez, segundo relata a magistrada portuguesa, Maria Clara Sottomayor (2021, p. 182), tem havido denúncias de que os Critérios da Convenção de Haia para a ordenação do retorno da criança têm sido utilizados de forma discriminatória, conforme o raptor seja a mãe ou o pai, sendo mais fácil a retenção dos filhos para estes últimos, o que, além de representar mais uma forma de violência institucional de gênero perpetrada pelos judiciários, coloca em risco as crianças também, principalmente nos casos de fuga por violência doméstica.

Segundo Rede europeia de apoio às vítimas brasileiras de violência doméstica (REVIBRA), organização da sociedade civil comprometida com o combate interseccional da discriminação e violência de gênero, e que faz parte da campanha mundial pela revisão da Convenção de Haia:

[…] as mães brasileiras que moram no exterior sofrem desproporcionalmente com essa aplicação. Em muitos casos, elas não são tratadas da mesma forma que seus parceiros europeus. Elas se veem afastadas de seus filhos, que retornam para a moradia de origem. Infelizmente, se considera que elas agem contra a lei ao separar os filhos dos pais, quando na verdade a imensa maioria delas escapam com as crianças para se protegerem de lares abusivos onde ocorre violência doméstica. […]

No contexto europeu, alguns países interpretam essa 'fuga' com os filhos para um outro lugar como ato criminoso. Países como a Bélgica, a Itália e a França dão o direito aos pais de denunciar o crime de sequestro, paralelamente à aplicação de Haia 28. Muitas vezes, quando isso acontece, as mães são detidas nas fronteiras do antigo país de residência e são afastadas do convívio de seus filhos. (REVIBRA, 2020 p.4 e 6)

Segundo um estudo da mesma Organização (REVIBRA, 2022 p. 6), intitulado “Considerações Sobre Violência Doméstica em Casos de Subtração Internacional (Haia 28)”, onde foram analisados 277 casos de atendimentos sociojurídicos a brasileiras residentes ou ex-residentes de países europeus, que buscaram informações sobre a aplicação da Convenção de Haia junto a REVIBRA, entre novembro de 2019 e dezembro de 2022, as atendidas, além de enfrentarem as dificuldades relacionadas a própria condição de estrangeiras, como dificuldades de acesso ao aparato judicial, isolamento social e etc., sofrem com a aplicação restritiva da Convenção, que ignora “situações de violência doméstica e seu impacto direto e indireto em menores.”, transformando-se em “instrumento de tentativa de controle e tortura mental de agressores contra mulheres mães”, aprisionadas a residência habitual do menor, vista como sempre melhor ao interesse primordial deste, para a Convenção.

O Estudo (REVIBRA, 2022 p. 7) destaca que a violência doméstica só é vista como argumento de exceção pelo artigo 13 (1) (b), quando se liga diretamente a criança, desconsiderando o impacto sobre a criança da violência sofrida pela mãe, bem como o de ser “objetificada como instrumento de vingança no contexto do término de um relacionamento marcado por violência doméstica”.

Das 277 mães analisadas, 273 (98,6%) estavam na iminência de serem reconhecidas como sequestradoras de seus próprios filhos ou isso já havia acontecido, e apenas 4 (1,4%) delas solicitaram a aplicação de Haia para o retorno de seus filhos (REVIBRA, 2022 p. 8).

Em 249 (91,2%) dos casos a violência doméstica foi apontada como razão para o rapto, sendo mais frequentemente diretamente dirigida às mães do que aos filhos. “Entretanto, a violência

contra a criança é a mais difícil de ser evidenciada, uma vez que mães migrantes temem que seus filhos sejam retirados de seu convívio ao denunciar as agressões dos abusadores.” (REVIBRA, 2022 p. 10 e 14)

As considerações finais do Estudo destacam que o peso das denúncias de violência doméstica nestes casos é ínfimo:

A maioria das crianças, mesmo com a menção da violência (incluindo física, sexual e psicológica) foi retornada [...]

Nos casos em que o retorno foi judicializado, a maioria esmagadora dessas crianças está residindo com o agressor, e muitas delas desprovidas de qualquer forma de contato com a mãe - após processo de Haia 28, considerada a sequestradora agressora dos próprios filhos.

Repensar a aplicação do protocolo 28 de Haia, portanto, é uma questão essencial de direitos humanos de pessoas brasileiras, sobretudo mulheres e crianças migrantes. (REVIBRA, 2022 p. 15)

Sendo assim, a Lei 12.318/2010 acaba criando ainda mais entraves na normatização internacional da Subtração Internacional de Crianças, presente na Convenção em comento, de modo que o acréscimo de casos tende a ser incrementado no Brasil, pela facilitação da reversão da guarda dos menores, diante da possibilidade de falsas denúncias de “alienação parental”.

Neste sentido os professores doutores Carmen Tiburcio e Guilherme Calmon alertam que:

[...]é importante destacar que, à luz do artigo 2º, parágrafo único, da Lei brasileira nº 12.318, de 26/8/2010 – conhecida como Lei da Alienação Parental –, é considerado ato de alienação parental no âmbito do Direito Interno brasileiro um dos pais “mudar o domicílio para local distante, sem qualquer justificativa, visando dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós”. Portanto, para o Direito brasileiro, qualquer ato de transferência de domicílio nas condições estipuladas na legislação referida poderá́ configurar ato de alienação parental, sujeitando o agente às sanções previstas no artigo 6º, [...]. A introdução de tal regra no Direito Civil brasileiro fez com que, mesmo o pai que somente tivesse direito de visita (em razão da guarda jurídica unilateral do outro), possa pedir a aplicação das medidas sancionatórias contra o genitor alienante e, por isso, implicitamente passa a haver direito de veto em favor do titular do direito de visita que, para fins do artigo 5º da Convenção da Haia, configura direitos de guarda, eis que envolve o exercício de poderes relacionados aos cuidados com a criança, em especial o de pronta comunicação e de acesso a ambos os genitores. Logo, à luz do Direito Civil brasileiro atual, mesmo o genitor que, formalmente, somente é titular do direito de visita, pode ser considerado titular dos direitos de guarda para fins de aplicação da Convenção da Haia (Tiburcio & Calmon, 2014, P.128)

  1. OS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS E AS GARANTIAS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF, 2023): “Direitos humanos são tudo o que um ser humano deve ter ou ser capaz de fazer para sobreviver, prosperar e alcançar todo o seu potencial. Todos os direitos são igualmente importantes e estão conectados entre si.”

