O silêncio da constituição estadual e a viabilidade do mandado de injunção perante tribunal de justiça local nos casos de norma de reprodução obrigatória.

14/10/2023 às 00:01
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RESUMO: O objetivo do presente estudo é, basicamente, examinar se a ausência de expressa previsão na Constituição Estadual impede a impetração de Mandado de Injunção perante o Tribunal de Justiça local visando a consecução de um direito, cuja fruição, a despeito de consubstanciar norma de reprodução obrigatória, esteja interditada pela omissão legislativa. Partindo da premissa de que se uma norma é de reprodução obrigatória, considera-se que ela está presente na Constituição Estadual mesmo que a Carta Local seja silente, ressoa natural a conclusão de que mesmo não existindo na Constituição Estadual previsão expressa sobre determinada norma considerada de reprodução obrigatória, nada impede que seja impetrado mandado de injunção no âmbito do respectivo Tribunal de Justiça visando a consecução do correspondente direito.

 PALAVRAS-CHAVE: Mandado de Injunção; norma de reprodução obrigatória; ausência de previsão expressa na Constituição Estadual; viabilidade de julgamento pelo Tribunal de Justiça Local.


A forma de Estado federalista adotada pela Constituição de 1988 consubstancia-se por um arranjo institucional que envolve a partilha do poder entre diversas unidades políticas autônomas, que coexistem no interior de um único Estado soberano. Trata-se de um modelo de organização política que busca conciliar a unidade com a diversidade.

Embora existam diferentes modelos de federalismo, há alguns elementos mínimos sem os quais uma federação se descaracterizaria. Entre esses elementos, destaca-se, nos moldes do Art. 18 da CF/88 (BRASIL 1988), a efetiva autonomia política dos entes federativos, que se traduz nas prerrogativas do autogoverno, autoorganização e autoadministração (ADI 5646/SE).

Não se pode perder de vista, no entanto, que certos preceitos existentes na Carta Magna (BRASIL 1988) consubstanciam, segundo classificação do Supremo Tribunal Federal, normas constitucionais de reprodução obrigatória, também chamadas de normas centrais.

Assim se qualificam as disposições da Carta da República (BRASIL 1988) que, por pré-ordenarem diretamente a organização dos Estados membros, do Distrito Federal e/ou dos Municípios, ingressam automaticamente nas ordens jurídicas parciais editadas por esses entes federativos. Essa entrada pode ocorrer, seja pela repetição textual do texto federal, seja pelo silêncio dos constituintes locais – afinal, se sua absorção é compulsória, não há qualquer discricionariedade na sua incorporação pelo ordenamento local.

Significa dizer, parafraseando o saudoso Min. Carlos Velloso, quando ainda ocupava assento no Excelso Pretório, que as normas centrais da Constituição Federal (BRASIL 1988) são de reprodução obrigatória na Constituição do Estado-membro e, dessa forma, reproduzidas, ou não, incidirão sobre a ordem local (ADI 2076/AC).

Ora, a Federação brasileira, nas palavras do professor Paulo Modesto (MODESTO, 2014), não é apenas um pacto político. É, também, um complexo normativo coordenado, que reúne ordens jurídicas distintas, delimitadas segundo o âmbito territorial de validade. Essa é a base para classificar, no sistema jurídico brasileiro, as normas em nacionais, federais, estaduais, municipais ou distritais.

Nesse contexto, ainda de acordo com o citado professor:

A transposição, repetição ou remissão de normas entre ordens jurídicas distintas é fenômeno usual no federalismo brasileiro, diante da primazia da Constituição Federal sobre as demais ordens jurídicas e o mimetismo normativo decorrente da fragilidade dos entes subnacionais, sendo frequente que as leis fundamentais das ordens estaduais, distritais e municipais reproduzam literalmente enunciados normativos presentes na Constituição Federal ou incorporem, por remissão, conteúdos constantes de enunciados constitucionais nacionais. Essa transposição normativa pode ser implícita ou expressa e, neste último caso, obrigatória ou voluntária.

 Tal constatação tem autorizado a doutrina a classificar as normas da Constituição Estadual conexas à Constituição Federal em três grupos distintos, valendo destacar, para o caso, as normas de reprodução obrigatória (ou “normas centrais”) que, como o próprio nome diz, são dispositivos da Lei Maior que devem, obrigatoriamente, em atenção ao que dispõe o art. 25 da CF/88 (BRASIL, 1988) ser repetidos nas Constituições Estaduais.

