Os métodos adequados de soluções conflito uma análise dos desafios à implementação da conciliação e da mediação.

18/02/2024 às 17:36
Leia nesta página:

ALEXANDRO SANTANA NEVES

OS MÉTODOS ADEQUADOS DE SOLUÇÕES CONFLITO

Uma análise dos desafios à implementação da conciliação e da mediação.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Pós-graduação do Curso Ênfase, como requisito para obtenção do título de especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil.

GUANAMBI-BA

2023

“Quem decide um caso sem ouvir a outra parte não pode ser considerado justo, ainda que decida com justiça.” (Sêneca)

AGRADECIMENTOS

“A gratidão é a maior medida do caráter de uma pessoa. Uma pessoa grata é uma pessoa fiel, não te abandona, está sempre contigo. Nela você sempre pode confiar” (Augusto Branco).

Gratidão ao criador, fonte de toda inspiração e ânimo para seguir em frente a cada novo desafio, que em sua imensa sabedoria me guia e me ajuda a crescer e aprender a cada passo dessa jornada.

RESUMO

Tem-se observado uma tendência progressista do legislador e do Poder Judiciário, com um incentivo cada vez maior para a utilização de práticas cooperativas na busca de resolução de conflitos. A busca por soluções mais efetivas e com maior grau de satisfação das partes levou à concepção e implementação do Sistema Multiporta pelo Conselho Nacional de Justiça, dando especial ênfase aos métodos autocompositivos de resolução de demandas, com destaque a conciliação e a mediação. O presente trabalho busca analisar os principais entraves que dificultam a implementação dos métodos adequados de resolução de conflitos, com vista a abrir caminho para os diálogos e aprimoramento da prestação jurisdicional. Abarcando o processo de implementação de novos métodos como aliado ao sistema, consolidado, de jurisdição tradicional. Uma transformação que visa acrescer alternativas a forma de administração da justiça em consonância com a promoção de uma política social contemporânea quanto à resolução dos conflitos e seus reflexos no Estado Democrático de Direito.

Palavras-chave: métodos adequados de solução de conflitos; conciliação; mediação; Autocomposição;

ABSTRACT

A progressive tendency has been observed by the legislator and the Judiciary, with an increasing incentive to use cooperative practices for conflict resolution. The search for more effective solutions with a greater degree of satisfaction for the parties led to the design and implementation of the Multiport System by the National Council of Justice, with special emphasis on self-composition methods for resolving disputes, in particular conciliation and mediation. The present work seeks to analyze the main obstacles that hinder the implementation of adequate methods of conflict resolution, with a view to opening the way for dialogues and improvement of jurisdictional provision. Encompassing the process of implementing new methods as an ally to the consolidated system of traditional jurisdiction. A transformation that aims to add alternatives to the form of administration of justice in line with the promotion of a contemporary social policy regarding the resolution of conflicts and its reflections in the Democratic State of Law.

Keywords: appropriate conflict resolution methods; conciliation; mediation; Self-composition;


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 6

2. BREVE ARCABOUÇO HISTÓRICO 9

3. MÉTODOS HETEROCOMPOSITIVOS E AUTOCOMPOSITIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS 12

A. Jurisdição 13

B. Arbitragem 15

C. Conciliação 17

D. Mediação 19

4. SISTEMA MULTIPORTAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E OS MÉTODOS ADEQUADOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITO NA RESOLUÇÃO Nº 125 DO CNJ. 22

5. DESAFIOS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DA MEDICAÇÃO E DA CONCILIAÇÃO 28

A. superar uma cultura litigiosa 28

B. Inclusão dos métodos consensuais de resolução de conflitos no ensino Jurídico 30

C. Mudança no papel dos operadores do direito 33

D. Capacitação dos mediadores e conciliadores 34

E. Limitações de estrutura e financeiras 37

6. CONCLUSÕES 40

7. REFERÊNCIAS 43

INTRODUÇÃO

Contextualizando o conflito como uma consequência da convivência humana, ele surge junto com o processo de formação das sociedades e do movimento de agrupamento de pessoas. Desde que o homem passa a agrupar-se, surgem desentendimentos, em maior ou menor grau, que podem comprometer as dinâmicas entre os indivíduos e por consequência abalar a pacificação social.

Se por um lado a experiência de viver em grupo era benéfica aos indivíduos que o compunha, dado que se formava uma força maior para se defenderem ou buscar alimentos, por outro lado a pluralidade de ideia e opiniões, ou até o processo de imposição de lideranças eram vetores de atritos.

Dentro dessa premissa, o processo de resolução dos conflitos passa por um processo de transformação à medida que a sociedade evolui. Nos primórdios tudo era resolvido pelo uso da força, a autotutela imperava e o mais forte subjugava o mais fraco. A justiça era atrelada ao ato de devolver o injusto recebido. Em um salto, as primeiras leis são instituídas, os primeiros códigos surgem e a aplicação da justiça fica a cargo de um terceiro, uma ideia embrionária dos juízes modernos.

A concepção de justiça atrelada a um juiz imparcial, ainda, é, nos dias de hoje, sua máxima exponencialidade, mas com o aumento das demandas e a consequente demora na resolução de conflitos fizeram com que movimento denominado métodos de resoluções adequadas de conflitos ganhasse forma. Com a utilização de técnicas, que até eram conhecidas, mas pouco utilizadas, as quais ganharam novas roupagem e foram introduzidas nos Ordenamentos Jurídicos como mecanismos de retomada de uma justiça efetiva e eficaz, capaz de atender aos anseios da sociedade em tempo adequado e promover a pacificação social.

Os avanços legislativos puxados pela Resolução 125/2010 do CNJ buscam o estímulo à solução autocompositiva com uma maior participação e conscientização das partes, como efetivas participantes da resolução dos litígios. Um processo de democratização da justiça que tem o propósito de gerar uma transformação cultural: saindo da litigiosidade e busca por sentenças impositivas para uma cultura de consenso e diálogo para efetivar a pacificação social.

Nesse contexto, são apresentados os métodos adequados de resolução de conflitos, especialmente a conciliação e a mediação. Metodologias que podem ser aplicadas para a pacificação social sem a exclusão dos métodos tradicionais e mais difundidos, como a jurisdição. Tem-se uma agregação de novas práticas para que a busca de uma solução possa ser mais célere e efetiva.

Por se tratar de uma nova sistemática e de aplicação de técnicas não carreadas pela tradição jurídica, ainda há uma série de entraves que dificultam sua implementação e a geração dos resultados esperados. Essas dificuldades são o núcleo problemático objeto de estudo do presente trabalho. Busca-se analisar as disparidades que existem entre a concepção do novo modelo de resolução de conflito e sua efetiva aplicação, passando pelos entraves culturais, de formação e até as limitações orçamentárias enfrentadas pelo Poder Judiciário.

O método aplicado na elaboração do presente estudo foi o da revisão de literatura, embasado na pesquisa bibliográfica de artigos científicos, livros, manuais e legislação nacional. Além, da realização de pesquisa exploratória nos repositórios jurisprudenciais.

Para aplicação do método escolhido o trabalho foi dividido em quatro capítulos, escalonados de forma progressiva à análise do problema proposto:

No primeiro capítulo, examinar-se-á o arcabouço histórico das principais formas de resolução de conflitos e seu processo de evolução, passando por cada uma das fases de aprimoramento até atingir o grau de maturidade atual. Já o segundo, trata da subdivisão dos métodos de resolução de conflito entre métodos heterocompositivos e autocompositivos, traçando um paralelo entre as subespécies de cada um destes grupos, conceituando-os e apontando suas caraterísticas distintivas, assinalando seu grupo focal de aplicação e peculiaridades.

No terceiro capítulo, é apresentado o Sistema Multiportas, delineado pelo Conselho Nacional de Justiça através da Resolução 125/2010. Trata-se de verdadeiro manual de aplicação dos métodos adequados de resolução de conflitos com suas metas e objetivos para uma nova cultura de resolução de problemas baseada no empoderamento das partes e rompendo com a cultura do litigio. Por derradeiro, o último capítulo apresenta as principais dificuldades e obstáculos que os métodos adequando de resolução de conflitos encontram para que se tornem as ferramentas eficazes que se esperam.

Espera-se que o presente trabalho não seja visto com um compêndio de conceitos estanques e petrificados, mas uma porta de entrada ao debate na busca de aprimoramento do Sistema Multiportas, apontando suas falhas que necessitam de aprimoramentos e o fortalecimento dessa nova política que visa uma justiça mais célere e com resultados adequados que possam satisfazer ambas as partes.

BREVE ARCABOUÇO HISTÓRICO

Desde o marco da existência do homem sobre a face da Terra, sua vida em grupos e posteriormente em sociedades complexas, o conflito existe. Discordar ou ter opiniões diferentes podem ser vertentes modernas para designar o conflito, mas desde os homens primitivos ele estava presente.

No início as demandas eram resolvidas pelo uso da força. O mais forte subjugava o mais fraco, exercendo sua dominância enquanto o vigor físico lhe permitisse (autotutela). Mas como o ciclo da vida não pode ser parado, o envelhecimento levava à troca do dominador de tempos em tempos. Além disso, alguém poderia desenvolver sua força e habilidades físicas por meio de atividades ou exercícios, ainda que de forma inata ou inconsciente, ameaçando o poder e gerando uma perpetuação da violência como forma de se firmar como o novo detentor do poder.

De acordo com os ensinamentos de Maurício Godinho Delgado, “a autotutela ocorre quando o próprio sujeito busca afirmar, unilateralmente, seu interesse, impondo-o (e impondo-se) à parte contestante e à própria comunidade que o cerca” (GODINHO, 2002, p. 663).

Em um salto histórico, chegamos ao momento da resolução dos embates por meio do estabelecimento de autoridades que seriam a personificação da justiça. Tais autoridades eram nomeadas pela força política de monarcas ou tidos como representantes da vontade dos deuses. Assim, ainda havia espaço para subjetivismos e interpretações tendenciosas, além do estabelecimento de “normas” que só se aplicavam a determinadas regiões ou povoados.

Visando reduzir o subjetivismo e estabelecer leis de maior alcance e que pudessem ser difundidas sem a mesquinhes de mudanças e falhas da comunicação daqueles que sobre elas falavam, surgem os códigos escritos. Ainda que de forma rudimentar, tabuas, pedras, pergaminhos e outros artefatos históricos eram os portadores das Leis. Desta forma, a solução das lides seguia leis que estavam ao alcance de todos (ao memos em tese). Essa é a formula geratriz da heterocomposição, com um terceiro aplicando a lei de forma imparcial.

Um terceiro ao litígio representa a justiça e sua decisão tinha força de se sobrepor à vontade das partes e gerar pacificação social. Esse é o embrião da ideia de justiça moderna a qual, ainda hoje, conta com a figura da jurisdição como uma forma de submeter o litígio a um juiz ou tribunal para que este decida, conforme as leis, quem tem o direito.