O ministro da Suprema Corte brasileira, Alexandre de Morais (2023, p.1), ao discorrer sobre a correlação entre os direitos humanos fundamentais e o constitucionalismo, leciona que nas diversas fontes dos direitos humanos estava presente a ideia comum da “necessidade de limitação e controle dos abusos de poder do próprio Estado e de suas autoridades constituídas e a consagração dos princípios básicos da igualdade e da legalidade como regentes do Estado moderno e contemporâneo.”, de modo que os direitos fundamentais antecedem o próprio constitucionalismo, “que tão somente consagrou a necessidade de insculpir um rol mínimo de direitos humanos em um documento escrito, derivado diretamente da soberana vontade popular.”

A professora Stela Maris Britto Maziero (2020, p. 42) situa a garantia dos direitos de crianças e de adolescentes entre os direitos humanos fundamentais, na medida em que visam o desenvolvimento global do homem, especialmente quando se considera a condição peculiar de desenvolvimento em que se encontram as crianças, como prevê o ECA.

A autora (2020, p. 43) argumenta que, neste sentido, o Direito Internacional dos Direitos Humanos vem desenvolvendo, desde a década de 40, instrumentos normativos internacionais para a especial proteção de crianças e de adolescentes, mobilizando a internalização dessa “consciência mundial” nos diplomas legais de diversos países.

Neste sentido, destaca-se a Convenção sobre os Direitos da Criança (UNICEF, 2023), instrumento de direitos humanos mais aceito na história universal, que foi adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989, entrou em vigor em 2 de setembro de 1990 e o Brasil a ratificou em 24 de setembro de 1990.

A Convenção, em seu artigo 20, estabelece que: “1. Crianças temporária ou permanentemente privadas do convívio familiar ou que, em seu próprio interesse, não devem permanecer no ambiente familiar terão direito a proteção e assistência especiais do Estado.”

Deste modo, a Convenção não só preconiza o convívio familiar como também o baliza ao peculiar interesse da criança e não de seus pais, afastando qualquer pretensão de absolutização deste convívio.

A Constituição brasileira, reproduziu o comando convencional, conforme abaixo transcrito:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Brasil, 1988)

Da mesma forma o comando constitucional, ainda que indiretamente, referindo-se a todo o conjunto de direitos que preconiza, traz parâmetros para este convívio ou convivência familiar e comunitária, ao atrelá-lo a salvaguarda de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O próprio ECA, lei que dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente , conforme estabelece o seu artigo 1º, e que foi o instrumento legislativo por meio do qual o Brasil incorporou a nova doutrina da proteção integral, presente na Convenção de 1990, em diversos dos seus dispositivos, tais como no artigo 19, excepciona o convívio da criança e do adolescente com a sua família de origem, ao prever outras possibilidades, como a família substituta, e trazer critérios para a conveniência ou não dessa convivência familiar, como a qualidade do ambiente, que garanta o desenvolvimento integral dessas pessoas em formação.

Não se pode olvidar que a convivência familiar nem sempre é benéfica ao desenvolvimento pleno do ser humano, face aos números alarmantes e crescentes de violência doméstica e abuso sexual de crianças, que se dão no contexto propício da privacidade e vulnerabilidade dos lares.

Neste sentido, Maria Clara Sottomayor (2021, p. 219) denuncia a sub-identificação dos casos de abuso sexual de crianças, pela regra da falta de vestígios físicos nestes casos, bem como pela cultura de silêncio de vítimas, envergonhadas ou ameaçadas, e parentes, pressionados pelos laços familiares com o abusador, destacando que “A maior parte dos abusos sexuais de crianças é praticada por membros masculinos da família, inclusive pelo pai.”

O abuso sexual não é, ao contrário do que se pensa, um fenômeno raro e patológico. A experiência de vitimização por abuso sexual na infância é comum a uma percentagem muito elevada da população. Organizações internacionais divulgam, tal como estudos feitos em Inglaterra e nos EUA, que uma em cada quatro meninas e um em cada sete meninos são vítimas de abuso sexual maioritariamente praticados dentro da família. (Sottomayor, 2021, p. 214)

A mesma autora (2021, p. 215) ainda acrescenta que estudos norte-americanos revelam que em 75% dos casos de divórcio a violência doméstica contra a mulher esteve presente, sem, contudo, influir significativamente nas decisões de guarda, “embora esteja provado que traumatiza as crianças que se apercebem dela ou que assistem a agressões, provocando danos equivalentes ou mais graves do que os suportados pelas vítimas diretas de violência”

A magistrada (2021, p. 215) prossegue relatando que 42% das famílias norte-americanas submetidas a mediação familiar trouxeram questões relacionadas a abuso sexual infantil, violência doméstica e toxicodependência, bem como que em Portugal, os números não revelam um quadro melhor, posto que uma em cada quatro mulheres é vítima de violência por parte do companheiro ou marido.

