Justiça em desequilíbrio - STF valida Leis que privilegiam o Ministério Público*

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A Corte Constitucional do País em recente deliberação, por maioria, validou a Lei Complementar 75 e a Lei 8.625, ambas de 1993, que instituíram, respectivamente, a Organização, as atribuições e o Estatuto do Ministério Público da União, assim como a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público. Esses diplomas legais definiram a posição dos membros do Ministério Público ao lado do magistrado nas sessões de julgamento, gênese, no aspecto formal e material, de um privilégio - ferindo a Carta Magna - em relação às partes contrárias quando esse órgão atua não com fiscal da lei, e sim como parte, uma vez que os advogados em geral e defensores públicos não terão tal locus nas audiências. Veja-se trechos da referidos Leis:

LC 75/93

Art. 18. São prerrogativas dos membros do Ministério Público da União:

I - institucionais:

a) sentar-se no mesmo plano e imediatamente à direita dos juízes singulares ou presidentes dos órgãos judiciários perante os quais oficiem; …”

Lei 8.625/93

“Art. 41. Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício de sua função, além de outras previstas na Lei Orgânica: …

XI - tomar assento à direita dos Juízes de primeira instância ou do Presidente do Tribunal, Câmara ou Turma. …”

O principal fundamento do Voto vencedor, relatora Min. Cármen Lúcia, por indeferir a Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) constitui na suposta lacuna da Carta Magna em tratar desse tema e concomitante em atribuir aos MPs papel proeminente nas várias funções de atuação como parte e no controle da legalidade dos processos. Com efeito, entendeu o Pretório Excelso, em suma, que o membro do MP possui iguais garantias, prerrogativas e vedações do juiz, embora cada um tenha atuações distintas. Veja-se a Decisão na ADI 4768:

“DIREITO CONSTITUCIONAL – MINISTÉRIO PÚBLICO; PRERROGATIVAS; DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

Prerrogativa do Ministério Público de posicionar-se ao lado do magistrado nos julgamentos - ADI 4768/DF

A prerrogativa atribuída aos membros do Ministério Público de situar-se no mesmo plano e imediatamente à direita dos magistrados nas audiências e sessões de julgamento (Lei Complementar 75/1993, art. 18, I, “a”; e Lei 8.625/1993, art. 41, XI) não fere os princípios da isonomia, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório (CF/1988, art. 5º, I, LIV e LV) nem compromete a necessária paridade de armas que deve existir entre a defesa e a acusação.

A atual posição dos sujeitos processuais na sala de audiências e de julgamento é justificada seja pela tradição, seja pela diferenciada função desempenhada pelo órgão ministerial como representante do povo, uma vez que atua de forma imparcial para alcançar os fins que lhe foram constitucionalmente conferidos.

O direito à igualdade das partes é substancial, não figurativa. Inclusive, a impessoalidade dos magistrados e dos membros do Ministério Público é assegurada pela organização legal das carreiras. Se assim não fosse, poderia ocorrer o subjetivismo nos julgamentos e a mudança de locais segundo afetos e desafetos, de modo que, ao determinar os lugares, a lei evita essa possibilidade.

Além disso, a atuação do Parquet pode conjugar, simultânea ou alternadamente, os papéis de parte processual e de custos legis, dada a singela circunstância de sua atribuição em defender o interesse público e a sociedade. Assim, não se pode afirmar que a proximidade física entre o integrante do Ministério Público e o magistrado, por si só, propicie algum tipo de influência ou comprometimento aos julgamentos.

Com base nesses entendimentos, o Plenário, por maioria, julgou improcedente a ação.” (Informativo 1077)

Todavia, há de se ponderar, numa interpretação sistemática, histórica e teleológica, que tanto o ministério público, quanto a advocacia, pública e em geral, e a defensoria integram o pool de atores essenciais à justiça que o Constituinte Originário, CR, artigos 127 a 135, preconizou visando a que haja respeito ao Devido Processo Legal e o equilíbrio imprescindível entre as partes, e não uma preponderância de um sobre os demais.

De salientar que inclusive, segundo Bulos (2017), a denominação de parquet ao Ministério Público advém do fato de atuarem no assoalho das salas de julgamento como igualmente o advogado da parte para se delinear uma isonomia de tratamento:

“Com o designativo “Das Funções Essenciais à Justiça”, o constituinte traçou, no Capítulo IV, o perfil constitucional do Ministério Público … da Advocacia Pública … da Advocacia em geral … e da Defensoria Pública … organismos que desempenham atividades essenciais à justiça porque provocam o Poder Judiciário a dirimir litígios. … Sendo a jurisdição inerte, por natureza, evidente que a instituição judiciária, os quais mediam, em posição de equilíbrio, os interesses em embate.”