Complementando, PERPETUO (2018, p.9) aponta que:

A heterocomposição pode ocorrer de duas formas: a arbitral, quando as partes escolhem um terceiro de confiança para decidir a demanda; e a jurisdicional, que ocorre quando uma das partes, utilizando-se do seu direito de ação, acessa o Poder Judiciário, no intuito de resolver a questão litigiosa, através de decisão proferida por uma autoridade investida de poder coercitivo (Estado-Juiz).

Com o aumento do número populacional e o da complexidade das demandas a figura do juiz não perdeu seu espaço, mas ficou soterrado em pilhas cada vez maiores de processos e procedimentos burocráticos. A justiça se tornou cara e morosa, e uma solução tardia, por vezes, se torna ineficaz ou inútil.

Em um mundo pós Segunda Guerra Mundial, puxados pelos ideários do Welfare State (Estado de Bem-estar Social) e pela Declaração dos Direito do Homem, o Poder Judiciário e a concepção de justiça ganham contornos constitucionais em diversas partes do mundo visando à promoção de uma justiça para todos e mais célere. Garantir a atendimento e a solução dos conflitos em tempo hábil passa a ser positivado em diversas normas, assegurando que a busca pela pacificação social não pode ser esquecida e que ela urge.

A busca pela efetividade da justiça levou a implementação de métodos mais céleres de solução de litígios. Neste contexto, mediação e conciliação ganham espaço como ferramentas para auxiliar o Poder Judiciário na resolução de demandas ou até mesmo as prevenindo. Não se tratam de conceitos novos, já que há menções dessas formas de resolução de conflitos, conciliação e mediação, desde a Grécia Antiga, até em documentos mais modernos como a Constituição Imperial Brasileira, de 1824. Neste aspecto, PERPETUO (2018, p.11), acrescenta:

Assim, é possível verificar, que ao longo da história, desde a Grécia e Roma antiga, chegando aos dias atuais com a concepção do direito moderno, os institutos da autocomposição sempre foram, e continuam sendo utilizados como meio de soluções de conflitos, podendo ser verificado que atualmente tais meios de pacificação social estão sendo difundidos com maior ênfase, a fim de se obter uma solução mais rápida para os litígios, sejam eles judicias ou extrajudiciais

No contexto brasileiro atual, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) chama tais métodos de “forma adequadas de solução de conflitos”. Comungando da tentativa de uma solução que seja benéfica para ambas as partes, pautada no diálogo e em evitar a beligerância, a mediação e a conciliação foram alçadas ao corpo normativo do Código de Processo Civil de 2015. Passando de um marco jurisdicional totalmente heterocompositivo, no qual um terceiro decide e se impõe perante a vontade das partes, para um modelo jurisdicional mais amplo e cooperativo que abarca a autocomposição, na qual as partes tem um papel de protagonistas para a solução das problemáticas que se impõem, podendo buscar um entendimento direito e mais adequado às necessidades, ainda que, seus interesses sejam antagônicos.

OLIVEIRA FILHO (2019, p. 110) propõe que:

A complexidade das relações da sociedade pós-moderna e a guinada epistemológica possibilitada por essa visão instrumental que põe em mira as raízes dos conflitos de interesse, criaram campo propício para o desenvolvimento e a consolidação de métodos de resolução de controvérsias diversos do processo judicial, uma vez que este, embora possua aspirações de universalidade, pode não se mostrar o mais adequado à luz das especificidades do litígio.

Tais métodos adequados de resolução de conflitos foram alçados ao plano infraconstitucional com grande destaque no novo Código de Processo Civil, Lei 13.105/2015. A seção V do novo código, artigos 165 a 175, trata amplamente sobre mediação e conciliação, e somada à Lei 13.140/2015, considerada a representação dogmática da mediação, trazendo minucias para aplicação da mediação aos casos concretos. O que demonstra a perspectiva atual de evolução dos modelos de tratamento dos litígios.

MÉTODOS HETEROCOMPOSITIVOS E AUTOCOMPOSITIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

O conflito faz parte da condição humana e criar leis que pretendam soluciona-lo foi um dos passos mais importantes para garantir a estruturação das sociedades. A capacidade de solucionar conflitos é o que garante a pacificação social e materializa o senso de justiça quando um direito é violado.

Com as transformações sociais e culturais da sociedade, ao longo dos séculos, várias formas de resolução de conflitos foram moldadas. Modernamente, tais métodos podem ser agrupados em dois grandes grupos: a heterocomposição e a autocomposição.

Na heterocomposição a solução é imposta às partes com base nos preceitos do ordenamento jurídico, seja por um impositivo legal, seja por um contrato. Surge, neste contexto, a figura de um terceiro com poder de decisão que irá se sobrepor à vontade das partes. Nesta linha de pensamento, PAIVA (2021, p. 17) aponta que:

heterocomposição, na qual um terceiro estranho ao litígio determina uma solução para o caso, o que ocorre com a jurisdição tradicional, responsável por solucionar a grande parcela dos litígios no país, e com a arbitragem, que se constitui em um meio privado e alternativo, no qual há a presença de um especialista no assunto discutido, o árbitro, que é escolhido pelas partes e profere uma sentença arbitral, que dispensa uma homologação judicial para surtir efeitos, conforme estabeleceu a Lei nº 9.307/1996

A heterocomposição, especialmente em sua vertente jurisdicional, não tem sido suficiente para atender o grande quantitativo de demandas que são propostas, o que levou ao acumulo de processos e a morosidade na resolução dos conflitos. Assim, outras formas de resolução vêm sendo implantadas, expandindo as possibilidades de resoluções de conflitos com uma maior participação das partes. Assim, as vertentes e mecanismos da autocomposição ganham relevância, saindo do papel de coadjuvantes e assumindo o protagonismo na luta pela efetividade da justiça e redução da morosidade.

Na autocomposição a busca da solução centra-se nas próprias partes, ou seja, são elas, as partes, que chegam a uma solução por si mesmas, através do diálogo, de ponderações e de concessões, em maior ou menor grau. Também pode haver a figura de um terceiro, mediadores e conciliadores por exemplo, mas este atua de forma a promover o entendimento entre as partes, restabelecendo o diálogo, acalmando os ânimos, ou seja, é um coadjuvante que atua de forma mais discreta para que o consenso das partes gere uma resolução para o conflito de forma mais célere, eficaz e satisfatória.

Dentro do atual ordenamento cível brasileiro quatro métodos de solução de conflitos se destacam, são eles: a jurisdição, a arbitragem, a conciliação e a mediação. Desta feita, uma análise, ainda que breve, sobre cada um deles se faz necessária.

Jurisdição

Com a evolução das sociedades e o desenvolvimento de Estados dotados de soberania, era necessário que o próprio Estado decidisse as lides. Estabeleceram-se leis, e dentro da teoria de Montesquieu de tripartição das funções ou poderes do Estado, atribuiu-se ao Poder Judiciário a função jurisdicional.

De acordo com CHIOVENDA (apud GUERRERO, 2015, p. 17), a jurisdição define-se como:

A definição de jurisdição estruturada a partir do direito romano é aquela segundo a qual se opõem o iurisdictio e o imperium representando uma redução do campo jurisdicional ao seu momento declaratório, não no sentido moderno, mas no sentido de declarar o direito àquela situação concreta apresentada. Atualmente, porém, o conceito de jurisdição clássico que mais se destaca no direito brasileiro é aquele trazido por Giuseppe Chiovenda, tendo-a como: “função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la praticamente efetiva”. Nesse sentido, Athos Gusmão Carneiro, a partir de suas anotações do curso ministrado por Galeno Lacerda, sumariza o entendimento retratando que o julgador deve aplicar o direito ao caso concreto, tendo poder de coerção, de documentação e de investigar a matéria de fato.

Infere-se que se trata de um método heterocompositivo de resolução de conflitos, o qual consiste em um terceiro que detém o poder do Estado, um magistrado, que após ouvir as partes e analisar o conjunto probatório, faz reflexões, analises e ponderações e aplica o Direito ao caso concreto. PAIVA (2021, p. 18) acrescenta que: “é pertinente indicar que cabe ao Estado, na figura do magistrado, tomar para si o poder de solucionar o litígio, com isso, restringe-se a autonomia das partes em benefício de uma maior estabilização social”.

O fator principal de solução do litigio está na apreciação feita pelo magistrado, a quem cabe decidir o conflito, logo, por deter o poder/dever de decidir, o magistrado toma para si a resolução da contenda e a autonomia das partes é mitigada em prol da pacificação social.

Contudo, não basta a mera investidura da jurisdição sobre o magistrado para que ela se efetive, o Estado como detentor da função julgadora deve assegura que ela seja célere, justa, imparcial. Por isso, o texto constitucional preconiza que a função jurisdicional deve observar princípios como Inafastabilidade de Jurisdição, Juiz Natural, Celeridade nos processos judiciais e administrativos, entre outros.

PAIVA (2021, p.18) pondera que:

Sendo o Estado o titular da jurisdição, também é responsável por assegurar uma prestação jurisdicional justa, célere e eficiente. No entanto, em que pese os esforços para alcançar tais resultados, diversos fatores impediram que, no Brasil, até então, a jurisdição tradicional fosse bem avaliada por aqueles que a ela se socorrem em busca da solução de seus litígios.

É evidente que esse modelo é o mais usado em todo o mundo, mas ele vem sofrendo duras críticas, especialmente, no que concerne à morosidade. Por se tratar de um modelo pautado em dar solução a lides de forças antagônicas, por vezes as partes apenas apresentam suas demandas e pouco colaboram para a solução, com isso os processos levam mais tempo para serem concluído, ou ainda, questões de menor complexidade, que poderiam ser resolvidas em debates diretos entre as partes, são levadas ao Poder Judiciário, elevando o quantitativo do processo e piorando os indicadores da morosidade.

Trata-se de uma cultura de solução de conflitos pela beligerância, na qual as partes se enxergam como rivais, lutando para fazer com que a balança da justiça penda para um dos lados.

A jurisdição tradicional não vai deixar de existir, mas para alcançar os objetivos a que propõe, vem buscando um processo integrativo de agregação de novos valores, como uma justiça cooperativa, e empoderando as partes para serem ativas na busca da solução de forma célere dos conflitos.

Além disso, há um marco integrativo no Código de Processo Civil de 2015, o qual passou a prever a mediação e a conciliação, formas de autocomposição, como ferramentas positivadas para que a busca de soluções não fique relegada apenas à jurisdição. Percebe-se que não são ferramentas excludentes, mas sim uma forma de ampliar o leque do possibilidades de resolução de problemas, buscando aumentar a efetividade das soluções e reduzir a morosidade.

Arbitragem

A arbitragem é uma forma de heterocomposição na qual um árbitro, terceiro escolhido pelas partes, tem o poder de decidir sobre o conflito. Difere da jurisdição pelo fato de se tratar de um método privado, ou seja, não há uma investidura estatal e sim um contrato ou acordo que escolhe, livremente, alguém qualificado para ocupar a posição de árbitro e ter o poder de decisão em um dado conflito.

PAIVA (2021, p. 21), conceituando a arbitragem, preconiza que:

A arbitragem, diferentemente da jurisdição, trata-se de um método privado, jurisdicional, alternativo e heterocompositivo de resolução de conflitos, envolvendo direitos disponíveis, na qual há um árbitro, um terceiro ao litígio que é especialista no assunto discutido e goza da confiança das partes, fazendo as vezes de um juiz, apresentando, ao final do procedimento, uma sentença arbitral, que representa um título executivo judicial, possuindo, portanto, o mesmo valor jurídico de uma sentença.