No Brasil, segundo o Painel de Monitoramento das Medidas Protetivas de Urgência da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006 que “Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher”), presente na Base Nacional de Dados do Poder Judiciário (DATAJUD), do CNJ (2023), já foram concedidas mais 1,1 milhão de medidas protetivas só entre os anos de 2020 até julho de 2023, em uma escalada anual de milhares que os 17 anos da Lei Maria da Penha não conseguiram conter, número que supera o da população inteira de Estados da Federação como Acre, Roraima e Amapá, segundo os dados populacionais oficiais, do Censo 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (IBGE, 2023).

Segundo o Relatório “O Poder Judiciário na aplicação da Lei Maria da Penha: ano 2022”, do CNJ (2023, p. 23): “Em 2022, ingressaram no Poder Judiciário 640.867 mil processos de violência doméstica e familiar e/ou feminicídio.”, o equivalente a mais de 8 Estádios do Maracanã lotados de vítimas de violência doméstica, só entre aquelas com demandas judicializadas, considerando a capacidade máxima atual do Estádio de 78.838 pessoas, conforme o seu site oficial (Estádios do Maracanã, 2023).

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023 (p. 15 e16), do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), “crescem todos os indicadores de violência doméstica”, já que em 2022 foram 245.713 agressões por violência doméstica, um aumento de 2,9% em relação ao ano anterior, o que significa dizer que 673 mulheres diariamente denunciaram um episódio de violência doméstica nas delegacias de polícia do país, 613.529 registraram ameaças, 7,2% a mais que em 2021, foram feitas 899.485 chamadas para a polícia em razão de violência doméstica, um acréscimo de 8,7%, equivalendo a 102 ligações por hora, foram 56.560 registros de Stalking, 155 casos diários, 24.382 ocorrências de Violência psicológica, além do maior número de estupros da história, com 74.930 vítimas, 8,2% a mais que em 2021, terem ocorrido em 68,3% das vezes na residência das vítimas, que eram principalmente crianças entre 0 e 13 anos (61,4%), abusadas por seus próprios familiares (64,4% dos agressores), demonstrando o quão disfuncionais e violentas são as relações familiares no Brasil.

Em nota do Atlas da Violência 2021, também do FBSP, constou que:

21. Vale ressaltar que agressor comum nos casos de violência doméstica – costumeiramente retratado como o “cidadão de bem”, “pai de família”, “trabalhador” – não é violento na rua, com os colegas ou no ambiente de trabalho, mas é agressivo com a companheira e, por vezes, até mesmo com os filhos e com outros familiares (SANEMATSU, 2019). (FBSP, 2021, p. 42)

A Convenção sobre os Direitos da Criança, prevendo esse tipo de situação, estabeleceu em seu artigo 9º que:

1. Os Estados Partes devem garantir que a criança não seja separada dos pais contra a vontade dos mesmos, salvo quando tal separação seja necessária tendo em vista o melhor interesse da criança, e mediante determinação das autoridades competentes, sujeita a revisão judicial, e em conformidade com a lei e os procedimentos legais cabíveis. Tal determinação pode ser necessária em casos específicos – por exemplo, quando a criança sofre maus-tratos ou negligência por parte dos pais, ou, no caso de separação dos pais, quando uma decisão deve ser tomada com relação ao local de residência da criança.

2. Em qualquer procedimento em cumprimento ao estipulado no parágrafo 1 deste artigo, todas as partes interessadas devem ter a oportunidade de participar e de manifestar suas opiniões.

3. Os Estados Partes devem respeitar o direito da criança que foi separada de um ou de ambos os pais a manter regularmente relações pessoais e contato direto com ambos, salvo nos casos em que isso for contrário ao melhor interesse da criança.

4. Quando essa separação ocorrer em virtude de uma medida adotada por um Estado Parte – por exemplo, detenção, prisão, exílio, deportação ou morte (inclusive falecimento decorrente de qualquer causa enquanto a pessoa estiver sob custódia do Estado) de um dos pais da criança, ou de ambos, ou da própria criança, o Estado Parte deverá apresentar, mediante solicitação, aos pais, à criança ou, se for o caso, a outro familiar as informações necessárias a respeito do paradeiro do familiar ou dos familiares ausentes, salvo quando tal informação for prejudicial ao bem-estar da criança. Os Estados Partes devem assegurar também que tal solicitação não acarrete, por si só, consequências adversas para a pessoa ou as pessoas interessadas. (UNICEF, 2023)

De igual modo, o artigo 20 da mesma Convenção (UNICEF, 2023), determina que: “Crianças temporária ou permanentemente privadas do convívio familiar ou que, em seu próprio interesse, não devem permanecer no ambiente familiar terão direito a proteção e assistência especiais do Estado.”

A Declaração dos Direitos da Criança, proclamada pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) n.º 1386 (XIV), de 20 de novembro de 1959, uma importante declaração de princípios, que serviu de ponto de partida para a transformação da criança em sujeito de Direito para o Direito Internacional dos Direitos Humanos, traz como Princípio 6º:

A criança precisa de amor e compreensão para o pleno e harmonioso desenvolvimento da sua personalidade. Na medida do possível, deverá crescer com os cuidados e sob a responsabilidade dos seus pais e, em qualquer caso, num ambiente de afeto e segurança moral e material; salvo em circunstâncias excecionais, a criança de tenra idade não deve ser separada da sua mãe. [...] (Ministério Público de Portugal, 2023, p. 3)

A leitura desses dispositivos normativos deixa clara a necessidade de análise cuidadosa e casuística de cada situação em concreto para a aplicação escorreita do direito a convivência familiar, que fica restrita ao bem-estar e a conveniência dos interesses da criança na ambiência do convívio.

Neste quadro de coisas, a Lei 12.318/2010 na verdade fere o âmago da convivência familiar, bem como de qualquer direito referente a proteção da criança, que é o seu especial interesse, conforme será melhor abordado mais adiante.

