DA NECESSIDADE DE EQUIPARAÇÃO ENTRE EMPREGADOS CELETISTAS E O SERVIDORES PÚBLICOS, QUANTO À JORNADA ESPECIAL, SEM PREJUÍZO SALARIAL, PARA ACOMPANHAR O TRATAMENTO DE SAÚDE DE SEUS DEPENDENTES, PORTADORES DE DEFICIÊNCIA FÍSICA.

26/09/2022 às 16:43
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O legislador ordinário conferiu aos servidores públicos federais o direito à concessão do pedido de redução de carga horária ou jornada especial, para acompanhar tratamento de saúde de cônjuge, filho ou dependente com deficiência (art. 98, da lei 8112/91).

Tal benefício vem sendo reproduzido pelos estatutos dos servidores públicos lotados nos estados e municípios, como forma de ampliar tal direito a estes servidores.

Entretanto, ao empregado regido pela CLT, ocupantes de emprego na esfera pública ou privada, não existe norma que lhes resguardem. A CLT é omissa nesse ponto, sendo necessária a tutela jurisidicional na efetivaçãode tal direito.  

Com efeito, a Constituição Federal definiu como um dos fundamentos da República a dignidade humana (art. 1º, III). Mais adiante destacou a saúde como Direito Social (art. 6º), inclusive compondo o rol de direitos e garantias fundamentais (Título II), além de dedicar seção especial quando dispõe sobre a ordem social, introduzindo o tema no art. 196 da seguinte forma:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do  Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Portanto, verifica-se que um dos valores sociais que revelam maior preocupação do constituinte é a saúde, pois é condição sine qua non para o desenvolvimento individual, bem como de toda a sociedade. Assim, consagra-se o direito à saúde como direito fundamental, afirmado, inclusive, como um mínimo existencial.

Em complemento, a Constituição Federal, em seu art. 227, preconiza:

"é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".

§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos.

Em razão desse cenário constitucional, a garantia dos direitos das crianças não constitui dever unicamente de seus genitores, mas antes, de toda a sociedade e do Estado.

É certo que o ordenamento jurídico nacional, apesar de várias normas sobre a necessidade de amparo e promoção da dignidade da pessoa com deficiência, a CLT, inequivocamente, não possui qualquer regramento acerca do tema. Logo, sua análise se impõe à luz do direito comum, do direito comparado, da analogia e da equidade, conforme determinam o artigo 8º, caput e parágrafo único da CLT.

A Lei 8.112/90, prevê em seu artigo 98, verbis:

"Art. 98. Será concedido horário especial ao servidor estudante, quando comprovada a incompatibilidade entre o horário escolar e o da repartição, sem prejuízo do exercício do cargo. (...)

§ 2o Também será concedido horário especial ao servidor portador de deficiência, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, independentemente de compensação de horário.

§ 3o As disposições constantes do § 2o são extensivas ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência.

Assim, a utilização desta analogia revela harmonia com ditames constitucionais e legais, posto que a diferença de regime laboral - estatutário ou celetista não autoriza a distinção em matéria de direitos e garantias no que toca às pessoas com deficiência e, de outro modo, permite a concretização dos preceitos legais acima indicados.

Sobre o tema, o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, tendo no polo passivo uma empresa pública federal, com empregados regidos pela CLT, utilizou da analogia para o reconhecimento do direito à redução da jornada de empregada pública, que necessitava acompanhar o dependente, portador de necessidades  especiais, aos cuidados médicos e terapêuticos. Vejamos:

RECURSO ORDINÁRIO. EMPREGADA PÚBLICA. FILHO PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS. REDUÇÃO DA CARGA HORÁRIA. REGIME CELETISTA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. DIREITO FUNDAMENTAL. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E ANALÓGICA DE CONSTITUCIONAIS E FEDERAIS COGENTES DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO PORTADOR DE NECESSIDADE ESPECIAL. PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE DAS NORMAS. OFENSA À LEGALIDADE ADMINISTRATIVA. INOCORRÊNCIA. Consoante autoriza o ordenamento jurídico, com especial relevância ao artigo 8º da CLT, na falta de disposições legais ou contratuais, o juiz decidirá, "conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por  equidade  e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do Direito do Trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público." Portanto, o reconhecimento pelo Poder Judiciário de direito não regulado no regime celetista, mas amparado em normas constitucionais e infraconstitucionais, não implica violação ao princípio da legalidade, tampouco em imersão na esfera de competência do legislador, guardando, isto sim, estreita observância com tais normas, porque encontra amparo na interpretação sistemática e analógica autorizada por lei. RO 0000604-92.2016.5.10.0002 TRT 10, publicado em: 01/02/2017.