Deste conceito, podemos extrair elemento fundamentais para entendermos a arbitragem. Inicialmente destaca-se que se trata de um método privado, o que significa que submeter conflitos à arbitragem é uma faculdade de livre escolha das partes. É uma alternativa à jurisdição tradicional, apesar de o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ter entendido, em 2019 (Jurisprudências em tese – edição nº.122), que a arbitragem trata-se de uma forma de jurisdição, então chamando-a de “jurisdição privada”.

Seguindo aos comentários sobre o conceito, sendo um método heterocompositivo, há a escolha de um terceiro que terá poder de decidir o conflito, o qual recebe o nome de árbitro. Refere-se de um especialista no assunto que está sendo objeto de discursão e que goza da confiança de ambas as partes. O árbitro, que tem uma atuação simular a do juiz, vai conduzir o procedimento arbitral tal qual um processo e ao final expedirá uma sentença arbitral, que tem valor de título executivo judicial, podendo ser executada perante o Poder Judiciário em caso de descumprimento.

ARAÚJO (2015, p.27) aponta que o árbitro é:

O terceiro imparcial denominado árbitro tomará uma decisão, denominada sentença arbitral, que obrigará as pessoas envolvidas no conflito. A decisão dada pelo árbitro impõe-se às partes, e por esta razão a solução é adjudicada, e não consensual, como se pretende na conciliação e na mediação, e delas pode ser exigido o cumprimento, porém a execução forçada se fará perante o Poder Judiciário, sendo a sentença arbitral considerada um título executivo judicial.

Outro fator importante para que a arbitragem possa ser aplicada é que as demandas devem versar sobre direito disponíveis, ou seja, são aqueles direitos referentes ao seio patrimonial das partes, os quais podem ser usados, gozados, dispostos e transacionados livremente, de acordo com a vontade livre e em conformidade com seus anseios.

Para que a arbitragem seja implementada as partes devem ter firmado uma cláusula compromissória ou um compromisso arbitral. A cláusula compromissória é um pacto firmado anteriormente à existência de eventuais conflitos, ou seja, as partes definem que caso ocorra um conflito, este será resolvido pela arbitragem. Por ser um pacto predecessor ao conflito, a cláusula de arbitragem pode ser um contrato ou parte dele, com a definição do árbitro e os parâmetros para a tomada de decisão. Já o compromisso arbitral voltasse para a pacificação de um conflito já existente. Assim, o conflito já está instaurado e as partes acordam que ele seja resolvido por meio da aplicação da arbitragem.

Instituída pela Lei nº 9.307/1996 (Lei de Arbitragem) e passando por reformas que incluíram no rol de aplicação da arbitragem, por exemplo, litígios envolvendo a administração pública, a arbitragem ainda tem sua aplicação ligada a nichos empresariais. Não se popularizando acabou se tornando um método de solução de conflitos restrito a grupos delimitados e não conseguindo alcançar grandes massas sociais que ainda preferem ter suas demandas submetidas ao sistema de jurisdição tradicional.

Percebe-se, por conseguinte, que a arbitragem está regulamentada no Brasil a quase três décadas, mas ainda não ganhou o espaço que era esperado. Com o Código de Processo Civil de 2015, buscou-se dar mais destaque e fomentar a criação de câmaras privadas de arbitragem para que este modelo seja difundido e possa alcançar um número maior de lides e consequentemente impulsionar a luta contra a morosidade da justiça.

Conciliação

A conciliação compõe o grupo dos métodos autocompositivos, o qual visa estabelecer o diálogo entre as partes com o fito de chegar a uma transação, um acordo entre elas que possa atender aos seus anseios, reduzindo o grau de insatisfação, gerando respostas mais rápidas e satisfativas.

O mecanismo da conciliação também conta com a presença de um terceiro, um conciliador, que atua de forma a estimular o diálogo entre as partes, atuando na filtragem de ideias para que se alcance o entendimento do que realmente possa pôr fim ao litígio de maneira que o grau de satisfação possa abarcar todos os envolvidos. Mas, uma vez que se tratar de um método autocompositivo, o papel do conciliador é de um auxiliar, um direcionador, que pode pontualmente fazer algumas sugestões e, eventualmente, conter excessos. GARCIA e PEREIRA (2018, p.276) conceituam que a conciliação “é uma forma autocompositiva de tratamento de conflitos na qual os interessados, juntamente com um terceiro imparcial, o conciliador, valendo-se da autonomia da vontade, dialogam e chegam a um desfecho para determinado conflito”.

As partes são as responsáveis por buscar uma solução que possa se adequar às suas necessidades. Assim, a disposição para o diálogo e a inclinação para as transações são imperativos para que a conciliação tenha êxito. GARCIA e PEREIRA (2018, p.276) observam que a conciliação “tem por objetivo a harmonização social das partes e, se possível, a restauração das relações sociais, além de um desfecho satisfatório no menor prazo possível”.

A conciliação é um mecanismo de solução mais abrangente, visto que, pode abarcar os mais diversos assuntos, não estando restrita a esfera dos direitos patrimoniais disponíveis, como ocorre com a arbitragem.

A grande ressalva sobre sua aplicação, delineada pelo Código de Processo Civil de 2015, é de que, preferencialmente, ela seja aplicada para tratar de litígios nos quais as partes não possuem um laço afetivo, sanguíneo ou de muita intimidade, ou seja, não haja a presença de uma ligação prévia entre as partes. GONÇALVES (2017, p.408) exemplifica: “em um conflito decorrente de acidente de trânsito, justifica-se a atuação do conciliador, porque inexiste vínculo anterior entre os envolvidos no acidente. E possivelmente deixará de existir quando o conflito for solucionado”.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Não se trata de uma grande novidade no ordenamento brasileiro, a conciliação e os demais métodos autocompositivos sempre estiveram presentes. Uma análise de ramos específicos do direito deixa claro que a busca pela composição de litígios e de uma justiça mais célere eram pilares que os estruturam, por exemplo, a Justiça do Trabalho, na qual há uma imposição de que a tentativa de conciliação seja tentada em dois momentos, na abertura da audiência e logo após as razões finais. Já nos âmbitos cível e criminal, a Lei n° 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais) em seu artigo 2º estabelece que: “o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação” (BRASIL, 1995).

Outrossim, o novel Código de Processual Civil de 2015 deu especial destaque à busca de soluções autocompositivas, demostrando uma abertura para a mudança de paradigma do Poder Judiciário, baseado apenas e tão somente na jurisdição tradicional, para um viés mais abrangente que comporta múltiplas formas de resolução dos conflitos, nesta linha, corroborando, PAIVA (2021, p. 22) complementa: “evidente é a importância e estímulo que o legislador pátrio deu aos métodos autocompositivos, os quais demonstram ser eficazes para atender aos anseios dos jurisdicionados por resolutividade, agilidade e eficiência”.

A eficiência da conciliação está diretamente ligada ao interesse e disposição das partes em estabelecer um acordo, além de profissionais devidamente habilitados que possam auxilia-las: desde conciliadores capacitados, advogados, membros do Ministério Público, defensores públicos, juízes e servidores, um conjunto coeso que esteja imbuído em torna a justiça mais célere e em dar soluções mais eficientes e benéficas para as partes.

Com uma atuação mais ampla, o conciliador pode intervir e ser propositivo. GONÇALVES (2017, p. 409) destaca que a atuação do conciliador pode abarcar a sugestão de soluções quando as partes não conseguem enxerga-las, mas sem uso de intimidação ou constrangimentos.

Mediação

A mediação apresenta características que muito se assemelha à conciliação, pois se trata de um método autocompositivo que também busca a atuação ativa das partes rumo a solução de um conflito que esteja instaurado entre elas.

A definição do instituto da mediação é dada pelo parágrafo único, do art. 1º da Lei nº 13.140/2015 (Lei de mediações), no qual o legislador infraconstitucional aponta: “considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”.

ROSSI (2022, p. 14) preconiza que “a mediação é o método, o mediador é o facilitador do diálogo e os mediandos são os atores da sessão de mediação”, desta feita, a autora delimita os papeis de atuação de cada um dos envolvidos, e complementa: “cada qual tem lugar e papel distinto, sendo fundamental que harmonizem suas ações para resolverem a controvérsia que os trouxeram a buscar a mediação de conflitos”.

Assim como na conciliação, a mediação conta comum terceiro, alheio à demanda, que atua de forma a estabelecer e ordenar o diálogo entre as partes, contudo ele não pode ser incisivo ou propositivo como o conciliador. A figura do mediador tem uma atuação mais discreta, não podendo ser opinativo ou sugestivo, devendo buscar reduzir o ruído na comunicação e auxiliar para que as partes vislumbrem um acordo capaz de atender suas necessidades. Por isso, profissionais habilitados passam por processos de formação mais abrangentes para não ter uma visão apenas jurídica do problema e sim uma visão holística, do todo, compreendendo as ramificações sociais e afetivas que do conflito são derivativas.

PAIVA (2021. p. 24 e25) sintetiza:

Ou seja, na mediação, diferentemente da conciliação, o mediador não pode intervir mais ativamente propondo possíveis soluções, buscando promover tão somente uma boa comunicação e diálogo entre as partes, a fim de que os próprios envolvidos cheguem a um consenso.

Outro fator relevante é que a mediação é recomendada para situações em que as partes já tinham um vínculo prévio, ou seja, já existia entre elas uma dinâmica de convivência estabelecida. Logo, por haver um vínculo prévio, as partes entendem melhor todas as estruturas que geraram o problema e estão melhor qualificadas para apresentarem uma solução que possa atender a suas peculiaridades. Desta forma, a resolução do problema se torna única e se amolda com maior perfeição as particularidades e necessidades de cada um. Com isso o grau de satisfação aumenta e evita que demandas derivativas surjam, como é comum quando ocorrem decisões genéricas ou impositivas que não atendem as necessidades das partes envolvidas.

Tendo em vista suas características, a mediação, enquanto método autocompositivo, tem grande potencial de aplicação no âmbito do direito de família, no qual, em regra, há fortes laços emocionais pré-existentes entre os querelantes, seja em demandas que envolvam separação, divórcio, pensão alimentícia, guarda de filhos, proporcionando um ambiente ideia para que a mediação seja aplicada e gerado um acordo único que se molda aos contornos das necessidades específicas que são apresentadas em cada caso concreto.

Complementando, GONÇALVES (2017, p.408), em apertada síntese, aponta que “a mediação é adequada para vínculos de caráter mais permanente ou ao menos mais prolongados, e a conciliação para vínculos que decorrem do litígio propriamente, e não tem caráter de permanência”.