Cabe perfeitamente a reflexão exposta por Edna Fernandes da Rocha:

Ao analisar a alienação parental, Batista (2016) aponta o caráter contraditório da lei que, embora se proponha a defender o direito da criança/adolescente ao convívio familiar, tem entre seus dispositivos para combater os atos o afastamento do/a alienador/a da criança, modificando a guarda em favor da/o alienada/o. Ela chama a atenção ao fato de a/o filha/o ser afastado do pai ou da mãe com o qual tem fortes vínculos relacionais, o que pode trazer importantes prejuízos ao desenvolvimento global dos/as filhos/as. (Rocha, 2023, p. 76)

O Conselho Federal de Psicologia brasileiro, na sua Nota Técnica Nº 4/2022/GTEC/CG, destacou que:

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), por meio da Recomendação nº 6, de 18 de março de 2022, manifestou-se pela [..] revogação da Lei nº 12.318/2010 e adoção de medidas de proibição do uso de termos que não possuam reconhecimento científico, como Síndrome de Alienação Parental, entre outros.

Em 18 de maio de 2022, foi publicada a Lei nº 14.340, que altera a Lei nº 12.318/2010 e a Lei n.º 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). As modificações propostas, contudo, não contemplam as críticas e reivindicações de movimentos sociais e atores da sociedade civil que, nos últimos anos, têm se manifestado contrariamente à Lei nº 12.318/2010. Ao contrário, produzem ainda mais judicialização das relações familiares. (CFP, 2022, p. 2)

3.1. A Lei desvirtuando o Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente

A Convenção sobre os Direitos da Criança (UNICEF, 2023), já em seu artigo 3º, antes mesmo de estabelecer qualquer direito aos seus tutelados, determina que: “1. Todas as ações relativas à criança, sejam elas levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de assistência social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar primordialmente o melhor interesse da criança.”

O Princípio do interesse superior da criança é o guia máximo de sua proteção integral, por isso o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança sobre um Procedimento de Comunicações, em vigor desde 14 de abril de 2014, o coloca como Princípio regente das funções do Comitê dos Direitos da Criança, em seu artigo 2º, também preconizando que se “terá em conta os direitos e as opiniões da criança e dará a essas opiniões o devido peso, de acordo com a idade e a maturidade da criança.”, inclusive prevendo, entre suas regras procedimentais, do artigo 3.2, a inclusão em suas regras de procedimento de salvaguardas “para evitar a manipulação da criança por quem atue em seu nome e poderá recusar-se a examinar qualquer comunicação que considere não ser do interesse superior da criança.”

O Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro, Gilmar Ferreira Mendes e o procurador brasileiro, Paulo Gustavo Gonet Branco (2023, p. 34), ao buscarem distinguir regras de princípios, pontuam que princípios são espécies de normas, de teor mais aberto, e que, portanto, careceriam de mediações concretizadoras por parte do julgador, gozando de maior importância, por servirem de fundamento para as demais normas, “seriam padrões que expressam exigências de justiça”, capazes de exercer múltiplas funções, “seriam instrumentos úteis para se descobrir a razão de ser de uma regra ou mesmo de outro princípio menos amplo”, estruturando institutos, ensejando à descoberta de regras implícitas e “propiciando o desenvolvimento e a integração do ordenamento jurídico”.

Sendo assim, o Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente orienta a aplicação e prevalece sobre todas as demais regras jurídicas pertinentes a condição peculiar das pessoas em desenvolvimento.

A Professora Doutora em Direitos Humanos, Maíra Cardoso Zapater, leciona que:

O princípio do interesse superior (também denominado princípio do melhor interesse) não se encontra expresso nesta formulação, nem no ECA nem na CF. Porém, pode-se afirmar que decorre da interpretação harmônica de todo o sistema jurídico referente aos direitos de crianças e adolescentes, bem como de sua previsão expressa50 tanto na Declaração de Direitos da Criança (1959) quanto na Convenção dos Direitos da Criança (1989), ambas ratificadas pelo Brasil. […]

É somente com a Convenção de 1989 e a adoção da doutrina da proteção integral que o paradigma do melhor interesse da criança se estende a todas as crianças como regra de interpretação do Direito da Criança e do Adolescente, para que a aplicação do ECA leve em consideração em primeiro lugar o interesse da criança e do adolescente, e não a proteção da sociedade ou preservação da família ou qualquer outra coisa neste sentido. (Zapater, 2023, p. 29)

A mencionada Declaração de Direitos da Criança, entre os 10 princípios que estabelece, traz como 2º princípio que:

A criança gozará de uma proteção especial e beneficiará de oportunidades e serviços dispensados pela lei e outros meios, para que possa desenvolver-se física, intelectual, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade. Ao promulgar leis com este fim, a consideração fundamental a que se atenderá será o interesse superior da criança. (Ministério Público de Portugal, 2023, p. 2)

É Parte do Princípio 7º da mesma Declaração (Ministério Público de Portugal, 2023, p. 3) que: “[...]O interesse superior da criança deve ser o princípio diretivo de quem tem a responsabilidade da sua educação e orientação, responsabilidade essa que cabe, em primeiro lugar, aos seus pais. [...]”

Destes princípios decorre a premissa de que o Princípio do Interesse Superior é superior a todos os demais princípios, devendo nortear não só a interpretação e aplicação dos direitos da Criança, como também a sua elaboração legislativa, bem como a atuação de seus pais ou guardiões.

No mesmo sentido o artigo 18 da Convenção sobre os Direitos da Criança dispõe que:

Os Estados Partes devem envidar seus melhores esforços para assegurar o reconhecimento do princípio de que ambos os pais têm obrigações comuns com relação à educação e ao desenvolvimento da criança. Os pais ou, quando for o caso, os tutores legais serão os responsáveis primordiais pela educação e pelo desenvolvimento da criança. Sua preocupação básica será a garantia do melhor interesse da criança. (UNICEF, 2023)

Deste modo, os pais não detêm propriamente poderes familiares sobre os seus filhos, apesar de ser está a nomenclatura adotada pelo legislador no Código Civil em diversos de seus artigos, sobretudo no seu capítulo V, mas deveres, e não é correta a identificação de direitos dos mesmos sobre seus filhos, pois enquanto pessoas e não coisas, são sujeitos e não objetos de direito, sobre os quais os pais têm a responsabilidade da guarda e não o direito de posse ou propriedade, para serem alvos de disputas mesquinhas, inclusive aquelas provenientes do suposto alienado como “resposta a alienação do alienador”, provocadas pela Lei de Alienação Parental.