Daí porque, se uma norma é de reprodução obrigatória, considera-se que ela está presente na Constituição Estadual mesmo que a Carta Local seja silente. Isso significa que mesmo se a Constituição Estadual não disser expressamente considera-se que a regra está presente no texto normativo regional.

A propósito, por sua clareza e didática, vale reproduzir o escólio do Min. Luis Roberto Barroso, exarado no julgamento da Rcl 17954 AgR/PR, para quem normas de reprodução obrigatória são "as disposições da Carta da República que ingressam automaticamente nas ordens jurídicas parciais editadas por esses entes federativos.” E continua:

Essa entrada pode ocorrer, seja pela repetição textual do texto federal, seja pelo silêncio dos constituintes locais – afinal, se sua absorção é compulsória, não há qualquer discricionariedade na sua incorporação pelo ordenamento local.

Nesse caso, parafraseando o Min Luiz Fux, a Constituição da República (BRASIL, 1988) assume o papel de texto normativo central para toda a federação, limitando, em algumas matérias, o poder constituinte decorrente atribuído aos Estados-membros à transposição de normas da Constituição da República, que passam a ser também normas constitucionais estaduais, formal ou materialmente idênticas àquelas (ADI 5646/SE).

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A validade e a normatividade dessas disposições para o Estado-membro, relembre-se, independem até mesmo da expressa transposição das normas previstas na Constituição da República (BRASIL, 1988) para o texto da Constituição estadual, mercê de se tratar de normas diretamente aplicáveis a todos os entes federativos, ainda que não expressamente absorvidas pelo ordenamento constitucional local.

Estabelecidas tais premissas, ressoa natural a conclusão de que mesmo não existindo na Constituição Estadual previsão expressa sobre determinada norma considerada de reprodução obrigatória, nada impede que seja impetrado mandado de injunção no âmbito do respectivo Tribunal de Justiça visando a consecução do correspondente direito, uma vez que, diga-se novamente (mesmo correndo-se o risco de se tornar repetitivo), já implicitamente previsto na Carta Política Local.

Esse entendimento, embora, a princípio, ainda não tenha sido analisado expressamente pela Corte, parece ser o que mais se coaduna à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Com efeito, ao analisar a questão das normas de repetição obrigatória e o controle de constitucionalidade no âmbitos dos Tribunais de Justiça Estaduais, o Excelso Pretório, ao julgar o RE 598.016 AgR/MA, firmou compreensão no sentido de que “A omissão da Constituição Estadual não constitui óbice a que o Tribunal de Justiça local julgue a ação direta de inconstitucionalidade tendo como parâmetro norma de reprodução obrigatória.”

Ora, se ausência de previsão expressa na Constituição Estadual sobre norma de reprodução obrigatória não impede o controle de constitucionalidade pelos Tribunais Estaduais, não há que se falar, da mesma forma, em proibição de julgamento de mandado de injunção visando suprir a omissão do legislador local que esteja interditando a fruição de direito assegurado.


REFERÊNCIAS

BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.

MODESTO, Paulo. As normas de reprodução, imitação e remissão como parâmetro de controle de constitucionalidade nos Estados membros da Federação e o papel das leis orgânicas municipais. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, p. 1 – 48, ano 12 - n. 46, julho/setembro – 2014. p. 3.

BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 2076/AC, Rel. Ministro CARLOS VELLOSO, julgado em 15/8/2002, DJ 8/8/2003.

BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 598016 AgR/MA, Rel. Ministro EROS GRAU, julgado em 20/10/2009, DJ 13/11/2009.

BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Rcl 17954 AgR/PR, Rel. Ministro ROBERTO BARROSO, julgado em 21/10/2016, DJ 10/11/2016.

BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI ADI 5646/SE, Rel. Ministro LUIZ FUX, julgado em 7/2/2019, DJ 8/5/2019.

Sobre o autor
Ygreville Gasparin Garcia

Advogado. Sócio Proprietário da F & G Felini e Garcia Advogados Associados. Pós-graduado em Direito Público. Autor de artigos jurídicos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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