Dado que a mediação é aplicada, preferencialmente, em situações em que há um vínculo prévio entre as partes e que este vínculo pode perdurar após o litígio, GONÇALVES (2017, p.409, aponta que a atuação do mediador vai além da resolução do conflito, veja:

O papel do mediador não é formular sugestões ou propostas, que possam ser acatadas pelos envolvidos, porque se parte do princípio de que isso talvez possa solucionar um embaraço pontual, mas não o conflito. Mais do que uma solução consensual, o mediador deverá buscar, dentro do possível, uma reconciliação, ou uma pacificação ou apaziguamento, para que a relação, que tem caráter permanente ou prolongado, possa ser retomada sem obstáculos ou embaraços. É por meio da compreensão dos interesses em conflito e do restabelecimento da comunicação entre os envolvidos que o mediador poderá tentar fazer prevalecer e permanecer o vínculo.

No âmbito dos Tribunais Justiça, a grande massa de processos envolve principalmente o Direito de Família, por isso, tem-se visto um grande movimento para implementação de Centros de Conciliação e Mediação1, sejam diretamente ligados ao Poder Judiciário, para atuar na fase pré-processual e processual, seja indiretamente por meio de parcerias com Faculdades de Direito ou com entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Trata-se de um esforço conjunto pautado na garantia de sigilo e proteção aos direitos e intimidade dos envolvidos, cooperativo e com vista a mudança de paradigma, visando, em última análise, a pacificação social por meio de resoluções satisfatória aos conflitos, deixando a jurisdição como uma instância residual, apenas para as situações em que a autocomposição, a mediação ou a conciliação, não consigam alcançar o êxito.

SISTEMA MULTIPORTAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E OS MÉTODOS ADEQUADOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITO NA RESOLUÇÃO Nº 125 DO CNJ.

Com o aumento populacional e a complexa formação das sociedades modernas, cada vez mais dinâmicas e com mudanças rápidas, a crise da morosidade se instalou no Poder Judiciário. Fóruns cada vez mais abarrotados de processos são consequências de conflitos que surgem em sociedades que crescem exponencialmente sem que a sua população possa evoluir de forma a amadurecer culturalmente saindo da resolução litigiosa e buscando soluções autocompositivas.

Como resposta aos apelos pelo fim, ou no mínimo a redução, da morosidade da justiça surgiu a Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Trata-se de uma norma regulamentadora que prevê a aplicação do Métodos Adequados de Resolução de Conflitos por meio da implementação do Sistema Multiporta de Resolução de Conflitos. Sobre o tema PAIVA (2021, p.13) aponta:

Com efeito, o sistema multiportas não é novidade. Desde a década de 1990, é debatido na doutrina brasileira, sendo o termo Multi-door Courthouse uma alteração do Varieties of dispute processing, originariamente citado pelo autor Frank Sander (1979) da Universidade de Harvard, no longínquo ano de 1976. A ideia inovadora de Sander (1979) era de que houvesse uma possibilidade ampla para, quando as pessoas chegassem até as sedes do Poder Judiciário, fosse oferecido aos litigantes um tratamento personalizado que lhes permitisse, juntamente com o advogado, escolher a melhor forma de resolver o conflito, entre algumas desenvolvidas.

Sobre a nomenclatura Multiportas, MARINONI (2017, p. 116) complementa:

Com essa designação, pretende-se fazer ver que a solução judicial não é, e não deve ser, para a maioria dos litígios, a única via de solução cabível. Em verdade, sabe-se que, muitas vezes, a decisão judicial não é a solução mais adequada, considerando que suas características tendem a acirrar o conflito que eventualmente existe entre as partes. Por isso, uma jurisdição preocupada com a pacificação social deve oferecer aos litigantes um leque de opções para a composição da controvérsia, de modo que eles possam eleger aquele mecanismo que lhes ofereça a solução mais adequada e vantajosa, diante do caso concreto.

De nomenclatura curiosa, o Sistema Multiportas é uma metáfora para o aperfeiçoamento do sistema judiciário brasileiro de forma a abranger e aprimorar os métodos autocompositivos, melhorando a eficiência da prestação jurisdicional, além de possibilitar maior acesso à justiça. Assim, a ideia de múltiplas portas diz respeito aos múltiplos métodos que podem ser usados para a resolução de conflitos, como se houvesse várias portas, uma ao lado da outra, dentro dos fóruns e tribunais e atrás de cada uma delas houvesse um método de resolução de conflitos que pode ser aplicado de acordo com as necessidade e peculiaridades de cada caso. Nesse sentido, o artigo 1º, da Resolução nº 125/2010 do CNJ dispõe que:

Art. 1º. Fica instituída a Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade. (Redação dada pela Resolução nº 326, de 26.6.2020)

Parágrafo único. Aos órgãos judiciários incumbe, nos termos do art. 334 do Código de Processo Civil de 2015, combinado com o art. 27 da Lei 13.140, de 26 de junho de 2015 (Lei de Mediação), antes da solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão (BRASIL, 2010).

Pela leitura do artigo supra, fica claro que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) busca romper com a cultura da litigância e concentração das demandas no Poder Judiciário, a qual pressupõe a apreciação e decisão feita por um magistrado, e que a muito já acumula um passivo processual que se sobrepõe à capacidade dos juízes de proferir a quantidade de decisões e em tempo adequado para atender os anseios da sociedade.

Complementando GARCIA e PEREIRA (2018, p.275) explicam:

No processo judicial, teoricamente, as partes são personagens imprescindíveis, mas na prática, são apenas um de seus componentes. Nos métodos autocompositivos, em contrapartida, as partes são as efetivas protagonistas do procedimento e aprendem o modo como devem lidar com os conflitos, evitando também o surgimento de novas demandas judiciais.

Ainda seguindo a dinâmica da Resolução 125, outra nomenclatura que aparece é a dos Métodos Adequados de Resolução de Conflitos. Trata-se de um termo abrangente que consolida a mediação e a conciliação como os métodos mais apropriados para a pacificação social, devido a serem mais ágeis, dotados de maiores graus de satisfatoriedade e capazes de reduzir o número de novas demandas sobre a mesma temática, derivativas das demandas iniciais quando as soluções não atendem por completo aos anseios das partes. Sobre o tema PERPETUO (2018, p.3) aponta que:

Por meio dos mecanismos adequados de solução de conflitos, as relações de cidadania são efetivamente alcançadas pois deslocam para as partes a negociação dos seus próprios interesses, na medida em que buscam um entendimento, com autonomia e equilíbrio, não imposta por um terceiro e possibilitando que conflitos se estendam, mesmo diante de uma prestação jurisdicional.

Em uma análise da Resolução nº 125/2010 do CNJ, pode-se extrair que o intuito é que seja estimulada a aplicação de métodos não adversariais/litigiosos de resolução de conflitos. Diferente da jurisdição comum, pautada na disputa de forças antagônicas, em que partes com interesses distintos se digladiam, nos métodos não adversariais as partes são imbuídas no desejo de uma solução comum que possa ser benéfica para todos. O fomento à negociação e ao diálogo é uma característica imperativa na conciliação e na mediação. Empoderam-se as partes dando condições para que busquem a melhor solução.

ALVES (2020, p. 36) aponta as principais vantagens da aplicação de tais métodos:

A implantação de mecanismos de pacificação social eficientes, mas que não desvirtuem os ideais de justiça permite a desobstrução do Judiciário mantendo as garantias sociais exigidas, ao mesmo tempo em que garante a solução dos conflitos de forma menos custosa e mais célere.

Em arremate, GARCIA e PEREIRA (2018, p.276) destacam que:

Verifica-se que a Justiça Multiportas se preocupa com uma ética cidadã e protagonismo dos maiores interessados na solução do conflito, além de criar um ambiente onde o diálogo não seja substituído pela intervenção obrigatória, automática e técnica”.

Como forma de fomentar que os métodos adequados de solução de conflitos sejam implementados a Resolução nº 125/2010 do CNJ, impositivamente, manda que os tribunais criem Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMEC’s) e os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC`s) para, assim, viabilizar a aplicação de tais métodos, chamados de adequados, conforme os artigos 7º e 8º da referida resolução. Corroborando com o tema PERPETUO (2018, p.4), sintetiza:

O Conselho Nacional de Justiça, por meio da resolução nº 125/2010, foi o instrumento pelo qual o poder público fomentou ainda mais os institutos da mediação e conciliação no judiciário brasileiro, cabendo ao próprio CNJ a organização desta política e imputando aos tribunais o desenvolvimento destes mecanismos de diversas formas.

Ainda que de caráter impositivo a medida tem sido bem aceita e difundida no âmbito dos tribunais. Paulatinamente os CEJUSC’s estão sendo implementados, trazendo essa nova visão de uma justiça cooperativa, mais efetiva, célere e com soluções moldadas às especificidades de cada situação que os casos em concreto podem apresentar. Por óbvio, tais mudanças ainda enfrentam resistência. O apego às velhas fórmulas e à cultura tradicional do litígio criam uma sombra de desconfiança sobre esta nova realidade, mas as sementes estão sendo plantadas e os primeiros frutos começam a serem colhidos.

BUENO e SUTER (2022, p.72) relatam o impacto do sistema multiporta nos dados do Poder Judiciário brasileiro, puxado pelo aumento de acordos firmados nos CEJUSCS:

Dados do relatório analítico do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revelam que em 2019, após a entrada em vigor do CPC/15 e da Lei de Mediação, o número de sentenças homologatórias chegou em um ano a marca de 3,9 milhões. Nos Centros Judiciários de Resolução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC), aprovados por meio da Resolução 219/2016, teve-se um aumento de 18%. Isso demonstra que a tendência para os próximos anos é o aumento expressivo das resoluções consensuais.

Não se pode esperar que surja uma ruptura total com modelo antigo, e não é esse o objetivo do Conselho Nacional de justiça, essa nova fase pela qual o Poder Judiciário está passando visa integrar novos métodos, novas tecnologias para um esforço de criação de uma justiça célere, efetiva e eficaz. Assim, as múltiplas portas que representas as diversas alternativas para se encontrar a solução de um problema fazem parte de um mesmo ‘prédio’, não são excludentes, mas sim possibilidades de uma gama de escolhas com o objetivo de alcançar a pacificação e a resolução dos conflitos.

Outro fator importante com o qual a resolução se preocupa é o acesso à justiça não só quando a causa já foi judicializada. O Poder Judiciário pode e deve atuar desde antes da instauração do conflito, seja, com direcionamentos ou com orientações e esclarecimentos. Neste diapasão, ALVES (2020, p.27) aponta:

A referida Resolução menciona também sobre o direito de obter atendimento e orientação, não somente em situações de conflitos de interesses, como também em seus problemas jurídicos, em situações de dúvida e de desorientação. E se é direito dos jurisdicionado ter a oferta desses serviços, o Estado tem, inquestionavelmente, a obrigação de organizá-los de forma adequada.

Se o intuito da Resolução nº 125/2010, CNJ, é promover e fortalecer a aplicação dos métodos adequados de resolução de conflitos, fornecer informações, solucionar dúvidas, dar direcionamento para os cidadãos é o primeiro passo para que possam se empoderarem e terem uma atuação ativa dentro da aplicação de formas autocompositivas de conflitos.