Pelo princípio em comento os fundamentos da Lei 12.318/2010 restam abalados, e, nos dizeres de Maria Clara Sottomayor:

Estes processos, em que muitas vezes a criança não é ouvida e é levada ao progenitor requerente, sob coação das forças policiais, tratam a criança como um objeto, propriedade do pai, e ignoram os seus sentimentos e desejos. Acaso algum adulto está sujeito a intervenções judiciais ou policiais que o obriguem a conviver com o seu cônjuge ou ex-cônjuge, progenitores, irmãos ou outros familiares? Se julgamos impensável forçar convívio e afetos, em relação a adultos que não os desejam, por que coagir as crianças ao convívio com o progenitor não guardião? Cabe aos Tribunais impor afetos? Aprenderá a criança a respeitar os outros, quando sistema judicial não a respeita a si? (Sottomayor, 2021, p. 199)

Para Maíra Cardoso Zapater é preciso evitar decisões arbitrárias:

Pode-se afirmar que a definição dos contornos do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente passa pela construção de sua progressiva autonomia52, compatível com sua idade e condição, para que a pessoa com menos de dezoito anos possa manifestar sua opinião a respeito daquilo que entende como seu “melhor interesse”: trata-se de conferir à criança e ao adolescente o direito à voz, adotando-se abordagens participativas[..] (Zapater, 2023, p. 30)

As penalizações impostas pela Lei de Alienação Parental ao progenitor dito alienador recaem sobre a criança inocente, pois acabam por afastá-la da sua pessoa de referência, bem como de seu ambiente usual, em nome de um estreitamento supostamente necessário de sua relação com o dito alienado.

Maria Clara Sottomayor (2021, p. 243 )esclarece que essa separação da criança da sua pessoa de referência é a separação que de fato causa danos no desenvolvimento, tanto psicológicos como afetivo, da criança, e não a natural, e aconselhável nos casos de abuso e negligência, redução do convívio com o progenitor não guardião pós-divórcio, conforme comprovado em investigação científica norte-americana, que demonstrou que a adaptação da criança ao divórcio se dá não pela partilha do tempo com ambos os pais, mas pelos níveis de ansiedade e conflito entre estes.

Em suas palavras:

A adaptação da criança o divórcio depende de a criança estar aos cuidados de um progenitor consciente e responsável, que ultrapasse as suas angústias e depressões pessoais, da ocorrência ou não de outros problemas psíquicos da criança anteriormente ao divórcio, e da sua idade, sexo e temperamento.

A preferência pelo progenitor mais generoso em permitir a relação da criança com o outro incentiva o conflito entre os pais, como salienta uma advogada norte-americana, Margret K. Dore, com experiência em processos de regulação das responsabilidades parentais: “A forma mais fácil de provar que um progenitor é amistoso é provar que o outro o não é. Os pais são, assim, encorajados a criar situações que induzam o progenitor guarda a não cumprir o regime de visitas, a não cooperar com o outro ou a assumir um comportamento aparentemente alienador”.

A cláusula do progenitor amistoso tem sido usada, nos EUA, como uma forma de punir a mãe que faz alegações de abuso sexual que não ficam provadas, constituindo uma aceitação legal encoberta da terapia da ameaça, através da transferência da guarda para o outro progenitor, conforme recomendava Gardner. (Sottomayor, 2021, p. 243 e 244)

Para a mesma autora (2021, p. 247), provoca mais danos aos filhos diagnosticá-los com uma doença mental, por conta do comportamento dos pais em conflito de guarda, do que permitir um afastamento temporário entre a criança e um de seus pais, até que os ânimos se arrefeçam. Os tribunais não devem forçar um contato conflituoso, que dificulta a recuperação da criança das sequelas do divórcio. Não há comprovação científica de que a rejeição de um dos pais seja prejudicial para a criança. Aquilo que se conceitua como alienação pode ser simplesmente uma nova forma de estruturação familiar pós-divórcio, baseada em múltiplas circunstâncias. “Forçar a reunificação da família” pode ser mais prejudicial para o futuro das relações.

A magistrada portuguesa (2021, p. 248) ainda denuncia que, nos tribunais de família ocidentais, a aplicação do conceito de Alienação Parental tem induzido a “um recuo no estatuto das crianças como pessoas, titulares de direitos fundamentais e de capacidade de autodeterminação (de grau variável de acordo com a sua maturidade, idade ou outros fatores individuais).”, concluindo que:

[…] a sociedade e os tribunais têm que aceitar que a criança, como qualquer adulto, tem direito a escolher as pessoas com quem quer ou não conviver. Meios coercitivos, como a intervenção das forças policiais, negam à criança o estatuto de pessoa e a liberdade mais profunda do ser humano: a liberdade de amar ou de não amar. Não cabe o poder judicial impor sentimentos e a fetos, e exigir a perfeição moral aos cidadãos. Isto não significa negar que há pais e mães que instrumentalizam a criança e que se comportam com falta de ética na altura do divórcio, mas não se pode tomar a parte pelo todo, nem usar a força policial e judicial para resolver problemas morais e relacionais. Isto significa punir a criança pelos erros dos pais. É preferível que estes casos sejam decididos à luz de regras pragmáticas e de bom senso, tendo em conta os limites da intervenção do Estado na família e respeitando a relação da criança com a sua pessoa de referência, assim como a sua integração no seu ambiente natural de vida. [...]