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É cediço que as crianças portadoras de deficiência física necessitam ser estimuladas a fim de que possam desenvolver a capacidade de superar as limitações de sua condição. Assim, como possuem necessidades específicas de saúde e aprendizagem, requerem assistência profissional multidisciplinar e atenção permanente dos pais.

A Constituição de 1988 erigiu como valor social o trabalho, conforme dispõe o art. 6º. O trabalho é, senão o maior veículo instrumentalizador para a proteção da infância.

Nessa linha de raciocínio, é importante ter em mente que o escopo  maior  do  Judiciário  é  a  busca  incessante  pela  concretização  dos  direitos fundamentais como verdadeiro imperativo da dignidade da pessoa humana, respeito aos valores sociais do trabalho e construção de uma sociedade justa e solidária, atendendo ao quanto previsto em normas constitucionais, infraconstitucionais e internacionais sobre proteção à criança e pessoa com deficiência.

Salienta-se que o ordenamento jurídico internacional corrobora ainda de teses protetivas às pessoas com deficiência, sendo estas aplicáveis ao nosso ordenamento, segundo autoriza o art. 8º da CLT.

A título de exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, aprovada em 10 de dezembro de 1948, marco da universalização dos  direitos humanos, estabelece que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos (artigo I); toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social (artigo XXIII, item 3); toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, assegurando que a maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais (art. XXV, itens 1 e 2).

Por sua vez, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948) prevê que toda pessoa tem direito de constituir família, elemento fundamental da sociedade e a receber proteção para ela (art. VI), assim como toda mulher em estado de gravidez ou em época de lactação, assim como toda criança, têm direito à proteção, cuidados e auxílios especiais (art. VII). Toda pessoa tem direito a que sua saúde seja resguardada por medidas sociais e cuidados médicos correspondentes ao nível permitido pelos recursos públicos e da coletividade (art. XI).

A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica - 1969), aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo 27 de 25.09.1992, afirma que toda criança terá direito às medidas de proteção que a sua condição de menor requer, por parte da sua família, da sociedade e do Estado (art. 19).

A Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), adotada pela ONU e aprovada pelo Brasil pelo Decreto Legislativo 28 de 14 de setembro de 1990 e promulgada pelo Decreto 99.710, de 21 de novembro de 1990, contempla também série de dispositivos de extrema importância. Artigo 3º 2. Os Estados Partes se comprometem a assegurar à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários para seu bem-estar, levando em consideração os direitos e deveres de seus pais, tutores ou outras pessoas responsáveis por ela perante a lei e, com essa finalidade, tomarão as medidas legislativas e administrativas adequadas.

 Feitas tais transcrições, pondera-se: o que representa para uma empresa, especilamente numa grande empresa, a redução de jornada de trabalho de uma empregada sua em 30%, 40 ou 50%, frente ao que representaria a ausência de um cuidado mais estreito de uma mãe para com seu filho portadora de deficiência física?

O balizamento dos bens jurídicos em jogo responde essa pergunta, sendo certo que o valor vida tem preponderância axiológica frente a qualquer outro.

Demonstrado todo esse quadro jurídico e social, entende-se numa atuação com os olhos voltados para todas as normas internacionais citadas, que a decisão mais justa para esses casos é pela possibilidade de redução de jornada, sem prejuízo salarial, para garantir aos empregados celetistas o direito à possibilidade de acompanharem seus filhos e dependentes deficiencia física.

Impedir,  negar,  criar  embaraços  ou simplesmente impossibilitar o acesso da criança deficiente à plenitude das possibilidades contempladas pelos tratamentos existentes, acompanhadas de seu genitor, é fechar os olhos por completo para a citada norma constitucional e direitos que a mesma consagra, e contribuir para que mais uma vez direitos fundamentais fiquem em segundo plano de realização ou concretização fáticomaterial.

Ressalata-se que tais garantias devem ser analisadas caso a caso, sendo necessário que o legislador ordinário positive essa situação, de forma expressa, no texto da CLT, ante sua omissão normativa.

Sobre o autor
Carlos Eduardo da Silva Souza

Advogado, desde 2009, Pós-graduado em Direito Público, com especialidade em direito civil e do trabalho. Atualmente advogado da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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