Contudo, não se pode pensar que a métrica do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é somente voltada a busca pela redução do passivo processual. OLIVEIRA FILHO (2022, p. 441) critica essa distorção focada em apenas alcançar números e metas:

Afigura-se, nítido, portanto, seja pela análise do suporte normativo, seja pelo exame dos relatórios divulgados pelo CNJ, que a política de tratamento adequado vem sendo direcionada à obtenção de resultados destinados ao gerenciamento do acervo do Poder Judiciário, inclusive com incentivo à utilização indiscriminada de meios consensuais, independentemente da natureza do litígio. E, diante do resultado quantitativo tido como insatisfatório, busca-se promover alteração na metodologia do índice de apuração, com vistas a, ainda que artificialmente, obter diagnóstico tido como mais favorável.

Uma crítica pertinente, visto que avaliar o sistema de métodos adequados de resolução de conflitos pura e simplesmente pela quantidade de processos que ele retira das fileiras do arquivo do acervo judiciário é desvirtuar os métodos e comprometer sua finalidade, desviando-a e reduzindo-a pura e simplesmente ao gerenciamento do acervo judiciário. O novo modelo de aplicação da justiça não pode se subsumir, simplesmente, à redução de acervo e a desjudicialização, mas sim pautar-se na busca da pacificação social por meio do alcance da melhor resolução possível para um problema entre as partes, de forma cooperativa, integrada e satisfativa, e tendo a redução do quantitativo de processos como uma de suas consequências, benéficas, e não como uma finalidade unidirecional.

Dentro da perspectiva de uma justiça mais juntas e cooperativa, um processo de esclarecimento das partes e a abertura do Poder Judiciário para acolher pessoas nos mais diversos níveis sociais e culturais é um fator determinante para o sucesso dos novos métodos. Sem capacitar e esclarecer as partes acerca de seus direitos e deveres, não será possível que elas alcancem uma solução que possa satisfazer a suas necessidades. Só com uma paridade de armas e imbuídas do sentimento de igualdade é que as partes podem debater e transacionar sobre seus direitos. Complementando, OLIVEIRA JUNIOR (2019, p.112) argumenta:

Note-se que mesmo alcançando o escopo jurídico, uma sentença judicial pode causar descontentamento a ambos os litigantes, mormente quando o processo estatal é utilizado em situação para a qual não se mostra como o meio mais adequado a solucionar a espécie de conflito trazida ao Judiciário. Assim, a adequação do meio de resolução de conflitos permite a obtenção de um resultado com maior potencial de pacificação e de sensação de justiça.

Por fim, MARINONI (2017, p. 117) arremata:

Logicamente, porém, pensar em um modelo “multiportas” não pode resumir-se a oferecer aos litigantes os instrumentos da mediação e da conciliação. É necessário pensar em uma variedade muito maior de técnicas de solução das controvérsias, justamente para que se possa oferecer a cada conflito a melhor forma de sua resolução.

Desta feita, dar as partes a possibilidade de escolher qual das múltiplas portas será adequada para a resolução de suas demandas e dar subsídios para que os métodos por trás dessas portas sejam efetivamente implementados é fator decisivo para que acordos sejam firmados. Não basta a existência de um arcabouço teórico, o Poder Judiciário tem que atuar para que as ‘portas’ efetivamente existam e que possam fornecer o devido suporte para que os resultados sejam alcançados. Além disso, abre-se caminho para que novos métodos sejam desenvolvidos, os já existentes possam ser aprimorados ou combinados para que o sistema evolua e produza os frutos que dele se espera. Assim, o Sistema Multiportas é um movimento de agregação de técnicas e conhecimentos, sem que segregue os métodos já consolidados. Tem-se a soma de fatores para corroborar resultados mais satisfativos e alcançar uma prestação de justiça qualificada.

DESAFIOS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DA MEDICAÇÃO E DA CONCILIAÇÃO

Com salientado alhures, O Conselho Nacional de Justiça consagrou a mediação e conciliação como métodos adequados de resolução de conflitos. Tem-se, assim, um novo paradigma baseado na cooperação entre as partes, almejando alcançar resultados mais céleres e efetivos.

Contudo, para que os resultados almejados sejam efetivamente alcançados alguns desafios precisam ser superados. Toda mudança demanda tempo para que seja consolidada e enfrenta resistência derivada do enraizamento dos métodos e modelos anteriormente estabelecidos. Assim, uma análise dos principais entraves à implementação da mediação e da conciliação se faz necessária.

superar uma cultura litigiosa

Após superada autotutela, a qual o uso da força era usado para sobrepujar os mais fracos, surgiu a heterocomposição, na qual um terceiro investido de autoridade por leis, por monarcas ou, ainda, pelo poder de divindades decidia as lides conforme ideários de justiça.

Séculos se passaram e ainda hoje o modelo predominante de justiça se baseia na premissa de um juiz investido de poder decisório, jurisdição, o qual se apresenta como o ator principal na decisão e condução dos processos, devidamente embasado pelo ordenamento jurídico previamente estabelecido e que respalda suas decisões, sendo este seu fundamento de legitimidade e validade de suas decisões.

A jurisdição sofreu inúmeras transformações ao longo do tempo, se apoiando na atividade legiferante que tenta acompanhar os anseios da sociedade que se encontra em constantes transformações e expansão. Nesta linha, GARCIA e PERREIRA (2018, p. 275), apontam:

A Justiça Estatal clássica, consubstanciada na figura do juiz e na existência de uma lide, até pouco tempo atrás era considerada a única porta de acesso à solução dos conflitos. Contudo, em decorrência da superlotação das varas, da demora no julgamento dos processos e de sua extinção baseada muitas vezes num aspecto meramente formal, fez-se necessário buscar outras portas, capazes de facilitar a resolução das demandas, de forma mais célere e efetiva.

Fundamentalmente, a jurisdição segue um modelo de partes antagônicas que buscam a solução de um problema levando-o a um juiz para que esse o decida com fundamento em um ordenamento jurídico pré-estabelecido. Como se nota há a perpetuação da litigiosidade, as partes são sempre tidas como rivais, uma tentando fazer com que seus pretensos direitos se sobreponham aos direitos alegados por seus adversários.

CRUZ (2018, p.14 ) critica o modelo tradicional de resolução de conflitos e aponta que:

Aliado à essa cultura institucional burocrática, está também o ideário da população brasileira de que todo tipo de conflito deve ser encaminhado ao Judiciário. O pensamento é o de que o juiz é o indivíduo mais capacitado para dirimir conflitos no geral; aquele que impõe maior respeito; e que possui poder de coação. Cuida-se de um comportamento social que contribui de forma determinante para a quantidade absurda de processos que são peticionados diariamente nos fóruns.

Como consequência desse pensamento e posicionamento social frente às inúmeras contendas, a insatisfação resultante é inevitável para as partes. Assim, a autora complementa:

No entanto, o que mais se vê é insatisfação diante das sentenças dadas pelos juízes Brasil afora. Mas por quê? Porque os autos nem sempre refletem o que está por trás do conflito narrado, ou o que é pedido pela parte no processo sequer traduz o seu real desejo (e.g. o filho pede dinheiro por abandono afetivo, mas, na realidade, ele quer ser reconhecido, aceito e conviver com o genitor; ou quer um pedido de perdão pelo abandono, seguido do reconhecimento) CRUZ (2018, p.14 ).

Essa cultura da litigiosidade está entranhada no mais profundo âmago da sociedade, como uma tradição perversa que enxergar na parte adversária um inimigo, uma barreira a ser superada. Mover uma ação contra alguém tem o efeito de declara-lo antagonista, o vilão, quase como em um conto clássico de luta do bem contra o mal.

Com vistas a mudança da cultura de judicialização, a política de tratamento adequado de resoluções de conflito introduzida pelo CNJ em 2010 pela Resolução 125 abriu caminho para que novas legislações surgissem desbravando novos caminhos que tenham o fito de alcançar resoluções compatíveis com o sentimento de justiça e conscientização das partes de que devem exercer um papel ativo e participativo dentro da resolução de suas demandas. Nesta linha FERMENTÃO E FERNANDES (2020, p. 69) lecionam que:

De forma paradigmática, a política do CNJ serviu de inspiração para o desenvolvimento de duas medidas legislativas: o Código de Processo Civil Brasileiro (Lei n.º 13.105, de 16 de março de 2015) e a Lei de Mediação (Lei n.º 13.140, de 26 de junho de 2015), que incorporam grande parte das disposições da Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses no âmbito do Poder Judiciário, instituída pelo CNJ por intermédio da mencionada Resolução, em 2010.

Romper com essa visão distorcida de antagonismo é um grande desafio. Suplantar a visão de que as partes, dentro de um processo, são inimigas para que seja implementada a ideia de partes cooperativas pode soar até utópico ou uma fantasia distante da realidade. ALVES (2020, p.34) fala da criação de uma cultura de consenso para denominar essa nova realidade que se apresenta surgindo no horizonte:

Desse modo o fomento à cultura do consenso contribui para a harmonia social e o respeito ao direito do próximo, desmistificando a imagem negativa não só do conflito como também dos operadores do Direito, especialmente advogados, que incentivariam o litígio com o fito de obter vantagem financeira.

Esse processo de mudança para a superação da cultura litigiosa demanda uma transformação no pensamento, não só dos cidadãos comuns, mas sobretudo dos profissionais que atuam na operacionalização do direito. Criar uma nova consciência das benesses dos métodos adequados de resolução de conflitos é um processo de agregação de conhecimentos e transformação da mentalidade coletiva, reestabelecendo o contato entre as partes e criando pontes para a cooperação e união de esforços, com o objetivo claro de alcançar uma solução satisfatória a todos os envolvidos.

Inclusão dos métodos consensuais de resolução de conflitos no ensino Jurídico

O Curso de Graduação em Direito tem duração estimada em 5 anos, nos quais o aluno é imerso no arcabouço do nosso ordenamento jurídico. A grade curricular, em geral, abrange ramos do direito de maior abrangência, que constituem a base teórica para a formação profissional e nos dois últimos anos da graduação os alunos são inseridos em atividades de atendimento e elaboração de peças jurídicas, simuladas ou supervisionadas.

Ocorre que algumas matérias são tratadas como secundárias, ou seja, tem sua relevância relegadas ao segundo plano. Em algumas faculdades/universidades são ofertadas como matérias optativas, como se tivessem menor importância e por isso o aluno pode optar por usar seu tempo em outras atividades e despreza-las. Já em outras faculdades essas matérias se querem são oferecidas.

Neste ínterim, se inserem disciplinas ligadas à aplicação de métodos adequados de resolução de conflitos. Ao que parece ainda não houve um alinhamento das grades curriculares das faculdades de direito com os objetivos do Conselho Nacional de Justiça especificados na Resolução 125/2010. OLIVEIRA JUNIOR (2019, p. 112) aponta que um dos grandes óbices à utilização efetiva dos métodos adequados de resolução de conflito “reside justamente na formação cultural do profissional do Direito, que é voltada ao contencioso, à litigiosidade, à disputa”, e ainda apronta que “não há interesse pelos meios alternativos, mas apenas pelo instrumento estatal adjudicatório”.