[...] invocada alienação parental [...] o centro do processo deve ser a criança, e não a punição dos pais […]. A criança deve ser sempre ouvida, sem qualquer juízo de censura ou tentativa autoritária de influenciar o seu comportamento pelos magistrados ou pelos técnicos. É a partir do testemunho das crianças e dos jovens que será possível compreender os motivos da sua recusa ao convívio com um dos pais e trabalhar a possibilidade de os transpor ou de ajudar a criança ultrapassá-los. Em todos os momentos, durante o processo, as crianças devem ser respeitadas como seres pensantes e livres, com capacidade de autodeterminação, cujo depoimento é escutado com empatia e levado a sério pelo sistema judicial. (Sottomayor, 2021, p. 251 e 252)

No mesmo sentido, a Constituição brasileira (Brasil, 1988) assegura de forma expressa, como parte da proteção especial que destina à criança, ao adolescente e ao jovem, igualdade na relação processual, por força do que dispõe o seu inciso IV, do parágrafo 3º do artigo 227.

Assim também a Lei 13.431/2017 (Brasil, 2017), que Estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, no que concerne a sua escuta especializada e/ou depoimento especial e o ECA (Brasil, 1990), em seu artigo 100, parágrafo único, inciso XII, que determina a oitiva obrigatória e a participação da criança e do adolescente, quando da implantação das medidas específicas de sua proteção, bem como no artigo 111, inciso V, que estabelece como garantia processual do adolescente o “direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente”.

Outro importante instrumento jurídico de direito internacional, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 18 de dezembro de 1979 e incorporada pelo Brasil, atualmente, através do Decreto nº 4.377 de 13 de setembro de 2002, apesar de tutelar especificamente as mulheres, determina que:

Artigo 5º – Os Estados-Partes tornarão todas as medidas apropriadas para: […] b) Garantir que a educação familiar inclua uma compreensão adequada da maternidade como função social e o reconhecimento da responsabilidade comum de homens e mulheres no que diz respeito à educação e ao desenvolvimento de seus filhos, entendendo-se que o interesse dos filhos constituirá a consideração primordial em todos os casos. [...]

Artigo 16 – 1. Os Estados-Partes adotarão todas as medidas adequadas para eliminar a discriminação contra a mulher em todos os assuntos relativos ao casamento e às ralações familiares e, em particular, com base na igualdade entre homens e mulheres, assegurarão: […] d) Os mesmos direitos e responsabilidades como pais, qualquer que seja seu estado civil, em matérias pertinentes aos filhos. Em todos os casos, os interesses dos filhos serão a consideração primordial; (Brasil, 2002)

3.2. Inconstitucionalidades Irrevogáveis

A igualdade está presente por todo o texto constitucional brasileiro (Brasil, 1988), desde o seu preâmbulo, onde aparece como um valor supremo “de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”.

Segundo a mesma Constituição, constituí um dos objetivos fundamentais da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a redução das desigualdades, bem como “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, conforme os incisos I, III e IV, do artigo 3º.

Neste sentido o julgado abaixo colacionado:

A construção e o efetivo alcancem de uma sociedade fraternal, pluralista e sem preconceitos, tal como previsto no preâmbulo da Constituição Federal, perpassa, inequivocamente, pela ruptura com a práxis de uma sociedade calcada no constante exercício da dominação e desrespeito à dignidade da pessoa humana. A promoção do bem de todos, aliás, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação constitui um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, elencados no art. 3º da Constituição Federal de 1988. Assim, a delimitação do alcance material para a aplicação do acordo “despenalizador” e a inibição da persecutio criminis exige conformidade com o texto Constitucional e com os compromissos assumidos pelo Estado brasileiro internacionalmente, como limite necessário para a preservação do direito fundamental à não discriminação e à não submissão à tortura – seja ela psicológica ou física, ao tratamento desumano ou degradante, operada pelo conjunto de sentidos estereotipados que circula e que atribui tanto às mulheres quanto às pessoas negras posição inferior, numa perversa hierarquia de humanidades.

[RHC 222.599, rel. min. Edson Fachin, j. 7-2-2023, P, DJE de 23-3-2023.] (STF, 2023)

A luz da igualdade preconizada, a Lei 12.318/2010 não se sustenta, posto que, como visto nos tópicos anteriores, baseia-se em estereótipos preconceituosos de gênero, desde os seus fundamentos supostamente científicos, perpassando pela parcialidade do seu processo legislativo e desaguando nos resultados de sua aplicabilidade para as mães, que são punidas por seu zelo maternal.

Neste sentido Maria Clara Sottomayor, para quem:

A alienação parental torna-se uma espécie de <<guarda-chuva>> para advogados, tribunais e CPCJ, onde cabem todos os comportamentos típicos da maternidade protetora, por exemplo, se uma mãe revela ter preocupações com a alimentação e a saúde dos seus filhos quando estes se encontram em casa do pai, corre o risco de ser vista como uma mamãe “alienadora” e de serem questionadas as suas competências parentais. (Sottomayor, 2021, p.248)

A Lei de Alienação Parental brasileira acaba por reforçar a violência institucional do judiciário contra as mulheres, ao servir de ameaça e mordaça contra as mães que querem se ver livres da violência doméstica e dos abusos sexuais, praticados por seus companheiros contra si ou mesmo contra seus filhos, punidas com a alienação reversa da perda da guarda e visitas forçadas, que contribuem para a revitimização e até para a subtração internacional das crianças.