Ademais, impende frisar que consiste em um direito fundamental de todos o julgamento com equilíbrio das partes para haver prestação jurisdicional imparcial em conformidade com o Devido Processo Legal. Não se coaduna, pois, com tais diretrizes essenciais as Leis que regulam os parquets. Representam retrocessos que aviltam cláusulas pétreas da Constituição Cidadã.

A Decisão sob exame, diga-se, deu-se por vantagem mínima, seis votos contra cinco dos magistrados do STF. E, no espectro dos Votos divergentes verifica-se que avocaram as forças normativas dos princípios expressos e implícitos da Carta Magna para a intelecção de inconstitucionalidade da Lei, notadamente imparcialidade e igualdade das partes.

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Veja-se que a Ementa de Decisão exposta no mencionado Informativo do STF busca expor mais argumentos defensivos sobre a irrazoável interpretação do que indicar plausíveis motivos da constitucionalidade da Leis.

Igualdade das partes constitui consectário do Estado Democrático do Direito, todos submetidos às leis e em geral com igualdade de condições, e, do Devido Processo Legal, instituído para que a prestação jurisdicional seja equilibrada, imbuída de imparcialidade, igualdade das partes, razoabilidade e proporcionalidade em cada caso concreto.

A ascendência da posição na sala de julgamento não apenas contraria os referidos postulados, mas denota aos presentes e aos que acompanham de modo virtual uma maior importância do membro do MP em detrimento da parte contrária. Com efeito, o fato do membro do parquet, e apenas esse, posicionar-se ao lado do julgador destoa do postulado estrutural da prestação jurisdicional em equilíbrio.

À exceção pode-se verificar nos processos em que há a atuação como fiscal da lei, consoante Voto divergente do Min. Ricardo Lewandowski, também uma competência constitucional de relevo conferida ao Ministério Público, porquanto atua não como parte, mas no controle da legalidade do processo em julgamento. Nesse sentido, profícuo também citar a intelecção de Novelino (2021):

“Em sua acepção processual (sentido formal), o princípio garante a qualquer pessoa o direito de exigir que o julgamento ocorra em conformidade com as regras procedimentais previamente estabelecidas. … A regularidade formal de uma decisão, por si só, não basta: é necessário que ela seja substancialmente devida (Didier, 2007). A acepção substantiva está ligada a ideia de um processo legal justo e adequado … O devido processo legal se dirige em um primeiro momento, ao legislador, constituindo-se um limite à sua atuação, que deverá pautar-se pelos critérios de justiça, razoabilidade, e racionalidade e algumas garantias constitucionais processuais, como o acesso à justiça … a igualdade entre as partes e a exigência de imparcialidade …”

Desse modo, vislumbro que a Decisão do STF, comentada nestes breves apontamentos, carece de fundamentação plausível e não expurgou da ordem legal leis de patentes inconstitucionalidades, porquanto desequilibram a Justiça ao instituir privilégios aos membros do Ministério Público. Iminente, por consequência, que se promova alteração legislativa para revogar tais regras que violam disposições estruturantes da Carta Magna.

* Alcindo Antonio A. B. Belo (Advogado licenciado OAB-PE, Pós-Graduação em Administração Pública e Controle Externo - FCAP/UPE e Auditor de Controle Externo do TCE-PE)

Referências:

BRASIL, Lei Complementar nº 75-93 e Lei nº 8625-93. Brasil, Conselho Nacional do Ministério Público [2005]. Disponível em: <https://www.cnmp.mp.br/portal/images/stories/Destaques/Publicacoes/Lei_Complementar_75-93_e_Lei_8625-93.PDF>. Acesso 01 fev. 23.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo 1.077, DO 02/12/2022. Disponível em: <https://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo1077.htm>. Acesso em 01 fev. 2023.

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1998. Brasil, Congresso Nacional, [1988]. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso 30 jan 23.

BULOS, Uadi Lamegos, Constituição Federal Anotada - 12 ed, Saraiva, São Paulo: 2017.

REGRA que posiciona membro do MP ao lado do juiz é constitucional, entende STF. Supremo Tribunal Federal, Brasília, 23 de nov. de 2022. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=497934&ori=1>. Acesso em: 02 de fev. 2023.

NOVELINO, Marcelo, Curso de Direito Constitucional, 16. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2021.

Sobre o autor
Alcindo Antonio Amorim Batista Belo

Bacharel em Direito e Administração pela UFPE. Pós-graduação em Administração Pública e Controle Externo pela FCAP/UPE. Advogado OAB-PE licenciado. Auditor de Controle Externo do TCE-PE.

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