SALES e CHAVES (2014, p. 257) corroboram apontando:

Para a adequada inserção da prática dos meios consensuais de solução de conflitos fora ou no âmbito do Poder Judiciário, os cursos, além das técnicas em mediação e conciliação, devem discutir a nova abordagem do conflito, do Direito, da Justiça. O perfil do profissional do Direito, que trabalhará com a mediação e a conciliação, requer um profissional receptivo a transformações, à escuta ativa e à valorização do diálogo, perfil este que vai de encontro a uma formação jurídica conservadora ainda viva nas faculdades de Direito do País.

Partindo da premissa que o CNJ está buscando implementar uma nova política de solução de conflitos, alterar a base curricular de formação dos futuros profissionais do direito é um grande passo para que se possa formar profissionais alinhados com uma cultura cooperativa de resolução de conflitos, rompendo com o antigo modelo adversarial que busca tão somente uma sentença que ateste a vitória a uma das partes. SALES e CHAVES (2014, p. 257) complementam, afirmando que “se faz assim necessária uma mudança na formação jurídica, diminuindo a normatividade excessiva, estimulando a interdisciplinaridade”.

Como salientado, por vezes, a apreciação dos modelos de conciliação e mediação são relegados à matriz curricular complementar, com cargas horárias diminutas, sem nenhum aprofundamento ou ainda são integradas ao estudo do Direito Processual Civil de forma subsidiária, como subtemas que são tratados de forma paralela e sem aprofundamento, ao estudo da marcha processual. Percebesse que há um descompasso entre o modelo de ensino, com embasamento teórico formulado para atender ao modelo tradicional, e as novas tendências de resolução de conflito, assim o profissional sai da faculdade e enfrenta um choque de realidade, sem um norte adequado para se posicionar no mercado e atender a estes novos anseios. Sobre esse impasse, SALES e CHAVES (2014, p. 259) sintetizam:

Há assim um choque de realidades. De um lado a formação normativa, autoritária, não dialogada, adversarial e litigiosa; de outro uma proposta que requer uma formação interdisciplinar, que fortalece as pessoas na solução do conflito, aposta no diálogo e que incentiva a cooperação e a ressignificação dos conflitos.

Inserir disciplinas teóricas e práticas sobre as formas adequadas de solução de conflito é capacitar os futuros operadores do direito para serem agentes transformadores. Todas as transformações surgem com um processo de formação educacional adequado. Reformular a grade curricular, dando a essas matérias o devido tratamento, é forma um profissional capacitado a atuar nessa nova estrutura de um Poder Judiciário Multiportas, inserido operadores dinâmicos e aptos a atuar dentro de processo cooperativos e integrativos.

MAZZEI e CHAGAS (2018, p.346) ressaltam:

Desta forma, como o atual contexto ainda é caracterizado pela falta de conhecimento – tanto de cidadãos leigos, quanto de atores jurídicos – sobre a existência, os conceitos e os procedimentos dos métodos de tratamento de conflitos, a audiência do artigo 334 cumpre uma função pedagógica. Comparecendo diante de um mediador ou conciliador judicial devidamente capacitado, tanto as partes quanto os respectivos patronos serão apresentados às técnicas e, aos poucos, despertar-se-á a curiosidade para o estudo e para a prática desses procedimentos.

Assim, uma reestruturação da grade curricular deve ser feita alinhando o ensino jurídico as novas formas de resolução de demandas, criando-se desde o processo de formação uma disposição para o diálogo, a transação e a busca de uma solução apropriada. Afinal, por mais que o Conselho Nacional de Justiça possa criar nomas impositivas exigindo que os métodos adequados de resolução de conflitos sejam aplicados, se não houver um trabalho de formação e capacitação dos profissionais do direito, o êxito não será alcançado. Só com a educação a mentalidade pode ser transformada, os objetivos podem ser alinhados e o resultados podem ser atingidos.

Mudança no papel dos operadores do direito

O termo operadores do direito pode ser empregado de maneira abrangente englobando os magistrados, membros do Ministérios Público, advogados, defensores públicos, procuradores e, por extensão, todos os servidores que atuam direta ou indiretamente na marcha processual.

Desde os primórdios da existência da resolução de contendas pela aplicação do direito, o modelo adversarial se consolidou. Deste modo, as partes eram vistas como adversárias e os operadores do direito a elas se agregavam para que os dois lados apresentassem suas razões até que ao fim uma decisão impositiva fosse tomada.

Logo, as contendas poderiam se arrastar por anos e anos, com as partes cada vez mais tomadas pelo espírito da ‘guerra’ e com o foco em vencer, aniquilando o inimigo. Pode soar um tanto prosaico, escrito por um filosofo grego nascido antes de Cristo, mas no modelo contencioso as partes e os operadores do direito que são encarregados de defender os seus direitos tem por fim único a vitória sobre o adversário. Todo o sistema e a burocracia envolvida são voltados a uma declaração de vitória a uma das partes ao final do litígio.

Sobre esse prospecto de um Poder Judiciário tradicionalista e apegado à burocracia, CRUZ (2018, p.13) critica:

O Poder Judiciário que temos hoje é resultado do tradicionalismo e de barreiras sociais que geraram um sistema burocrático, lento e ineficaz de resolução de conflitos e administração da Justiça na sociedade brasileira. Atualmente, o grande problema, que preocupa magistrados e servidores, é a quantidade de processos que se acumulam nas prateleiras (físicas ou eletrônicas) das Varas. A quantidade de trabalho é massiva e não diminui, independente da força-tarefa que seja feita para tal. Com isso, a qualidade do trabalho é prejudicada, o que contribui para a constante insatisfação do jurisdicionado.

Com o novo cenário de um Poder Judiciário multiportas, com a aplicação de métodos adequados para a resolução de conflito, não há mais espaço para a ‘guerra’ entre as partes. As novas perspectivas almejam um sistema cooperativo, integrativo, célere e eficiente, pautando no diálogo e na busca de soluções e não na imposição de derrotas.

Os papéis desempenhados pelos operadores do direito mudam de estrategistas voltados à vitória ou de fiscais e aplicadores da lei, pura e seca, para fomentadores do reestabelecimento das relações e pacificação social. O objetivo final deixa de a vitória e imposição de uma derrota à parte contrária e passa a ser a construção de uma solução que possa atender às necessidades de todos os envolvidos.

Nesta nova perspectiva, a construção de um acordo demanda a colaboração todos. Desde o advogado que ao atender seu cliente deve filtrar as emoções deste e carreia na petição aquilo que realmente é necessário à solução do problema, buscando caminhos para o restabelecimento do diálogo e viabilizando pontes para que o diálogo se instaure ou seja retomado para que os envolvidos possam chegar a uma resolução.

Dentro do modelo cooperativo, todos tem por objetivo a solução do problema. Empoderar as partes para que a resposta aos seus anseios seja adequada passa pela atuação de agente capacitados e com a consciência de que o fomento a um acordo é dever de todos. Desde o atendimento dos advogados, uma solicitação de informações a servidores nos balcões dos fóruns, até a efetiva realização de audiências e sessões, todos que atuam nessas dinâmicas devem trabalhar com o fim claro de cooperar para uma resolução amigável ou adequada.

Com o desenvolvimento dessa nova mentalidade, a busca por um acordo pode evitar a propositura de ações desnecessárias. Com bons diálogos a fase pré-processual pode se encaminhar para acordos frutíferos. E quando o processo for inevitável, torna as decisões mais assertivas. Afinal, com a cooperação mútua há mais elementos e ferramentas que conduzem a uma resolução que atenda em maior grau os interesses das partes, dando maior objetividade e satisfatividade à aplicação da justiça.

Capacitação dos mediadores e conciliadores

Como salientado alhures, tanto a mediação como a conciliação são métodos autocompositivos de resolução de conflitos que contam com a presença de um terceiro, que em maior ou menor grau, atua para fomentar o diálogo e restabelecer a comunicação entre as partes, com o fito de que sejam feitas reflexões, ponderações e ajustes para que, por fim, seja estabelecido um acordo que possa atender às necessidades daquelas partes.

MONTENEGRO FILHO (2018, p.179) aponta que:

Podem atuar como conciliadores e como mediadores os bacharéis em direito e os profissionais de outras áreas, como médicos, engenheiros, arquitetos, administradores etc. O importante é que a formação profissional do conciliador ou do mediador coincida com o objeto do litígio. Assim, em ações que versem sobre erro de construção, é fundamental que o conciliador seja um engenheiro ou um arquiteto, apenas para exemplificar.

Mas para executar tais tarefas, é essencial que conciliadores e mediados passem por processos de formação e capacitação. Sem a devida capacitação os resultados podem ser catastróficos. GONÇALVES (2017, p. 411) observa que “é de se esperar que essa capacitação forneça àquelas que a obtenham os subsídios necessários para melhor desempenhar o mister a que se destinam”. ROSSI (2022, p.13) discorrendo sobre a temática da mediação judicial, corrobora, afirmando que a atuação dos mediadores não pode ser ao improviso ou ao acaso, acrescentando que “há método e modelos próprios que conferem ao mediador os instrumentos necessários para que os mediandos construam as soluções para suas demandas”.

Todo o processo de resolução de conflitos tem de se basear em métodos e procedimentos que visem à resolução adequada, assim ter conhecimento técnico de como implementar e desenvolver uma sessão de conciliação ou de mediação é vital para o êxito.

Dado o papel de atuação dos mediadores e conciliadores, estarem estes devidamente qualificados para atuar é o marco na condução de um futuro acordo. Logo, ter um o processo de formação vai lhes garantir um arcabouço teórico formado pelas diversas técnicas de resolução de conflitos que poderão ser aplicadas ao caso concreto de acordo com as peculiaridades de cada situação, ou seja, com uma formação adequada, estes operadores do direito terão mais opções de formas atuação para a consolidação de um acordo entre as partes. SALES e CHAVES (2014, p. 265) apontam que “ Essa capacitação deve ser contínua e cada vez mais profunda para que o mediador esteja em constante aperfeiçoamento”.

Com isso o Conselho Nacional de Justiça estruturou um curso de formação baseado nos ditames normativos da Resolução nº 125/2010. Contudo, a formação encontra entraves no vetor financeiro e no quantitativo de pessoal apto a lecionar as aulas nos cursos de formação . Assim, há uma grade curricular mínima exigida para a formação dos conciliadores e mediadores, mas a capacidade de atendimento para formação ainda é limitada e bem inferior à demanda. SALES e CHAVES (2014, p. 267) argumentam:

Conscientes de que a implementação da Resolução n. 125 do Conselho Nacional de Justiça – Política Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses – encontraria dificuldades na formação jurídica dogmática, seus idealizadores tornaram obrigatória a capacitação de mediadores e conciliadores, exigindo uma grade mínima para os cursos de formação.

Dando uma visão mais ampla sobre a formação, NEVES (2022, p.70) discorre sobre os cursos de formação:

Nos termos do §1º do art. 167 do CPC, é requisito para a capacitação dos mediadores e conciliadores a aprovação em curso a ser realizado por entidade credenciada, cujo parâmetro curricular será definido pelo Conselho Nacional de Justiça em conjunto com o Ministério da Justiça. Entendo que, mesmo havendo convênio formal do Poder Judiciário com entidades privadas, esse requisito deve ser mantido, de forma que mesmo aqueles que não estejam vinculados diretamente às câmaras de conciliação e mediação devam ter certificado do curso supra citado para poderem atuar nas mediações e conciliações judiciais.