Nas palavras de Maria Clara Sottomayor:

É uma contradição, poder legislativo proteger as mulheres vítimas de violência, através da lei penal e processual penal, e depois esquecer que estas mulheres têm filhos/as e que aparecem nos processos de regulação das responsabilidades parentais e de incumprimento, porque recusam visitas ao agressor para protegerem a sua integridade e a dos/as seus/suas filhos/as. O pensamento dos juristas e dos legisladores, em relação à violência doméstica, deve ser global, não sendo possível conceber o direito de família num compartimento estanque em relação aos outros ramos do direito, nomeadamente em relação ao direito penal e processual penal. Mas, a violência não constitui apenas um comportamento com relevância penal, assumindo, também, relevância no direito da família, no direito do trabalho, no direito médico e no direito da segurança social, precisando as mulheres e as crianças de apoio em todas estas áreas. (Sottomayor, 2021, p. 173 e 174)

Segundo dados de 2000 a 2018 da OMS (ONU, 2021), provenientes do maior estudo já feito sobre a prevalência da violência contra as mulheres, “uma em cada 3 mulheres em todo o mundo sofre violência”, tanto física como sexual, principalmente por parte de seus parceiros. O estigma sobre tema gera subnotificações e estima-se que os números sejam ainda piores, permanecendo praticamente inalterados nos últimos 10 anos. Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, declarou que:

A violência contra as mulheres é endêmica em todos os países e culturas, causando danos a milhões de mulheres e suas famílias, e foi agravada pela pandemia de COVID-19. […]

Mas, ao contrário da COVID-19, a violência contra as mulheres não pode ser interrompida com uma vacina. Só podemos lutar contra isso com esforços sustentados e enraizados - por governos, comunidades e indivíduos - para mudar atitudes prejudiciais, melhorar o acesso a oportunidades e serviços para mulheres e meninas e promover relacionamentos saudáveis e mutuamente respeitosos. (ONU, 2021)

Phumzile Mlambo-Ngcuka, diretora executiva da ONU Mulheres, ainda ressaltou que:

É profundamente perturbador que essa violência generalizada por homens contra mulheres não apenas persista inalterada, mas seja pior para mulheres jovens, de 15 a 24 anos, que também podem ser jovens mães. E essa era a situação antes da pandemia e do pedido para ficar em casa. Sabemos que os múltiplos impactos da COVID-19 desencadearam uma pandemia sombria, de aumento da violência relatada de todos os tipos contra mulheres e meninas [..]

Cada governo deve tomar medidas fortes e proativas para lidar com isso e envolver as mulheres nisso. (ONU, 2021)

Os números de feminicídio no Brasil confirmam os dados da OMS, já que crescem a cada ano (6,1% de 2021 para 2022), 7 em cada 10 mulheres foram mortas dentro de casa, 53,6% por seus parceiros íntimos, 19,4% por ex-parceiros e apenas 10% por outros familiares, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2023, p.16).

O caput do famigerado artigo 5º, traz de forma expressa, não somente uma, mas duas vezes, a igualdade como um direito individual fundamental, ao estabelecer que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito […] à igualdade [...]” e, no seu inciso I, reforça que: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”, prosseguindo no inciso XLI, determinando que: “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”

Na mesma esteira, o art. 226, estabelece que a família é a base da sociedade e, portanto, deve ter especial proteção do Estado, prosseguindo, no § 5º: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.”

De acordo com a jurisprudência selecionada abaixo:

A noção de igualdade não se encerra em sua dimensão meramente formal, de igualdade perante a lei. Ela contempla ainda um caráter material, pelo qual se busca concretizar a justiça social e os outros objetivos fundamentais da República (art. 3º da CRFB/88). É com base nesse viés material que a lei eventualmente estabelece distinções a fim de compensar os indivíduos que se encontram em situação desprivilegiada para elevá-los ao patamar dos demais. […] sendo válidas as medidas que fomentem essa igualdade de acesso, mas não as que ampliem a desigualdade [...] [ADI 3.918, rel. min. Dias Toffoli, j. 16-5-2022, P, DJE de 9-6-2022.] (STF, 2023)

Neste sentido, um texto legal, infraconstitucional, misógino como a Lei 12.318/2010 é inconstitucional, pois coloca a mãe em desvantagem perante o pai, no plano da igualdade material, ao igualá-los, mesmo diante das suas desigualdades.

Segundo o ministro do STF, Luís Roberto Barroso:

A afirmação da condição feminina, com autonomia e igualdade, em sociedades patriarcais como a brasileira, tem sido uma luta histórica e complexa. É relativamente recente o processo de conscientização e reação a uma visão estereotipada do seu papel social, que combinava submissão, maternidade e prendas do lar. Em termos de igualdade formal, a Constituição de 1988 foi revolucionária na garantia dos direitos das mulheres. Tais conquistas não devem ser subestimadas. Porém, no plano da igualdade material, existe ainda uma agenda inconclusa, que engloba três grandes eixos: a participação da mulher no mercado de trabalho, o exercício de direitos sexuais e reprodutivos, bem como o combate à violência doméstica. Sem mencionar comportamentos abusivos que vão da linguagem desrespeitosa ao assédio. (Barroso, 2023, p. 230)

Por isso, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, determina em seu artigo 2º que:

Os Estados Partes condenam a discriminação contra a mulher em todas as suas formas, concordam em seguir, por todos os meios apropriados e sem dilações, uma política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher, e com tal objetivo se comprometem a: […] f) Adotar todas as medidas adequadas, inclusive de caráter legislativo, para modificar ou derrogar leis, regulamentos, usos e práticas que constituam discriminação contra a mulher; (Brasil, 2002)

Para a OMS:

A violência - em todas as suas formas - pode ter um impacto na saúde e no bem-estar de uma mulher pelo resto da vida […] isso tem repercussão na sociedade como um todo e vem com custos enormes, impactando os orçamentos nacionais e o desenvolvimento geral.

