Desaprovação de prestação de contas e inelegibiilidade

29/01/2024 às 13:35
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Dúvidas ainda persistem sobre possibilidade, ou não, de um agente político municipal concorrer a pleito eleitoral em casos em que sua prestação de contas foi reprovada pelo Tribunal de Contas e Poder Legislativo competentes.

A elucidar a questão, sem embargo de outras, eis as seguintes ponderações.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), via do Tema 157 de Repercussão Geral (RE 729.744. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Trânsito em julgado: 18/10/2019), firmou tese de que o parecer prévio do Tribunal de Contas é de índole opinativa e que compete ao Poder Legislativo municipal o julgamento das contas do chefe do Poder Executivo:

Tema 157 STF – Tese: O parecer técnico elaborado pelo Tribunal de Contas tem natureza meramente opinativa, competindo exclusivamente à Câmara de Vereadores o julgamento das contas anuais do Chefe do Poder Executivo local, sendo incabível o julgamento ficto das contas por decurso de prazo.

 No Tema 835 de Repercussão Geral (RE 848.826. Relator: Ministro Luiz Roberto Barroso. Trânsito em julgado: 8/10/2019), o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou entendimento no sentido de que, para fins de incidência de inelegibilidade gizada no artigo 1º, inciso I, alínea "g", da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, a apreciação das contas de prefeitos será exercida pelas Câmaras Municipais, com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores:

 Tema 835 STF – Tese: Para os fins do art. 1º, inciso I, alínea "g", da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, a apreciação das contas de prefeitos, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores.

 Das preambulares considerações, extrai-se que permanece incólume a competência geral dos Tribunais de Contas para o julgamento, a fiscalização e a aplicação de medidas cautelares (corretivas e sancionatórias) aos agentes públicos em casos de rejeição de suas prestações de contas, independentemente de ratificação pelo Poder Legislativo.

Com efeito, as decisões do Tribunal de Contas que aponta irregularidades na prestação de contas do agente público não é apto a ensejar a inelegibilidade por rejeição de contas: a competência é do Poder Legislativo.

 Fixadas estas premissas, indaga-se: se a decisão do Poder Legislativo, se não derrubado o parecer prévio do Tribunal de Contas por 2/3 (dois terços) de seus membros, enseja a inelegibilidade do alínea “g” do inciso I do artigo 1º da LC 64/1990?

 Num primeiro momento e se observada a letra fria da norma, parece que sim. Mas, se observado com a devida cautela a disposição legal do artigo 1º, inciso I, alínea "g", da LC 64/1990, crê-se que não.

 Explica-se.

 Alterada pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, a Lei Complementar n. 64, 18 de maio de 1990, expressamente prevê que são inelegíveis, dentre outras hipóteses e salvo as exceções previamente previstas em lei, para qualquer cargo aqueles que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente:

 Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

(...)

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição; 

 A regra vigente do artigo 1º, inciso I, alínea "g", da LC 64/1990 é clara no sentido de que para sua incidência se faz necessária - e concomitantemente - os seguintes requisitos: a) rejeição de contas, com imputação de débito e não sancionada exclusivamente com multa; b) exercício de cargo ou funções públicas; c) irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa; d) irrecorribilidade da decisão; e) inexistência de provimento judicial que suspenda ou anule a decisão proferida pelo órgão competente.

 Farto o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) neste sentido:

 (...) INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, G, DA LC Nº 64/90. CARACTERIZAÇÃO. REJEIÇÃO DE CONTAS PÚBLICAS. PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL. OMISSÃO NO DEVER DE FISCALIZAÇÃO. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. FATO SUPERVENIENTE. NÃO CONFIGURAÇÃO. [...] 2. A incidência da causa de inelegibilidade disposta no art. 1º, I, g , da LC nº 64/90 reclama a presença concomitante dos seguintes requisitos: (i) rejeição de contas, com imputação de débito e não sancionada exclusivamente com multa; (ii) exercício de cargo ou funções públicas; (iii) irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa; (iv) irrecorribilidade da decisão; e (v) inexistência de provimento judicial que suspenda ou anule a decisão proferida pelo órgão competente (...). 4. A omissão do chefe do Poder Legislativo Municipal do seu dever de fiscalizar execução de contrato em desconformidade com os termos ajustados, ainda que firmado em gestão anterior, ensejando dano ao Erário, configura irregularidade insanável, caracterizadora, em tese, de ato de improbidade administrativa mediante dolo específico. (...). (TSE. Ac. de 15.12.2022 no RO-El nº 060205129, rel. Min. Carlos Horbach). (Grifos e omissões nossos).