O vetor financeiro é marcado pela limitação orçamentária que os nossos tribunais enfrentam, afinal executar um processo de formação demanda custo com materiais, deslocamentos e, por vezes, local adequado. Logo, se os recursos são limitados, há uma limitação na capacidade de formação. O quantitativo de pessoas que precisam de formação e a capacidade que as instituições tem de formar ainda estão em descompasso.

O segundo vetor é expresso pela quantidade limitada de profissionais aptos a realizar esse processo de formação, podemos chamá-los de professores. Sem um quantitativo de professores aptos para atender a demanda de formação o processo de capacitação é numericamente deficitário, estando sempre ‘a quem’ do quantitativo esperado.

Além disso, o processo de formação tem de ser contínuo. Reciclagem de conhecimento e aprimoramento das técnicas são vitais para que se alcance os resultados almejados pelas metas estabelecidas pelo CNJ.

Sem um processo de formação adequado as conciliações e mediações são deliberadamente prejudicadas. Conciliadores e mediadores, sem métodos para aplicar, não são capazes de lidar com todas as problemáticas que surgem ao longo das intemperes dos casos concretos ou de contornar eventuais dificuldades que possam enfrentar dado o dinamismo com as sessões ou audiência de conciliação e mediação se desenvolvem. Sem qualificação, o desânimo e a perca credibilidade fazem com que os métodos adequados de resolução de conflitos sejam relegados ao fracasso e aumentando a resistência à aplicação de tais métodos.

O processo de formação tem que ser dinâmico e progressivo, criando novas etapas de formação e aprimoramento dos conhecimentos de forma contínua. A adaptação e o desenvolvimento de novas ferramentas têm de acompanhar os avanços da sociedade e suas novas formas de interação. Sem isso, o anacronismo prejudicará a efetividade e implementação dos métodos adequados de resolução de conflitos.

Limitações de estrutura e financeiras

A implementação dos métodos adequados de resolução de conflitos implica na destinação ou construção de estruturas físicas e, por vezes, a contratação e formação de pessoal. Tudo isso tem um custo, logo não se poderia deixar de falar das limitações financeiras enfrentadas pelo Poder Judiciário para que tais métodos sejam introduzidos.

Dada a limitação dos recursos públicos, toda a previsão dos gastos deve ser prescrita no orçamento anual que passará a integrar a Lei de Diretrizes Orçamentárias que irá reger o ano seguinte à sua aprovação, logo, todo e qualquer projeto do Poder Judiciário deve ter sua implementação em conformidade com os limites de gastos que estão previamente estabelecidos. GADELHA ( 2013, p. 18) ressalta que:

“Os arts. 99 e 100 da Constituição dão os contornos da autonomia financeira do Poder Judiciário. Tais disposições devem ter sua aplicação conjugada com as do art. 168. Os arts. 51, IV, 52, XIII, 99, § 1º, e 127, § 3º, da Constituição, atribuem às leis de diretrizes orçamentárias a competência para fixar limite para a elaboração das propostas orçamentárias dos demais Poderes”.

Em relação ao Poder Judiciário, tais dispositivos só visam confirmar a não existência de autonomia orçamentária e financeira do Poder Judiciário, estando suas propostas orçamentárias sujeitas aos limites estipulados em conjunto na LDO”.

Corroborando e complementando CONTI (2012, p. 95) enuncia que “deste modo, o limite das despesas do Poder Judiciário, dentro do qual ele terá liberdade de alocar seus recursos, pois tem a prerrogativa de elaborar sua proposta orçamentária, é decisão de fundamental importância para sua autonomia financeira.

Anteriormente foi dito que a mudança perquirida pela Resolução nº 125/2010 do CNJ demanda a qualificação adequada dos agentes operadores da mediação e da conciliação, implicitamente há um custo para que isso ocorra. Pensar em qualificar um grupo de pessoas abrange pagar salários a professores/instrutores, despesas com um local adequado para que os cursos sejam ministrados e, até mesmo, o custo dos materiais, etc.

De outro espectro, a própria estrutura para que sejam instaurados os centros de mediação e conciliação demandam mobiliário e equipamentos, para que se crie um ambiente que seja propício ao diálogo e a transação. Estudos indicam que até mesmo a cor do ambiente pode contribuir para que os ânimos se acalmem, contribuindo para que bons resultados sejam alcançados. Por isso, não basta apenas, tomados pelo impulso, selecionar uma salinha sem uso, e destina-la para a aplicação destes métodos. Seria tratar a conciliação e a mediação como categorias menores dentro da dogmática da solução de conflitos. Além do aspecto psicológico comparativo que pode ser infundido no amago do pensamento das partes ao verem sua demanda serem tratadas em uma salinha escura em um canto, enquanto que outras demandas submetidas à jurisdição tradicional são tratadas em salas de audiência, as quais contam, ao menos em tese, com uma estrutura adequada.

Sobre a temática da infraestrutura adequada, NEVES (2022, p.69) aponta:

Acredito que a curto ou médio prazo essa possa a vir a ser realidade nas comarcas e seções judiciárias que são sede do Tribunal, e até mesmo em foros mais movimentados que não sejam sede do Tribunal. Contudo, acreditar que essa será a realidade, e aí mesmo em longo prazo, para todas as comarcas, seções e subseções judiciárias do Brasil é irrazoável e discrepante de nossa realidade. Se muitas vezes até mesmo a sede do juízo é de uma precariedade indesejável, custa crer que sejam criados espaços físicos com o propósito exclusivo de abrigar os centros judiciários de solução consensual de conflitos.

Se os recursos disponíveis são limitados, por extensão a implementação dos processos e projetos que deles dependem também se encontram limitações. Implementar medidas, que viabilizem a estruturação apropriada de centros ou salas para a aplicação dos métodos adequados de resolução de conflitos, encontra um grande obstáculo na escassez de recursos. Tendo em mira a finitude dos recursos orçamentário, dificulta-se que os avanços de novas técnicas possam ser implementados na velocidade que seria necessária para atingir as metas de celeridade e efetividade que a muito se espera do Poder Judiciário.

GADELHA ( 2013, p.21), ainda, aponta que:

Vale ressaltar ainda, que essa liberação das verbas orçamentárias para o Judiciário é feita gradativamente, ou seja, ao longo do ano. Se a expectativa de arrecadação tributária do governo decrescer ao longo do ano, pode ainda ocorrer o ―contingenciamento‖ das verbas, isto é, o bloqueio do repasse do dinheiro, até a normalização da arrecadação.

Buscando contornar tal problemática, processos de parcerias têm sido firmados entre diferentes entidades e o Poder Judiciário. Com recursos escassos, a melhor alternativa é a soma de forças para a concretização de objetivos comuns. Assim, tem se tornado comum a implementação de CEJUSC em Faculdades de Direito ou em prédios públicos ligados à área de ações sociais, e até mesmo a implantação de centros de conciliação e mediação privados.

A consolidação de parcerias é um passo importante para a difusão do novo modelo de aplicação de justiça, mas o gargalo financeiro ainda é um grande entrave que dificulta e reduz a extensão dos efeitos. Se os métodos não conseguirem ser implantados em todas as regiões do país, a mudança não conseguirá gerar os efeitos esperados e o rompimento com a cultura do conflito.

Tem-se uma necessidade de criação de um plano de ação de abrangência nacional para que, mesmo com recursos escassos, métodos como a conciliação e a medição possam chegar aos lugares mais distantes e não ficarem reclusos apenas aos grandes centros urbanos . Afinal, a justiça só pode cumprir a sua função quando alcança a todos e de maneira uniforme.

CONCLUSÕES

Dado o processo evolutivo da sociedade e as novas dinâmicas sociais, a implementação de novos métodos de resolução de conflitos é necessária para que a justiça possa acompanhar o processo de transformação social e cumprir o seu papel. Buscar novas alternativas, mais efetivas e que realmente possam atender às necessidades, cada vez mais complexas, é salutar para que o verdadeiro sentido de justiça e paz social seja alcançado.

A perspectiva do Sistema Multiportas, implementado pelo Conselho Nacional de Justiça por meio da Resolução 125/2010, é que sejam criadas alternativas com o objetivo de solucionar um conflito para que a solução seja dotada de maior eficiência e eficácia. Afinal, uma solução que conta com a efetiva participação das partes tende a ser mais satisfativas e adequada às necessidades destas. Por consequência, reduz-se o grau de insatisfação e evita-se que novas demandas sejam propostas. Empoderar as partes para o diálogo tendem a ser um propulsor visando alcançar uma solução mais objetiva e com maior foco em atingir o que realmente era o cerne da demanda.

Trata-se de um processo integrativo, ou seja, os métodos adequados de resolução de conflitos não surgem como uma ruptura do modelo de jurisdição tradicional, mas como um leque de novas possibilidade que podem ser usados, conjunta ou individualmente, na busca por uma solução adequada. É ir além da mera expectativa de uma sentença coercitiva ao final de um processo, e sim, buscar um procedimento cooperativo no qual as partes tomam posse de suas necessidades e discutem fatos, provas e consequências com o fito de alcançarem uma resolução que minimize as perdas e maximize os ganhos.

Mesmo que não seja uma ruptura total com o modelo antigo, pautado primordialmente na jurisdição, a implementação dos métodos adequados de resolução de conflitos, especialmente a mediação e a conciliação, causa estranheza e passa por um período de adaptação. Desta forma, é natural que enfrente críticas e desconfiança.

Problemáticas como a necessidade de capacitação, falta de ambientes adequados, falta de recursos são características de todo processo de mudança. Capacitar os agentes é vital para êxito. Ter uma formação adequada e continuada é um divisor de água para que a aplicação dos métodos adequados de resolução de conflitos consiga atingir todos os efeitos que deles se esperam. Aliado a isso, tem de haver uma atenção aos espaços onde estes métodos serão aplicados, o próprio local é um fator que pode afetar o sucesso um insucesso de uma conciliação ou mediação. Por óbvio, capacitar e construir ou adequar ambientes para as seções de conciliação ou mediação demandam um custo e como foi ressaltado, alhures, o orçamento do Poder Judiciário é um fator limitativo, ou seja, tudo só pode ser praticado dentro do que o quantitativo financeiro permite.

Dadas estas limitações os avanços seguem a medida do que é financeiramente possível e com o quantitativo de pessoal capacitado crescendo no mesmo ritmo. Por isso, a busca para que sejam firmadas parcerias entre poderes distintos ou até com entidades privadas surge como um propulsor da difusão dos métodos adequados de resolução de conflitos, afinal mais apoio significa potenciais novos espaços adequados, mais pessoal pode ser capacitado e há um compartilhamento dos custos para se maximizar os resultados.