A prevenção da violência exige o enfrentamento das desigualdades econômicas e sociais sistêmicas, garantindo o acesso à educação e ao trabalho seguro e mudando as normas e instituições discriminatórias de gênero. As intervenções bem-sucedidas também incluem estratégias que […] desafiem as normas sociais injustas, reformem as leis discriminatórias e fortaleçam as respostas legais, entre outros. [...]

Os países devem honrar seus compromissos de maior e forte vontade política e liderança para enfrentar a violência contra as mulheres em todas as suas formas, por meio de: [...] políticas em torno de cuidados infantis [...] e leis que apoiam a igualdade de gênero; (ONU, 2021)

  1. Considerações Finais

O Brasil está na contramão do mundo no que diz respeito ao tratamento dado ao fenômeno que se convencionou chamar de alienação parental, aqui entendido como sendo o natural e inicial arrefecimento ocorrido na relação da criança ou adolescente com o progenitor que se afastou do lar familiar por ocasião do divórcio.

Como restou demostrado no corpo dessa pesquisa, o abalo dessa relação, mormente caracterizado por uma recusa da prole ao convívio com o genitor afastado ao mesmo tempo em que se vincula mais fortemente ao genitor com quem convive ou pessoa de referência, pode se dar por muitas razões, desde a vitimização do filho ou do genitor convivente por este genitor afastado e recusado, e, por isso, dito alienado, até a mera sensação de abandono experienciada pela criança com a saída de um dos seus progenitores do antigo lar conjugal.

Fato é que o legislador brasileiro preferiu agir de forma antidemocrática, simplista, moralista e punitiva, intrometendo-se nas relações privadas mais íntimas dos seres humanos para forçar afetos, interpretando de forma unívoca o comportamento de crianças e adolescentes, bem como o primordial interesse destes, quando estão diante do esfacelamento de suas estruturas familiares, baseando-se em ideologia preconceituosa e pseudocientífica, contrária a verdadeira ciência, que, aliada com a falta de criticidade, ética e técnica de juristas, psicólogos e assistentes sociais, ocasiona graves efeitos “iatrogênicos” sobre os direitos humanos fundamentais de crianças, adolescentes e mulheres, com reflexos internacionais.

Isso porque, a Lei 12.318/2010, que normatizou a questão, foi fruto de movimentos com interesses parciais, que açodadamente conduziram o processo legislativo, sem a devida participação dos mais diversos atores sociais interessados, adotando a teoria sexista e pedófila do psiquiatra norte-americano Richard Gardner, a despeito da sua falta de comprovação científica e, pior, do rechaço dessa teoria por grande parte dos tribunais internacionais, inclusive no seu “berço” americano, da comunidade científica mundial especializada em saúde mental, de diversos setores da sociedade civil e do recuo de outros países, que regulamentaram o tema e experimentaram seus efeitos “iatrogênicos”.

Uma “Síndrome” que afetaria crianças e adolescentes, que durante o processo de divórcio dos seus progenitores foram induzidas pelas mães a odiarem os pais, inventada nos anos 80, foi “ressuscitada”, mesmo após o seu inventor se esfaquear em 2003, para justificar taxativamente o comportamento de esquiva de pessoas em desenvolvimento diante de uma situação traumática, de ruptura da sua base social no mundo, induzindo-a a odiar a pessoa de referência que lhe restou, estigmatizando-a como portadora de um transtorno mental a ser “curado” pelo judiciário, através da punição da mãe, dita alienadora, e do convívio forçado com o pai, supostamente indispensável para o seu desenvolvimento, enquanto que é dispensável o convívio com “a alienadora”, simplesmente porque assim a justiça entendeu.

Assim, a Lei de Alienação Parental coloca “gasolina na fogueira” dos conflitos familiares, permitindo todo tipo de manipulações da alienação reversa, objetificando a criança e cristalizando os seus interesses, sem ter em conta qualquer situação específica daquela criança ou adolescente em concreto, forçando-a a participar do conflito dos pais ou mesmo a se posicionar a favor de um deles, em clara iatrogenia legal.

Neste contexto, a máscara de alienado protege o agressor/abusador, revitimiza as vítimas, facilita a subtração internacional de crianças, serve de trunfo para ameaças, silencia e aprisiona mães e seus filhos, fere os direitos constitucionais de igualdade e da não discriminação, representando grande retrocesso no avanço dos direitos humanos.

Mesmo diante de tantos efeitos ‘iatrogênicos’, as reivindicações da ONU, de diversos setores da sociedade civil, tanto brasileira como internacional, as notas técnicas dos Conselhos Federais de Psicologia e de Serviços Sociais, os posicionamentos da Defensoria Pública, do Ministério Público, do CONANDA, a apuração de CPI, a movimentação de ADIn, diversos projetos de lei visando a revogação da Lei 12.318/2010, ainda não foram capazes de convencer o legislador brasileiro, sobre a necessidade de revogação desta Lei, o julgador, para que reconheça sua inconstitucionalidade e afaste a sua aplicação imediatamente, os doutrinadores reprodutores de discurso unívoco e acrítico, no sentido de que deixem de propagar pseudociência como fato inconteste e aos psicólogos e assistentes sociais, para que se abstenham de vez de praticarem peritagem temerária, permanecendo todos em conluio para fraudar o primado do melhor interesse das crianças e adolescentes.

Isto posto, respondendo às questões que fundamentam a presente investigação, as razões que levaram a ONU a questionar a Lei brasileira de alienação parental, Lei 12.318/2010, e a suposta “Síndrome de Alienação Parental” (SAP), em que se baseia a Lei questionada, são procedentes e o destino da norma não pode ser outro a não ser o pleiteado pela mesma prestigiosa organização internacional.

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Sobre a autora
Ingrid Cristine Vieira Ferreira Nunes

Professora, Advogada e psicoterapeuta, mestre em Estudos Jurídicos com ênfase no Direito Internacional, pós-graduada em Direito Público, Direito Digital e Compliance e Docência e Gestão no Ensino Superior.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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