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 Não é, portanto, qualquer rejeição de prestação de contas de agente público capaz de fazer incidir a inelegibilidade prevista no artigo 1º, inciso I, alínea "g", da LC 64/1990: a irregularidade apta a tal intento tem de ser insanável e improba e a decisão deve ser irrecorrível junto ao órgão competente, podendo, contudo, ser suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário.

 Imaginemos, à guisa de exemplo e com fins de responder a problemática lançada - se a decisão do Poder Legislativo enseja a inelegibilidade do alínea “g” do inciso I do artigo 1º da LC 64/1990 -, que um agente político integrante do Poder Executivo (presidente, governador, prefeito) tenha desaprovada suas contas pelo Tribunal de Contas competente não por irregularidade insanável improba, mas, tão somente, por irregularidades formais.

 No exemplo dado, a toda evidência, o agente político não estaria impedido de concorrer a mandato eletivo, salvo, num primeiro momento, se a prestação de contas tiver sido desaprovada pelo Poder Legislativo, vez que a este compete julgar as contas públicas do agente e, por consequência, fazer incidir a inelegibilidade prevista no artigo 1º, inciso I, alínea "g", da LC 64/1990.

 Ocorre que, no exemplo dado, a prestação de contas do agente público não foi rejeitada pelo Tribunal de Contas por vício insanável de improbidade administrativa, não podendo a decisão do Poder Legislativo se prestar a tornar inelegível o agente, ainda que não derrubado o parecer do Tribunal de Contas.

 A decisão do Poder Legislativo, no exemplo trazido à baila, tão somente seria válida a ensejar a inelegibilidade do agente político quando suas contas tivessem sido reprovadas por vicio insanável improbo, como assentado no artigo 1º, inciso I, alínea "g", da LC 64/1990.

 Afinal, a configuração da inelegibilidade em questão somente restará incidente em casos de rejeição de contas por vicio insanável de improbidade administrativa, devendo o Poder Legislativo apurar se as irregularidades apuradas pelo Tribunal de Contas são das tidas insanáveis ímprobas.

 Não basta, simplesmente, o Poder Legislativo decidir pela aprovação ou reprovação das contas públicas do agente, sendo indispensável a motivação de sua decisão, conforme regra do inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal de 1988:

 ADMINISTRATIVO – EX-PREFEITO – REJEIÇÃO DAS CONTAS PÚBLICAS PELA CÂMARA MUNICIPAL – PARECER DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO – APRECIAÇÃO DO JUDICIÁRIO – CABIMENTO – LC 64/90, ART. 1º, INC. I “G” – PRECEDENTES. – O ato de rejeição das contas de ex-prefeito, pela Câmara de Vereadores, com apoio em parecer Técnico dos Tribunais de Contas, é de natureza administrativa e, como tal, sujeito à apreciação do Judiciário como ocorre com os atos administrativos em geral, seja quanto aos seus aspectos formais, seja no tocante à procedência da sua motivação (REsp. 80.419/MG). – Recurso conhecido e provido, determinando o retorno dos autos ao Tribunal de origem, que dará prosseguimento ao julgamento (STJ. Recurso especial n. 151.529. Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS. 2ª Turma. Publicado no DJ em 11/11/2002).

 Em conclusão, não sendo o caso de irregularidade insanável não se há dizer de inelegibilidade prevista no artigo 1º, inciso I, alínea "g", da LC 64/1990, ainda que o julgamento tenha ocorrido pelo Poder Legislativo.

Sobre o autor
Francisco Valadares Neto

Graduado Bacharel em Direito pelo Instituto Luterano de Ensino Superior de Ji-Paraná (ILES/ULBRA). Concluiu, em 2004, pós-graduação em Direito Público pela Faculdade Integrada de Pernambuco (FACIP), obtendo o título de Pós-Graduado em Direito Constitucional. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, na cidade de Buenos Aires – Argentina (2016). Atualmente, além das atividades de advogado, exerce o cargo de Procurador Jurídico do Município de Brasiléia – Estado do Acre.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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