Talvez o maior entrave à aceitação dos métodos adequados de resolução de conflitos seja o embate cultural gerado por séculos e séculos do protagonismo absoluto da jurisdição como a única forma de resolução de uma demanda. Mudar de um processo cultural baseado na litigiosidade no qual as partes são vistas como adversárias e que a vitória se baseia em sobrepor ao adversário para um processo cultural cooperativo em que as partes devem ser empoderadas e participar ativamente pode soar utópico, mas paulatinamente a desconfiança vem dando lugar à curiosidade, e o desejo pela renovação e atualização do conhecimento rompe os paradigmas fossilizados.

A mudança normativa institucionalizada pelo Sistema Multiportas deve, ainda, adentrar a matriz curricular das Universidades e Faculdade de Direito para que a formação profissional se adeque a estas novas perspectivas. Já quanto aos profissionais, novos e de longa data, é vital que percebam as transformações sociais que o cercam e vejam o aprendizado de novas técnicas de resolução de conflitos como aliadas, se atualizando e reciclando conhecimento para estarem sempre aptos aos novos métodos e tecnologia que inevitavelmente vão continuar a surgir.

Tem-se um novo paradigma, transformando a ideia de justiça em uma ação cooperativa com resultado benéfico para todos os envolvidos. Logo, superar os entraves à aplicação de metodologias novas é transformar a própria concepção conceitual de justiça, para que esta acompanhe as transformações pelas quais a sociedade passa.

Não se trata apenas da busca de celeridade ou da redução da morosidade do Poder Judiciário, os métodos adequados de resolução de conflito mudam todo um paradigma sobre o qual o Judiciário encontrava um dos seus principais pilares de sustentação, logo minimizar os entraves à implementação de tais métodos corrobora a evolução da prestação judiciária e a criação de um novo paradigma lastreado na cooperação entre as partes.

Todo o processo de implementação e estruturação de uma mudança demanda tempo e aprimoramentos. Ajustes são necessários e nem todos os envolvidos recebem a mudança com o devido acolhimento, mas para que os resultados sejam maximizados a mentalidade litigiosa deve ser relegada ao ostracismo para que a cultura do empoderamento das partes e da mútua cooperação se torne um pilar de sustentação da justiça.

Desta feita, a Justiça Multiportas precisa superar todos os obstáculos supra mencionados e outros que eventualmente surgirão, conseguido alcançar as comarcas mais distantes e gerando um procedimento educativo e transformador. A teoria ainda estar dissonante da prática, mas os primeiros passos foram dados e com os devidos ajustes bons resultados podem ser alcançados. Trata-se de metodologia em processo de implementação, logo demanda tempo, recursos e capacidades que devem ser adquiridas e aperfeiçoadas ao longo do processo para que todos os resultados esperados possam surgir.

Mecanismos de análise da efetividade e eficácia do Sistema Multiportas vão medir, ao longo do tempo, os indicadores qualitativos e quantitativos para que as metas e objetivos estejam sempre alinhados aos anseios da sociedade e por isso eventuais mudanças de curso podem ser necessárias, além, é claro, da superação dos obstáculos, atuais e futuros, que fazem parte do processo para o aperfeiçoamento do sistema.

REFERÊNCIAS

ALVES, Caio de Carvalho. A advocacia consensual e os métodos adequados de resolução de conflitos. 2021. Trabalho de Conclusão de curso- Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Fluminense, Volta Redonda, 2021. Disponível em; < https://app.uff.br

/riuff/handle/1/24227 >. Acesso em 23/12/2022.

ARAÚJO, Mahyara Lopes da Silva. Acesso à justiça e os métodos adequados de resolução de conflitos: a mudança de paradigma e a disseminação de uma cultura de paz. Brasília: IDP/EDB, 2015. Instituto Brasiliense de Direito Público. Disponível em < https://repositorio.

idp.edu.br/123456789/1822 >. Acesso em 02/01/2023.

ARRUDA, Isa Cerchi. A mediação familiar como método adequado de resolução dos conflitos decorrentes da prática da alienação parental. Disponível em < http://191.252.19

4.60:8080/handle/fdv/419 >. Acesso em 29/12/2022.

BRASIL, Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015.

BRASIL, STJ – Jurisprudência em Teses. Edição nº 122, Brasília, 05 de abril de 2019. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/docs_internet/jurisprudencia/jurisprudenciaemteses/Ju

risprudencia%20em%20Teses%20122%20-%20Arbitragem.pdf>. Acesso em 15/02/2023.

BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Brasília, DF: Presidência da República, [1995]. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l909-9.htm>. Acesso em: 02/01/2023.

BUENO, Aline Marcelino., & SUTER, José Ricardo. A mediação como método adequado na resolução de conflitos familiares que envolvem o abandono afetivo por um dos genitores. Revista Hórus17(01), 64–86, 2022. Disponível em < https://estacio.periodicoSci

entificos.com.br/index.php/revistahorus/article/view-/1397>. Acesso em 29/12/2022.

CONTI, José Mauricio. A Lei de Diretrizes Orçamentárias e a autonomia financeira do Poder Judiciário. Cadernos Jurídicos da Escola Paulista da Magistratura. 2013. Disponível em: <https://core.ac.uk/download/pdf/211916577.pdf >. Acesso em 12/01/2023.

CRUZ, Bárbara Oliveira. O uso das Constelações Familiares como Método Adequado para a Resolução de Conflitos no Poder. Brasília, 2018. Disponível em < https://bdm.unb.

br/handle/10483/23399 >. Acesso em 28/12/2022.

DELGADO, Mauricio Godinho. Arbitragem, mediação e comissão de conciliação prévia no direito do trabalho brasileiro. In: Revista LTr, v. 66, n. 6, jun. 2002, São Paulo.

FERMENTÃO, Cleide Aparecida Gomes Rodrigues; FERNANDES, Ana Elisa Silva. A resolução n.º 125/2010 do cnj como política pública de tratamento adequado aos conflitos nas relações familiares: em direção à proteção da dignidade da pessoa humana e a efetivação dos direitos da personalidade. Revista direitos sociais e políticas públicas ( UNIFAFIBE ) – Vol. 8 , N . 2 , 2020. Disponível em < https://portal.unifafibe.com.br/revista

/index.php/direitos-sociais-politicas-pub >. Acesso em 28/12/2022.

GADELHA, Gustavo de Paiva. A independência orçamentária do poder judiciário brasileiro: reflexões acerca da experiência norte-americana. 2013. disponível em:<http://nupex.cesed.br/public/uploads/A_INDEPENDENCIA_ORCAMENTARIA_DO_PODER_JUDICIARIO_BRASILEIRO__REFLEXOES_ACERCA_DA_EXPERIENCIA_NORTE-AMERICANA.PDF>. Acesso em 22/01/2023.

GARCIA, Luísa de Castro Graize. PEREIRA, Diogo Abineder Ferreira Nolasco. A efetividade da mediação e da conciliação enquanto métodos adequados de resolução de conflitos: uma análise do CEJUSC da Comarca de Manhuaçu/MG. Anais do III Congresso de Processo Civil Internacional, Vitória, 2018. Disponível em: < https://periodicos

.ufes.br/processocivilinternacional/article/view/26045 >. Acesso em 22/12/2022.

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado / Marcus Vinicius Rios Gonçalves. – 8. ed. – São Paulo : Saraiva, 2017. (Coleção esquematizado/ coordenador Pedro Lenza)

GUERRERO, Luis Fernando. Os métodos de solução de conflitos e o processo civil. São Paulo: Atlas, 2015.

MARINONI, Luiz Guilherme. Novo curso de processo civil [livro eletrônico]: Tutela dos direitos mediante procedimento comum, Volume 2. -3.ed. -São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.

MAZZEI, Rodrigo; CHAGAS, Bárbara Seccato Ruis. Métodos ou tratamentos adequados de conflitos?. Revista Jurídica da Escola Superior de Advocacia da OAB-PR EDIÇÃO ESPECIAL - Ano 3 - Número 1 - Maio de 2018. Disponível em < http://revistajuridica.esa.

oabpr.org.br/wpcontent/uploads/2018/05/revista_esa_6_13.pdf >. Acesso em 05/01/2023.

MONTENEGRO FILHO, Misael. Novo Código de Processo Civil comentado / Misael Montenegro Filho. – 3. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018.

NAVARRO, Juliana Melo. Mediação como método adequado de resolução de disputas aplicado à solução de conflitos familiares e seus reflexos no âmbito do judiciário brasileiro. R. Fórum de Dir. Civ. – RFDC | Belo Horizonte, ano 9, n. 23, p. 89-112, jan./abr. 2020. Disponível em: < https://www.editoraforum.com.br/wpcontent/uploads/2020/04/PF_R

FDC_23-2.pdf#page=91 >. Acesso em 10/01/2023.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil- Volume único/ Daniel Amorim Assumpção Neves- 14º.ed.- São Paulo: Editora Juspodvm, 2022.

OLIVEIRA FILHO, Silas Dias de. Política judiciária nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do poder judiciário: entre os escopos e a realidade. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Rio de Janeiro. Ano 17. Volume 24. Número 1. Janeiro-abril de 2023. Disponível em < https://doi.org/10.12957/redp.2023.66959 >. Acesso em 20/01/2023.

OLIVEIRA FILHO, Silas Dias de. Processo e Justiça: escopos do processo e dos meios adequados de resolução de conflitos. Revista CNJ, Brasília, DF, v. 3, n. 2, p. 104-116, jul./dez. 2019. Disponível em: <https://d1wqtxts1xzle7.cloudfront.net/78259092/OLIVEIRA_

FILHO_SILAS_DIAS_DE_Processo_e_justica-libre.pdf?1641518995 >. Acesso em 20/12/2022.

PAIVA, Arthur Henrique Duarte de. Cultura da autocomposição e os desafios da pandemia da covid19: uma análise da aplicação dos métodos adequados de resolução de conflitos no TJPB. - Santa Rita, 2021. Disponível em: < https://repositorio.ufpb.br/jspui

/bitstream/123456789/22492/1/AHDP17122021.pdf >. Acesso em 31/12/2022.

PERPETUO, Rafael Silva; MIRANDA, Vanessa Diniz Mendonça; NABHAN, Francine A. Rodante Ferrari; ARAÚJO, Jakeline Nogueira Pinto de. Os métodos adequados de solução de conflitos: mediação e conciliação. Rev. Fac. Direito São Bernardo do Campo | v.24 | n.2 | 2018. Disponível em < https://portalidea.com.br/cursos/7f0929931d6b879a7f738e343411

5205.pdf > acesso em 05/01/2023.

ROSSI, Rachel. Reflexões sobre métodos adequados de solução de conflitos. Revista Eletrônica OABRJ - Edição Especial da Comissão de Mediação e Advocacia Consensual da 57ª Subseção - Barra da Tijuca. Disponível em < https://revistae-letronica.oabrj.org.br/wp-content/uploads/2022/03/Artigo-Rachelfinalizado.pdf >. Acesso 05/01/2023;

SALES, Lilia Maia de Morais Sales; CHAVES, Emmanuela Carvalho Cipriano. Mediação e Conciliação Judicial – A Importância da Capacitação e de seus Desafios. Revista Seqüência (Florianópolis), n. 69, p. 255-280, dez. 2014. Disponível em: https://doi.org/10.50

07/21777055.2014v35n69p255. Acesso em 20/12/2022.


  1. CEJUSC - Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania.

Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos